Artigo 3º do Código Penal Militar: A Regência Temporal das Medidas de Segurança

Artigo 3º do Código Penal Militar A Regência Temporal das Medidas de Segurança3

Introdução

O Código Penal Militar (CPM), instituído pelo Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969, rege as infrações penais cometidas por militares das Forças Armadas e, excepcionalmente, por civis, quando sujeitam-se à jurisdição castrense. Dentro de seu escopo, o artigo 3º trata de um tema de elevada relevância para o Direito Penal contemporâneo: a regência das medidas de segurança, sua aplicação temporal e a compatibilidade com o princípio da legalidade penal.

Neste artigo, propomos uma análise profunda, técnica e crítica do artigo 3º do CPM, tratando de seus fundamentos doutrinários, implicações práticas e inserção no sistema penal militar. Para isso, examinaremos:

  • O conceito e natureza das medidas de segurança;
  • O critério temporal para sua aplicação;
  • A compatibilidade do artigo 3º com princípios constitucionais;
  • Comparações com o Código Penal comum;
  • A posição da jurisprudência;
  • Casos concretos e implicações para a defesa e acusação;
  • E, ao final, uma FAQ com respostas às dúvidas mais comuns sobre o tema.

1. Redação do artigo 3º do Código Penal Militar

Art. 3º As medidas de segurança regem-se pela lei vigente ao tempo da sentença, prevalecendo, entretanto, se diversa, a lei vigente ao tempo da execução.

A leitura do dispositivo revela um critério duplo de regência temporal: via de regra, a lei vigente no momento da sentença regula a imposição da medida de segurança, mas essa pode ser substituída por aquela em vigor no momento da execução, caso haja mudança legislativa.

Esse modelo normativo revela uma preocupação com a eficácia preventiva e terapêutica das medidas de segurança, inserindo uma cláusula de flexibilidade voltada ao interesse do agente e à adaptação ao ordenamento vigente no momento da execução.


2. Conceito e finalidade das medidas de segurança

As medidas de segurança são sanções de natureza penal, voltadas não à retribuição do crime, mas à prevenção da periculosidade do agente. Têm aplicação típica nos casos em que o sujeito é considerado inimputável ou semi-imputável, nos termos do artigo 48 do CPM.

Elas se distinguem da pena por não representarem censura moral, mas sim instrumentos de defesa social e tratamento psiquiátrico, com vistas à reabilitação.

Finalidade:

  • Proteger a sociedade contra a periculosidade do agente;
  • Promover a reabilitação ou redução da periculosidade;
  • Substituir a sanção penal tradicional em casos de inimputabilidade.

3. Critério da lei vigente ao tempo da sentença

O caput do artigo 3º prevê que a lei que rege a medida de segurança é a vigente na data da sentença, e não na data da prática do fato, como ocorre com as normas incriminadoras. Esse critério é justificado pelo caráter prospectivo e assistencial da medida de segurança, diferentemente da pena, que tem natureza retributiva.

Exemplo:

Um militar comete crime em 2018, sendo diagnosticado com esquizofrenia paranoide. A sentença é proferida em 2022, quando o tratamento ambulatorial substituiu a internação obrigatória como medida padrão. Nesse caso, a medida aplicada será a prevista na lei vigente em 2022.


4. Prevalência da lei vigente ao tempo da execução

A parte final do artigo 3º traz a seguinte ressalva: “prevalecendo, entretanto, se diversa, a lei vigente ao tempo da execução.”

Ou seja, entre a sentença e a execução, se houver nova legislação tratando das medidas de segurança de forma diferente, esta prevalece sobre a anterior. Essa cláusula privilegia a lei mais atual, com o objetivo de refletir a evolução dos tratamentos e políticas criminais.

Interpretação doutrinária:

Essa flexibilidade é compatível com a lógica da medida de segurança, que deve se adequar ao estado atual da medicina, da psiquiatria e da política criminal. O Direito Penal Militar, nesse ponto, adota uma visão atualista, que busca compatibilizar o instituto com a realidade da execução penal.


5. Diferenças entre medidas de segurança e pena

Característica Pena Medida de Segurança
Natureza Retributiva Preventiva e terapêutica
Sujeito Imputável Inimputável ou semi-imputável
Fundamento Culpabilidade Periculosidade
Duração Determinada Indeterminada (com reavaliação)
Legislação aplicável Vigente ao tempo do fato Vigente ao tempo da sentença ou execução

Essa tabela deixa clara a distinção essencial entre os dois institutos. Enquanto a pena obedece rigidamente ao princípio da legalidade, as medidas de segurança operam com base no princípio da atualidade da periculosidade.


6. Compatibilidade com o princípio da legalidade penal

Em princípio, aplicar uma lei posterior à sentença poderia parecer ofensivo ao princípio da legalidade penal (art. 5º, XXXIX, CF). Contudo, no caso das medidas de segurança, a doutrina e a jurisprudência reconhecem sua natureza sui generis, o que justifica um critério de aplicação mais dinâmico.

Argumentos doutrinários:

  • A medida de segurança não é punição, mas providência de defesa social;
  • A mudança legislativa posterior pode representar melhor técnica de tratamento ou maior respeito à dignidade do paciente;
  • A aplicação da nova lei pode ser mais benéfica ao agente — em consonância com o art. 5º, XL, da CF.

7. Comparativo com o Código Penal comum

O Código Penal comum (art. 1º, parágrafo único, CP) trata das medidas de segurança de forma semelhante, mas não possui regra expressa equivalente ao art. 3º do CPM. Isso faz do Código Penal Militar mais explícito quanto ao critério temporal da aplicação da medida.

Todavia, na prática, o entendimento jurisprudencial e doutrinário convergem, permitindo a aplicação da lei vigente ao tempo da execução da medida de segurança, desde que mais benéfica e compatível com os direitos fundamentais.


8. Jurisprudência militar sobre o artigo 3º do CPM

Exemplo do STM:

“As medidas de segurança devem acompanhar a evolução legislativa e científica. Havendo alteração no regime de execução, aplica-se a norma vigente no momento da execução, nos termos do art. 3º do CPM.” (STM, Apelação nº XXXXXX)

Essa linha jurisprudencial reconhece a prevalência da lei posterior mais favorável, mesmo após o trânsito em julgado da sentença.


9. Requisitos para aplicação da nova lei durante a execução

Para que a lei vigente na execução prevaleça, alguns critérios devem ser observados:

  • Efetiva mudança legislativa: A norma posterior deve alterar o regime, o tipo ou os critérios da medida de segurança;
  • Maior benignidade da nova lei: A nova legislação deve ser mais benéfica ou terapêutica;
  • Decisão judicial de aplicação: A substituição deve ser reconhecida por decisão judicial motivada.

10. A importância do artigo 3º na Justiça Militar

A Justiça Militar lida com uma população específica: militares que, em regra, gozam de plena saúde física e mental, mas que, por vezes, estão sujeitos a condições adversas de trabalho que podem desencadear transtornos mentais. Em tais situações, a correta aplicação das medidas de segurança exige:

  • Atualização legislativa constante;
  • Diálogo com as ciências médicas e psicológicas;
  • Adequação às garantias fundamentais.

O artigo 3º funciona como instrumento de adaptação normativa, permitindo que a execução da medida não se torne desumana, obsoleta ou desproporcional.


11. Desafios na aplicação prática

a) Falta de estrutura psiquiátrica militar

A aplicação de medidas de segurança no âmbito das Forças Armadas esbarra na escassez de instituições militares voltadas à saúde mental. Muitas vezes, é necessário recorrer à rede civil de atendimento, o que pode causar conflitos de competência.

b) Resistência à flexibilização judicial

A substituição de medidas de segurança, por vezes, encontra resistência entre os operadores do Direito militar mais tradicionalistas, o que exige mudança de cultura jurídica, com base em princípios humanistas e garantistas.

c) Inexistência de regulamentação específica

Apesar da previsão do artigo 3º, faltam normas complementares que regulem de forma mais detalhada o procedimento de substituição da medida de segurança conforme a nova lei vigente à época da execução.


12. Propostas para o futuro

  • Criação de centros de atenção psicossocial militar (CAPS-M): para cumprimento de medidas terapêuticas;
  • Capacitação de operadores do Direito Militar: juízes, defensores e promotores devem conhecer os fundamentos psiquiátricos das medidas;
  • Revisão legislativa: para alinhar o CPM às diretrizes da Lei nº 10.216/2001 (Lei da Reforma Psiquiátrica) e ao Código Penal comum.

FAQ – Perguntas Frequentes sobre o Artigo 3º do Código Penal Militar

1. O que são medidas de segurança no Código Penal Militar?
São sanções penais aplicadas a militares inimputáveis ou semi-imputáveis, com finalidade preventiva e terapêutica, como internação ou tratamento ambulatorial.

2. Qual lei deve ser considerada para aplicação da medida de segurança?
Segundo o artigo 3º do CPM, deve-se aplicar a lei vigente na data da sentença. Contudo, se no momento da execução houver lei diversa, esta prevalece.

3. Isso não viola o princípio da legalidade penal?
Não. A medida de segurança não tem natureza retributiva. Sua aplicação busca proteger a sociedade e tratar o agente. Por isso, a lei da execução, se mais benéfica, é permitida.

4. A medida pode ser substituída por uma mais leve depois da sentença?
Sim. Caso a legislação vigente na data da execução preveja forma mais branda ou moderna de tratamento, ela pode ser aplicada judicialmente.

5. Como solicitar essa substituição?
A defesa pode peticionar ao juiz da execução penal militar, apresentando laudos médicos, legislações atualizadas e demonstrando que a nova medida é mais adequada.

6. E se a nova lei for mais rigorosa? Pode ser aplicada?
Não. A nova lei só prevalece se for mais benéfica ao agente, conforme interpretação sistemática dos princípios constitucionais.

7. Um civil processado na Justiça Militar também pode ser beneficiado?
Sim, se submetido à jurisdição militar e sujeito à aplicação de medida de segurança, tem os mesmos direitos previstos no artigo 3º.

8. Qual a diferença entre medida de segurança e pena?
A pena é retributiva e tem duração determinada. A medida de segurança é preventiva, terapêutica e sua duração depende da persistência da periculosidade.


Conclusão

O artigo 3º do Código Penal Militar é uma norma de grande sensibilidade jurídica e social. Ao estabelecer que as medidas de segurança devem se reger pela lei da sentença, mas admitindo a prevalência da lei da execução, o legislador castrense incorporou ao ordenamento uma cláusula de adaptabilidade humanitária.

Sua correta aplicação exige leitura constitucionalizada, com enfoque na dignidade da pessoa humana, nos avanços da psiquiatria e na modernização da execução penal militar. Em um sistema penal voltado cada vez mais para a prevenção e reabilitação, o artigo 3º representa um elo fundamental entre o Direito, a ciência e a justiça.