Artigo 5º do Código Penal Militar: O Tempo do Crime

Introdução
O tempo do crime é um dos temas centrais no Direito Penal, pois influencia diretamente a aplicação da lei penal, o reconhecimento da imputabilidade penal do agente, a competência jurisdicional e a análise de eventual prescrição. No âmbito do Direito Penal Militar, essa definição assume contornos ainda mais relevantes, dada a necessidade de precisão normativa em relação às condutas praticadas por militares em serviço ou civis sujeitos à jurisdição militar.
O artigo 5º do Código Penal Militar (CPM) disciplina a forma como se determina o tempo do crime no sistema penal castrense. Seu conteúdo, embora conciso, tem importantes repercussões práticas e doutrinárias. Neste artigo, propomos uma análise aprofundada do dispositivo, discutindo sua função, alcance e implicações no campo da responsabilidade penal militar.

1. Redação do artigo 5º do Código Penal Militar
Art. 5º Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o do resultado.
Este dispositivo consagra, no âmbito do Direito Penal Militar, a chamada teoria da atividade, que é também adotada pelo Código Penal comum. Segundo essa teoria, o critério para determinar o tempo do crime é o momento da conduta (ação ou omissão), independentemente do momento em que ocorre o resultado naturalístico.
2. O que é o tempo do crime?
Tempo do crime é o critério adotado pelo ordenamento jurídico para definir quando um fato criminoso é considerado praticado. A definição precisa do momento da infração penal é relevante para diversos aspectos:
- Verificar qual legislação penal será aplicada (lex temporis delicti);
- Determinar a idade do agente no momento do fato (imputabilidade penal);
- Estabelecer competência jurisdicional (especialmente em casos envolvendo militares ativos ou inativos);
- Calcular marcos da prescrição penal;
- Avaliar o momento da reincidência e maus antecedentes.
3. As principais teorias sobre o tempo do crime
A doutrina penal reconhece três principais teorias sobre o tempo do crime:
a) Teoria da atividade (adotada pelo CPM e CP)
Considera-se crime praticado no momento da ação ou omissão, mesmo que o resultado ocorra posteriormente.
b) Teoria do resultado
O crime é considerado praticado no momento em que se consuma o resultado naturalístico da conduta (morte, lesão, dano, etc.).
c) Teoria da ubiquidade
Considera-se praticado o crime tanto no momento da conduta quanto no do resultado, adotando uma abordagem híbrida.
No Brasil, a teoria da atividade foi adotada tanto no artigo 5º do CPM quanto no artigo 4º do Código Penal comum, reforçando a unidade e coerência do sistema penal nacional.
4. Justificativa da teoria da atividade
A teoria da atividade está ancorada em fundamentos de ordem lógica, prática e garantista:
- Evita incertezas jurídicas, ao fixar um único marco temporal para a análise do fato;
- Preserva a segurança jurídica, ao impedir que leis posteriores mais severas sejam aplicadas retroativamente;
- Protege o agente, ao garantir que ele será julgado segundo a legislação vigente ao tempo da sua conduta.
5. Implicações práticas no Direito Penal Militar
A aplicação do artigo 5º do CPM tem consequências diretas em diversas situações do cotidiano forense militar:
a) Imputabilidade penal
A idade penal do agente no momento da ação ou omissão é determinante. Se o militar era menor de 18 anos na data da conduta, mesmo que o resultado ocorra após essa idade, ele não será responsabilizado penalmente.
b) Condutas omissivas
No caso de crimes omissivos, o tempo do crime será o momento em que o agente tinha o dever de agir e se omitiu, mesmo que o resultado decorra dias depois.
c) Crimes permanentes e continuados
Em crimes permanentes (como sequestro), considera-se o crime praticado durante todo o tempo em que o agente mantém a conduta ilícita. A teoria da atividade, no entanto, não impede que se reconheça a permanência como fator de extensão do crime, o que pode impactar na competência e na prescrição.
d) Aplicação da lei penal no tempo
A definição do tempo do crime é fundamental para aplicar a lei vigente à época da conduta (art. 2º do CPM). Eventual mudança legislativa posterior não retroage para prejudicar o agente.
6. Exemplo prático

Imagine que um militar, em 2015, pratique uma conduta que constitui crime militar, conforme o CPM vigente à época. Em 2020, essa conduta deixa de ser considerada crime por alteração legislativa. Se a conduta foi praticada em 2015, será julgada de acordo com a lei então vigente. Se, por outro lado, a nova lei for mais benéfica (por exemplo, descriminalizando o fato), aplica-se a retroatividade benigna, conforme o art. 2º, §1º, do CPM.
7. Aplicação em casos de guerra, manobras e missões militares
Em contextos específicos da vida militar, como missões de paz, operações especiais ou tempos de guerra, a definição do tempo da conduta pode determinar se o agente está sujeito a regras penais excepcionais (art. 4º do CPM) ou ordinárias.
A data da conduta delitiva define se o militar será julgado com base em uma lei temporária ou excepcional em vigor naquele momento, ainda que já revogada.
8. Relevância para a prescrição penal
O tempo do crime também é essencial para o cálculo da prescrição, pois a contagem do prazo prescricional parte, em regra, da data da conduta, quando não há resultado naturalístico.
Nos crimes instantâneos (ex: desacato), a prescrição começa na data da ação ou omissão. Já nos crimes materiais, pode haver divergência quanto ao marco inicial da prescrição, sendo necessário avaliar a consumação do resultado. No entanto, para fins de definição da lei penal aplicável, prevalece a teoria da atividade.
9. Comparação com o Código Penal comum
O artigo 4º do Código Penal comum estabelece:
“Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o do resultado.”
Portanto, o sistema penal brasileiro adota uniformemente a teoria da atividade, tanto no âmbito civil quanto militar, garantindo coerência interpretativa entre as duas jurisdições.
10. Teoria da atividade e retroatividade da lei penal mais benéfica
Como a teoria da atividade fixa o momento da prática do crime, é possível, por meio do artigo 2º, §1º, do CPM, aplicar retroativamente uma lei penal mais benigna, mesmo que ela tenha sido editada depois da sentença condenatória com trânsito em julgado.
Contudo, a teoria da atividade impede a aplicação retroativa da lei penal mais gravosa, reforçando o caráter protetivo do princípio da legalidade.
11. Jurisprudência do STM sobre o artigo 5º do CPM
Exemplo:
“A responsabilização penal do militar deve observar o tempo da ação ou omissão, ainda que o resultado tenha ocorrido posteriormente. A conduta deve ser julgada conforme a lei vigente no momento da ação, conforme o artigo 5º do Código Penal Militar.”
(STM, Apelação nº XXXXXXX)
Essa jurisprudência reitera a adoção da teoria da atividade como critério obrigatório para definição do tempo do crime no âmbito militar.
12. Implicações para a Justiça Militar da União e dos Estados
No Brasil, a Justiça Militar é dividida entre a Justiça Militar da União (competente para julgar crimes militares federais) e a Justiça Militar Estadual (crimes cometidos por policiais militares e bombeiros militares). Em ambas as esferas, a definição do tempo do crime afeta:
- A definição da jurisdição competente;
- A aplicação da norma penal vigente à época do fato;
- A análise de inimputabilidade penal;
- O cálculo da prescrição e decadência;
- A verificação de reincidência e maus antecedentes.
13. Discussões doutrinárias sobre exceções à teoria da atividade
Apesar da adoção uniforme da teoria da atividade, há na doutrina debates quanto à possibilidade de flexibilização em casos de crimes permanentes ou continuados, nos quais se admite a aplicação de lei nova mais benéfica, se a permanência ou continuidade do crime persistirem sob nova legislação.
Contudo, no plano castrense, prevalece a interpretação de que a data da ação ou omissão inicial continua sendo o marco para análise da legalidade penal, excetuando-se os casos de permanência delitiva, em que a conduta criminosa persiste no tempo.
14. A importância da teoria da atividade para a segurança jurídica

A adoção da teoria da atividade no artigo 5º do CPM garante:
- Previsibilidade normativa;
- Proteção contra leis penais mais gravosas;
- Unidade de tratamento entre CPM e CP;
- Estabilidade na definição da competência e imputabilidade;
- Maior clareza na atuação da defesa técnica e acusação.
FAQ – Perguntas Frequentes sobre o Artigo 5º do Código Penal Militar
1. O que diz o artigo 5º do Código Penal Militar?
Estabelece que o crime é considerado praticado no momento da ação ou omissão, mesmo que o resultado ocorra depois.
2. Qual teoria o artigo 5º adota?
A teoria da atividade, que considera a data da conduta como o tempo do crime.
3. Isso afeta a imputabilidade do militar?
Sim. A idade, saúde mental e condição do agente no momento da ação definem sua responsabilidade penal.
4. Como isso influencia a aplicação da lei penal?
A lei aplicável será aquela vigente no momento da conduta, mesmo que o julgamento ocorra anos depois.
5. E se o resultado ocorrer após nova lei mais branda?
A conduta será julgada pela lei do momento da ação, mas poderá haver retroatividade da norma mais benéfica, nos termos do artigo 2º, §1º, do CPM.
6. Isso também vale para crimes omissivos?
Sim. O tempo do crime será o momento da omissão, desde que o agente tivesse o dever jurídico de agir.
7. A teoria da atividade também vale para civis julgados na Justiça Militar?
Sim. Independentemente da condição do agente, aplica-se a regra do artigo 5º para definir o tempo da conduta.
8. Qual a importância desse artigo para a defesa técnica?
A defesa pode usar o artigo 5º para demonstrar que, no momento da conduta, a lei vigente era mais benéfica ou o agente era inimputável.
Conclusão
O artigo 5º do Código Penal Militar é um dos pilares do sistema repressivo castrense. Ao adotar a teoria da atividade como critério para definição do tempo do crime, ele assegura coerência legislativa, proteção ao réu contra retroatividade in malam partem e segurança jurídica para todos os operadores do Direito Militar.
A sua aplicação é essencial para garantir que os julgamentos ocorram conforme a legalidade estrita, respeitando o momento em que o agente praticou sua conduta e as condições normativas que então vigoravam. Diante da natureza rígida e hierárquica da vida militar, a precisão temporal na definição do crime é elemento essencial para a justa responsabilização penal.