Agravo em Execução Penal
Tese: Detração em cumprimento de Pena (LEP)
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DE EXECUÇÕES PENAIS DA COMARCA DE_______________
Proc: 00000000-00.0000.0.00.0000
RÉU PRESO
__________________, Já devidamente qualificado nos autos da execução penal em epígrafe, inconformado com a decisão de fls. (seq. XXX) que determinou sua regressão de regime, vem à presença de Vossa Excelência, por meio de seu advogado subscrito, com o objetivo de evitar a preclusão de seu direito e com espeque no art. 5º, LIV e LV, da Constituição da Republica, bem como art. 197 da LEP (lei nº 7.210/84) e art. 2º e 581 do CPP, interpor
AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL
Requer o agravante que seja recebido e processado o presente agravo, já com as respectivas razões inclusas, pugnando dede logo pelo efeito regressivo do recurso, manifestando o desejo de retratação do decisum caso assim entenda Vossa Excelência. Na eventualidade da manutenção da decisão fustigada, requer, seja encaminhado o presente recurso ao Egrégio Tribunal de Justiça da Paraíba.
Nestes termos, aguarda deferimento.
Local de data
XXXXXX
OAB/PB XXXXX
RAZÕES DE AGRAVO EM EXECUÇÃO
Agravante: _______
Agravado: ________
Proc. nº 000000-00.0000.0.00.0000
Egrégio Tribunal,
Colenda Turma,
Ínclitos julgadores.
- DOS FATOS E FUNDAMENTOS JURÍDICOS DO PEDIDO
Trata-se de execução penal em que o reeducando foi condenado a uma pena de 5 meses e 10 dias, em regime semiaberto, em razão da prática de estelionato tentado. O objeto material do crime era uma cesta de presentes, conforme dito pelo juízo sentenciante:
Não obstante a presença notória dos pressupostos do crime de bagatela: mínima ofensividade, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade de lesão jurídica provocada; verifica-se que o juízo sentenciante optou pela condenação do peticionante.
O agravante vinha cumprindo adequadamente a pena imposta, sendo-lhe conferido o benefício de prisão domiciliar mediante monitoramento eletrônico em _
Sucede que em _, segundo consta dos autos, o apenado implementou o requisito objetivo para a progressão ao regime aberto, sendo certo que em o Ministério Público manifestou-se em sentido favorável ao pleito de progressão para o regime mais brando, atestando a presença de bom comportamento (requisito subjetivo).
Destarte, ao consultar seu antigo causídico sobre a possibilidade de trabalho externo e retirada de monitoração eletrônica, lhe foi dito que sua situação processual permitiria restabelecer a liberdade sem restrições. Fatos que foram interpretados pelo apenado de forma equivocada, gerando a falsa percepção sobre o conteúdo proibitivo de uma norma penal, incidindo em erro de proibição [1]
Erro sobre a ilicitude do fato
Art. 21 – O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.
Parágrafo único – Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.
Acreditando que estava autorizado a reconduzir sua vida social, em razão do citado erro de proibição, o apenado decidiu aceitar uma proposta de emprego na capital paraibana, mudando-se para esta cidade onde passou a trabalhar e ter residência fixa.
Entretanto, para a sua surpresa, teve seu pedido de progressão de regime indeferido, expedindo-se, por conseguinte, o competente mandado de prisão que gerou sua constrição de liberdade.
1.1.Detração em execução penal
Em primeiro lugar, deve-se fixar uma premissa: A famigerada “regressão cautelar” não encontra previsão em Lei, sendo fruto de uma hermenêutica punitivista que busca fundamentar a medida no poder geral de cautela do magistrado.
Destarte, verifica-se por uma interpretação constitucional sistêmica o desacerto do instituto da “regressão cautelar de regime”, tendo em vista a violação patente ao princípio constitucional da presunção (estado) de inocência, segundo o qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, LVII, da CF). A regressão, sem que se esgotem as possibilidades defensivas, também afronta a ampla defesa e o contraditório, bem como o princípio da legalidade. Note-se que, em nenhum momento, a LEP menciona a possibilidade de regressão cautelar de regime, somente a regressão definitiva (art. 118).
Trata-se, na verdade, de analogia em malam parte.
Entretanto, a jurisprudência vem admitindo a regressão cautelar ao arrepio da Constituição da Republica.
Ora, se admitimos a analogia para interpretar a Lei de Execucoes Penais, o façamos de forma integral.
Atualmente, após a constitucionalização do direito e estabilização do sistema de direitos fundamentais, não há como interpretar o direito penal sem passar pela filtragem constitucional.
Nesse sentido, Andrey Felipe Lacerda esclarece:
“Sob a égide da Carta Federal de 88 operaram-se mudanças significativas e esparsas como: reconhecimento da força normativa e vinculante da constituição, opção por um sistema de regras e princípios, a filtragem constitucional, aplicação horizontal dos direitos fundamentais e eficácia irradiante, superação do positivismo e do método exclusivamente silogístico. Merece destaque a função conferida à interpretação jurídica, que orientada pela pretensão de correção, otimiza uma pluralidade valores inerentes ao Estado Democrático de Direito. Compreende-se que o direito não pode ter qualquer conteúdo. Os juristas e também os tribunais têm aplicado o direito de forma diferente, em razão da evolução e complexificação social típica da pós-modernidade, acabam estabelecendo, por meio de suas decisões, conexões entre o direito, política e moral, precedimentalizando a comunicação do ambiente social com vistas a uma pretensão de correção da injustiça da norma. [2]”
Nesse contexto, os direitos fundamentais compõem uma ordem objetiva de valores que irradiam os seus efeitos por todo o ordenamento jurídico, sendo dotados de aplicabilidade imediata (art. 5º, § 1º, CRFB) e hierarquia normativa superior (art. 60, § 4º, IV, CRFB).
O professor Ingo Wolfgang Sarlet nos dá uma noção cristalina do que se entende por dimensão objetiva dos direitos fundamentais:
“Como primeiro desdobramento de uma força jurídica objetiva autônoma dos direitos fundamentais, costuma-se apontar-se para o que a doutrina alemã denominou de uma eficácia irradiante (Ausstrahlungswirkung) dos direitos fundamentais, no sentido de que estes, na sua condição de direito objetivo, fornecem impulsos e direitrizes para a aplicação e interpretação do direito infraconstitucional, o que, além disso, apontaria para a necessidade de uma interpretação conforme os direitos fundamentais, que, ademais, pode ser considerada – ainda que com restrições – como modalidade semelhante à difundida técnica hermenêutica da interpretação conforme à Constituição” [3].
Na seara específica do direito penal, coube a Luigi Ferrajoli estabelecer o modelo constitucional de interpretação e aplicação do direito penal no Estado Democrático de Direito, fixando como premissa que a função dos operadores do direito é atuar na contenção dos excessos praticados pelo poder punitivo na criminalização primária e secundária, formulando os axiomas (valores fundamentais) que devem nortear a atividade hermenêutica:
Denomino garantista, cognitivo ou de legalidade estrita o sistema penal SG, que inclui todos os termos de nossa série, Trata-se de um modelo-limite, apenas tendencialmente e jamais perfeitamente satisfatível. Sua axiomatização4 resulta da adoção de dez axiomas ou princípios axiológicos fundamentais, não deriváveis entre si, que expressarei, seguindo uma tradição escolástica, com outras tantas máximas latinas:
A 1 Nulla poena sine crimine
A2 Nullum crimen sine lege
A3 Nulla lex (poenalis) sine necessitate
A4 Nulla necessitas sine injuria
A5 Nulla injuria sine actione
A6 Nulla actio sine culpa
A7 Nulla culpa sine judicio
A 8 Nullum judicium sine accusatione
A9 Nulla accusatio sine probatione
A 10 Nulla probatio sine defensione
Estes dez princípios, ordenados e aqui conectados sistematicamente, definem – com certa força de expressão lingüística – o modelo garantista de direito ou de responsabilidade penal, isto é, as regras do jogo fundamental do direito penal. Foram elaborados, sobretudo, pelo pensamento jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII, que os concebera como princípios políticos, morais ou naturais de limitação do poder penal “absoluto”. Já foram posteriormente incorporados, mais ou menos íntegra e rigorosamente, às constituições e codificações dos ordenamentos desenvolvidos, convertendo-se, assim, em princípios jurídicos do moderno Estado de direito. [4]
Cezar Roberto Bitencourt também apresenta esse novo modelo, cuja pauta axiológica incorpora diversos princípios constitucionais fundamentais de garantia do cidadão:
Hoje poderíamos chamar de princípios reguladores do controle penal, princípios constitucionais fundamentais de garantia do cidadão, ou simplesmente de Princípios Fundamentais de Direito Penal de um Estado Social e Democrático de Direito. Todos esses princípios são garantias do cidadão perante o poder punitivo estatal e estão amparados pelo novo texto constitucional de 1988. Eles estão localizados já no preâmbulo da nossa Carta Magna, onde encontramos a proclamação de princípios como a liberdade, igualdade e justiça, que inspiram todo o nosso sistema normativo, como fonte interpretativa e de integração das normas constitucionais, orientador das diretrizes políticas, filosóficas e, inclusive, ideológicas da Constituição, que, como consequência, também são orientativas para a interpretação das normas infraconstitucionais em matéria penal. [5]
(…)
Todos esses princípios são garantias do cidadão perante o poder punitivo estatal e estão amparados pelo novo texto constitucional de 1988. Eles estão localizados já no preâmbulo da nossa Carta Magna, onde encontramos a proclamação de princípios como a liberdade, igualdade e justiça, que inspiram todo o nosso sistema normativo, como fonte interpretativa e de integração das normas constitucionais, orientador das diretrizes políticas, filosóficas e, inclusive, ideológicas da Constituição, que, como consequência, também são orientavas para a interpretação das normas infraconstitucionais em matéria penal. Ademais, no art. 1º, III, da Constituição, encontramos a declaração da dignidade da pessoa humana como fundamento sobre o qual se erige o Estado Democrático de Direito, o que representa o inequívoco reconhecimento de todo indivíduo pelo nosso ordenamento jurídico, como sujeito autônomo, capaz de autodeterminação e passível de ser responsabilizado pelos seus próprios atos. Trazendo consigo a consagração de que toda pessoa tem a legítima pretensão de ser respeitada pelos demais membros da sociedade e pelo próprio Estado, que não poderá interferir no âmbito da vida privada de seus súditos, exceto quando esteja expressamente autorizado a fazê-lo. De maneira similar, na declaração dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, encontramos no art. 3º, I, da Constituição, uma clara intenção que também orienta a atividade jurisdicional em matéria penal, qual seja, o propósito de construir uma sociedade livre e justa. Nesse sentido, também podemos afirmar que entre os princípios norteadores das relações internacionais estabelecidos no art. 4º da Constituição, a prevalência dos direitos humanos representa um inquestionável limite para o exercício do poder punitivo estatal, inclusive contra aqueles delitos que possuem um caráter transfronteiriço e, especialmente, para o cumprimento das medidas de cooperação internacional em matéria penal.
A Lei de execucoes penais também possui vetores interpretativos que não podem ser ignorados na hora de interpretar e aplicar o direito penal. Na essência, os princípios da execução penal também funcionam como meios de limitação racional do poder executório estatal sobre as pessoas. Essa definição traz consigo duas premissas fundamentais, que devem permear todos os princípios. A primeira delas é a de que jamais um princípio da execução penal pode ser evocado como fundamento para restringir direitos ou justificar maior rigor punitivo sobre as pessoas presas. Princípios, aqui em sua dimensão defensiva, de proteção do indivíduo, não são instrumentos a serviço da pretensão punitiva estatal, muito menos instrumentos de governo da pena.
Dessa premissa decorre a constatação de que a interpretação dos princípios (e demais normas jurídicas) em matéria de execução penal deve ser pro homine, ou seja, sempre deve ser aplicável, no caso concreto, a solução que mais amplia o gozo e o exercício de um direito, uma liberdade ou uma garantia. Essa premissa é um aporte dos preceitos contidos no art. 29, item 2, da Convenção Americana de Direitos Humanos (que fixa, como norma de interpretação, o comando de que nenhuma disposição da convenção seja interpretada no sentido de limitar o gozo e o exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos em virtude de leis locais ou outras convenções aderidas).
Note-se que o art. 1º da LEP estabelece o seguinte:
TÍTULO I
Do Objeto e da Aplicação da Lei de Execução Penal
Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.
Ora, se o comando da sentença determinou o cumprimento da pena em regime semiaberto, torna-se ilegal e arbitrária a manutenção de regime fechado durante quase a integralidade do cumprimento da reprimenda, violando-se o princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI, CRFB) e a coisa julgada (art. 5º,XXXVI, CRFB).
No que tange a possiblidade de detração do tempo cumprido em regime fechado em razão da regressão cautelar, diante da lacuna na legislação, deve-se utilizar os meios de integração da norma, pois há um dever do aplicador do direito de corrigir as lacunas (vedação do não julgamento ou do non liquet), que era extraído do art. 126 do Código de Processo Civil de 1973, pelo qual “O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”.
Cleber Masson nos dá a ideia precisa do uso da analogia em direito penal:
Também conhecida como integração analógica ou suplemento analógico, é a aplicação, ao caso não previsto em lei, de lei reguladora de caso semelhante. No Direito Penal, somente pode ser utilizada em relação às leis não incriminadoras, em respeito ao princípio da reserva legal. Seu fundamento repousa na exigência de igual tratamento aos casos semelhantes. Por razões de justiça, fatos similares devem ser tratados da mesma maneira (ubi eadem ratio ibi eadem iuris dispositio). A analogia contém as seguintes espécies: a) Analogia in malam partem, é aquela pela qual aplica-se ao caso omisso uma lei maléfica ao réu, disciplinadora de caso semelhante. Não é admitida, como já dito, em homenagem ao princípio da reserva legal. b) Analogia in bonam partem, é aquela pela qual se aplica ao caso omisso uma lei favorável ao réu, reguladora de caso semelhante. É possível no Direito Penal, exceto no que diz respeito às leis excepcionais, que não admitem analogia, justamente por seu caráter extraordinário.
Posto isso, pugna pela aplicação analógica do art. 42 do Código Penal, para aplicar a detração do tempo de prisão em regime fechado decorrente da regressão cautelar, para que o apenado retorne ao regime semiaberto.
Assim, delimita-se o objeto do presente agravo em execução à ausência de detração referente ao período em que o apenado esteve preso, em razão de regressão cautelar, no regime fechado. Uma vez que foi recolhido ao presídio XXXXXX em 00/00/0000 – há mais de 2 (dois) meses. Sendo certo que a pena restante era de X (três) meses e XX dias, conclui-se que 1/6 da pena restante seria igual a Y dias, conforme atestado de pena.
Fixada esta premissa (implemento do requisito objetivo para a progressão) e considerando o atestado de bom comportamento carcerário, verifica-se que o apenado preenche os requisitos legais para retorno ao regime semiaberto.
- DOS PEDIDOS E REQUERIMENTOS
Ante o exposto, o agravante pede que o presente recurso seja conhecido e provido, para reformar a decisão de fls. (seq. xxx), estabelecendo-se o regime semiaberto para o cumprimento do restante da pena em prisão domiciliar.
Sucessivamente, caso assim não entenda Vossa Excelência, o agravante pede que a decisão seja reformada, fixando-se o regime semiaberto a ser cumprido em estabelecimento prisional adequado.
Por fim, requer a expedição do competente alvará de soltura para que o agravante cumpra o restante da pena conforme as regras legais do regime semiaberto.
Nestes termos, aguarda deferimento.
Local e data
XXXXXXX
OAB/PB XXXX