Alegações Finais

Legítima Defesa à Injusta Agressão e Estado de Necessidade

JUÍZO DA _ VARA CRIMINAL DA COMARCA DE __.

AUTOS Nº XXXX

Fulana de Tal, qualificada nos autos do processo em epígrafe, vem, respeitosamente, perante V. Exa., por seus defensores, com fulcro no art. 500 do CPP, apresentar suas Alegações Finais.

  1. DOS FATOS

A ré foi denunciada pelo Ministério Público como incursa nas sanções do artigo 129, § 2º, IV, do Código Penal, por ter, segundo a denúncia, agredido _, causando-lhe deformidade permanente.

Narra a exordial que, no dia 14 de janeiro de 2017, por volta das 20h, no interior de um restaurante localizado na Av. , no bairro de em , a acusada, em união de ações e desígnios com duas pessoas não identificadas, de forma livre e consciente, ofendeu a integridade corporal de __, ao mordê-la na sobrancelha esquerda, causando-lhe gravíssimas lesões corporais.

A denúncia foi recebida em fls. 02/02/A e fl. 101.

Seguiram-se interrogatório, sendo a ré informada do seu direito de permanecer em silêncio, optando pelo mesmo, resposta à acusação à fls. 113/116 e 123/128 e instrução (fls. 147/166).

Em sede de alegações finais, o Ministério Público (fls. 178/185) pugna pela condenação da acusada, com incurso nas penas do artigo 129, § 2º, VI do Código Penal.

Em apertada síntese, este o breve relato.

  1. MÉRITO – DA LEGÍTIMA DEFESA

Compulsando-se os autos, verifica-se que as lesões corporais causadas pela Ré contra a suposta vítima se deram em legítima defesa, o que afasta a ilicitude do ato imputado à Acusada.

A dinâmica dos fatos, conforme expostas pela Ré e pela pretensa vítima coincide em alguns pontos e diferem em outros.

Estão acordes os envolvidos no que tange aos fatos anteriores à agressão da ré contra a vítima. Tudo se originou de uma briga entre esta e aquela, em razão da presença da Ré junto ao pai da suposta vítima, no bar onde se deram os fatos.

Em seu depoimento em juízo, a vítima alega que estava no bar com seu pai, quando a Ré chegou, de surpresa, objetivando afrontá-la, tendo inclusive feito gestos para ela, o que teria sido visto por seu pai, ora também companheiro da Ré.

Todavia, em depoimento, o Sr. _ relata que a Ré chegou ao local onde se deram os fatos, não fazendo qualquer menção à sua filha, _, suposta vítima, que já estava sentada à mesa. Que a Acusada chegou ao bar e se sentou distante de onde estavam. E ainda, que minutos depois, viu que sua filha se levantou e foi até o local onde estava a Ré, iniciando as agressões, verbais e físicas.

Ou seja, a ré foi agredida pela suposta vítima e repeliu tal agressão, dando-lhe uma mordida. Conforme asseverado, maiores considerações sobre esse fato são dispensáveis, vez que a narração do mesmo não consta da denúncia.

Não obstante, tal fato é importante para que se demonstre que a agressão narrada na denúncia ocorreu em legítima defesa.

Ora, conforme consta dos autos, após a ré ter agredido __, a suposta vítima deixou o local em seu próprio veículo, inclusive, na direção do mesmo.

Conforme asseverado pelo próprio Ministério Público, não se considerando o instituto da legítima defesa, estaríamos falando de duas ações distintas – lesão corporal grave da Ré contra a vítima e lesão corporal leve da vítima contra a Ré, tendo em vista as agressões iniciadas por ela, conforme documentos acostados aos autos.

Feita essa distinção, de suma importância para o justo deslinde do feito, passa-se ao exame detalhado de cada um dos requisitos da legítima defesa, conforme estabelecidos pelo artigo 25, do Código Penal.

2.1 Da repulsa a agressão à pessoa da Ré

Não há dúvidas, diante da prova dos autos, de que a Ré agiu repelindo agressão à sua pessoa. Conforme se depreende dos interrogatórios, a acusada a suposta vítima segurou a Ré pelo braço e cabelos, desferindo diversos tapas e socos. Consta, ainda, que a vítima é bastante agitada sempre que em presença da Ré, havendo inclusive, Registros de Ocorrência contra ela em momentos anteriores ao fato.

A suposta vítima relata que a Ré foi até o bar para agredi-la, mas resta comprovado, conforme depoimentos das testemunhas, que a pessoa da vítima foi de encontro a Ré, após a mesma se acomodar em local diverso dentro do bar. Teria ido a vítima até a Ré com boas intenções, posto que não há entre elas entendimento?

Nesse ponto, insta asseverar que, a princípio, a palavra de ambos – da ré e da pretensa vítima – têm o mesmo peso; ambos têm interesse no processo. Resta, pois, ao Magistrado optar pela versão que lhe parece mais verossímil.

Sem dúvida, a versão da ré é mais verossímil do que a da suposta vítima, pois aquela, não omitiu a narração da contenda anterior. Já _ omitiu, em seu depoimento, detalhes sobre ocorrências anteriores, o que explica de pronto a reação de defesa da Ré.

Assim, resta demonstrada a presença do primeiro requisito da legítima defesa, qual seja, o fato de a Ré ter agido repelindo agressão à sua pessoa.

2.2 Da agressão injusta

Conforme já restou claramente demonstrado, a agressão da ré contra _ e a contenda entre aquela e a suposta vítima configuram duas ações diversas.

Destarte, forçoso reconhecer que, quando a Ré aplicou a mordida, a agressão da suposta vítima contra ela, já havia cessado.

Logo, a ação da suposta vítima, com o início das agressões, fazendo com que a Ré reagisse à altura, configura o que o ordenamento jurídico prevê como legítima defesa.

Ao se dirigir de encontro a Ré, a suposta vítima não visava outra situação, que não o início de uma confusão generalizada, posto estarem em um bar, rodeadas de amigos e familiares.

Como consta em Registros de Ocorrência anteriores, a suposta vítima age de tal forma, haja vista não aceitar que o pai tenha relacionamento divergente ao que ela entende como único e justo – ser casado com sua genitora.

Outras companheiras do Sr. _ já passaram por situações tão constrangedoras quanto ao fato ora em apreço.

Outros fatos anteriores, como a suposta vítima ter ido até a casa da Ré, onde esta reside com o Sr. _, e desligado o medidor de eletricidade geral do imóvel, localizado do lado externo da residência e posteriormente ter causado danos ao veículo da Ré, que na ocasião, estava estacionado do lado de fora do imóvel.

Exa., resta clara que a relação entre as partes se remete inteira e exclusivamente ao fato da suposta vítima não aceitar a Ré como sua madrasta, agindo covardemente, inclusive, na data do fato, quando a Ré não mais aceitou suas ações agressivas.

2.3 Da necessidade do meio utilizado para repelir a agressão

Estando a ré em posição desprivilegiada em relação a suposta vítima, quando esta chegou até o local para iniciar xingamentos e agressões, a Ré não estava atenta ao que poderia acontecer, mesmo sabendo que a única possibilidade seria esta, haja vista histórico de desentendimentos anteriores.

Assim, mediante o uso exclusivo de força corporal, a ré não teria qualquer chance de se defender. A única chance que tinha era valer-se de algum objeto que pudesse ser utilizado com arma, no caso, seu próprio corpo.

Uma vez que as ações se desenrolaram dentro de um bar, o objeto contundente mais natural de ser encontrado era uma garrafa de vidro, todavia, evitando danos maiores, como uma eventual lesão corporal seguida de morte, a Ré moderou suas ações.

Sendo, pois, esse o único meio que a Acusada tinha à mão para repelir a agressão injusta que presentemente sofria, está claro que empregou o meio necessário para repelir a aludida agressão.

2.4 Do uso moderado dos meios para repelir a agressão

Consta dos autos que, para se livrar da agressão que sofria, a réu aplicou uma mordida na altura dos olhos da vítima.

Segundo se apurou, à primeira impressão, a lesão se mostrou mais grave do que de fato foi, não tendo havido deformidade permanente, como preconiza a denúncia, prezando pela condenação da Ré no art. 129, § 2º, IV do Código Penal.

No momento em que a vítima desferiu socos, a Ré defendeu-se com os braços, tendo observado que desta forma, não faria cessar as agressões.

Assim, viu-se a Acusada obrigada a golpear o agressor novamente, desta feita, no rosto. Apenas nesse momento logrou a ré livrar-se da agressão.

Assevere-se que, após fazer cessar a agressão, a ré não prosseguiu no ataque. Tão logo sua ação se mostrou suficiente para libertar-se do jugo de seu agressor, pôs-se a “fugir”, ao invés de dar continuidade na contenda.

Tal constatação evidencia que o propósito da Ré não era de lesionar a suposta vítima, mas apenas fazer cessar a agressão por este perpetrada. Tão logo logrou seu objetivo, a conduta foi interrompida voluntariamente.

Diante do exposto, dúvida não resta de que a Acusada agiu em legítima defesa, o que afasta a ilicitude da sua conduta. Impõe-se, destarte, a absolvição, nos termos do art. 386, V, do Código de Processo Penal.

  1. DA LESÃO CORPORAL PRIVILEGIADA

Na improvável hipótese de não ser este o entendimento de V. Exa., o que se admite apenas em observância ao princípio da eventualidade, insta demonstrar que, ainda que seja tida por ilícita a ação do Réu, encontra-se a mesma sob o amparo da causa de diminuição de pena prevista no § 4º, do artigo 129, do Código Penal.

Os autos dão notícia clara e incontestável de que, desde o momento em que a ré foi agredido, encontrava-se sob domínio de violenta emoção. Assim, ao agredir a suposta vítima, a Ré ainda se encontrava nesse estado.

Outrossim, não há dúvidas de que agiu logo após injusta provocação da vítima. Uma vez que, conforme já demonstrado acima, apenas revidou as agressões que se iniciaram contra ela.

Reunidos, pois, todos os requisitos do privilégio previsto no § 4º, do artigo 129, impõe-se a diminuição de pena eventualmente imposta à Ré.

  1. DO QUANTUM DA PENA – DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA

Por fim, não sendo o caso de absolvição, o que – repita-se – é admitido apenas ad argumentandum, requer-se seja a pena aplicada em seu mínimo legal, face à primariedade do Acusado, bem como ao fato de serem-lhe favoráveis as circunstâncias do artigo 59 do Código Penal.

Outrossim, requer-se a suspensão condicional da pena, nos termos do artigo 77, do Código Penal, vez que presentes todos os requisitos do benefício.

  1. DOS PEDIDOS

Diante de tudo quanto foi exposto, requer-se:

  1. No mérito, seja a Ré absolvida, por ter agido em legítima defesa;
  2. Não sendo este o entendimento de V. Exa., seja aplicado o privilégio do § 4º, do artigo 129, do Código Penal;
  3. Caso haja condenação, requer-se seja a pena aplicada em seu mínimo legal, concedendo-se à Acusada, o benefício do sursis;
  4. Ainda em caso de condenação, pugna pela substituição da pena, conforme previsto no § 5º do CP;

Pede Deferimento.

Rio de Janeiro, 12 de agosto de 2019.

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OAB/RJ 0000000