Alegações Finais por memoriais.

As Alegações finais constituem a última movimentação da defesa, no processo, antes da prolação da sentença, e após a última manifestação da acusação. Por isso, é de extrema importância! O Caso do modelo abaixo trata do delito de cárcere privado:

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA _ VARA CRIMINAL DA COMARCA DE XXXXXXXX- ESTADO DO XXXXXX.

Autos nº: 00PO000000

XXXX, já devidamente qualificado nos autos da ação penal, nº 0030015-33.2020.8.16.0073, que lhe move o Ministério Público, por intermédio de sua bastante procuradora, que ao final assina, vem, respeitosamente, à honrosa presença de Vossa Excelência, com fulcro no art. 403, § 3º, do Código de Processo Penal, apresentar:

ALEGAÇÕES FINAIS POR MEMORIAIS

em razão dos fatos e dos fundamentos de Direito, expostos a seguir:

I. DA DENÚNCIA E DOS ATOS PROCESSUAIS:

O crime pelo qual se consubstanciou a denúncia, foi o delito disposto no art. 148, § 1º, I, c/c o art. 61, “II”, f, ambos do Código Penal, carcére privado, na modalidade qualificada e, ainda, com circunstância agravante:

Seqüestro e cárcere privado

Art. 148 – Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado: (Vide Lei nº 10.446, de 2002)

Pena – reclusão, de um a três anos.

§ 1º – A pena é de reclusão, de dois a cinco anos:

I – se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005).

II. DOS FATOS:

O Acusado foi denunciado pelo crime de cárcere privado de seu sobrinho, XXXXXX, dependente químico, de 18 anos de idade, que durante três dias permaneceu na residência do então Acusado. Isso porque XXXXXdiscutiu com os pais, em decorrência dos problemas que enfrenta por conta da dependência química, e numa tentativa de assustá-los, “fugiu” para a casa do Acusado, seu tio.

Quando os pais descobriram onde estava o filho, acionaram a polícia e Sílvio foi “libertado”.

O Acusado foi incurso nas penas do art. 148, § 1.º, inciso I, c/c art. 61, II, f, do Código Penal.

Finda a instrução, houve negativa do pedido da defesa para oitiva de sua vizinha, XXXXXXX, testemunha essa que é essencial à causa, pois foi quem presenciou a chegada de XXXXX, bem como seu pedido de abrigo provisório para o tio, ora Acusado.

Negou-se, também, o pedido de realização da perícia dos vestígios do local do crime, alegando sua prescindibilidade, diante das provas da materialidade e autoria que já tinham sido colhidas.

Em manifestação escrita, o Ministério Público pugnou pela condenação do Acusado, nos exatos termos da denúncia. (mov. xx).

A denúncia fora recebida na data de 3 de agosto de 2020 (mov. xx), e, oferecida em 4 de agosto de 2020 (mov. xxx).

III. DAS PRELIMINARES:

III.I. DO CERCEAMENTO DE DEFESA:

O presente caso foi prejudicado quanto a defesa técnica pertinente, no momento em que negou-se o pedido de oitiva da testemunha considerada essencial à causa, (mov. 1.6) que, aliás, é a única testemunha ocular/direta presente no dia em que ocorreram-se os fatos alegados, até então.

Assim sendo, tem-se por óbvio o quanto a testemunha é necessária, posto que pode facilmente declarar sobre a ocorrência, ou, como será visto adiante, sobre a inocorrência de fato que, por si só, é capaz de descaracterizar o delito pelo qual o Acusado está sendo denunciado, o qual seja, cárcere privado qualificado.

Fato este que só poderá ser declarado, pela testemunha. Contudo, a negativa do pedido para ouvir a mesma, resulta em nulidade processual, como é possível concluir pela redação do art. 564, IV, do Código de Processo Penal:

Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:

IV – por omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato.

A prova testemunhal é de grande relevância nos termos processuais, pois ela é uma das ferramentas para elucidação dos fatos.

Sua negativa, injustificada, concretiza, além de nulidade, cerceamento de defesa, pois é tirado da parte acusada o direito à ampla defesa, o que atrapalha seu direito ao contraditório, que são, inclusive, direitos constitucionais de qualquer indivíduo que encontre-se na situação de parte em processo judicial, ainda mais no presente caso, onde o que está em jogo é a liberdade e a reputação do Acusado.

Deste modo, por tudo que há narrado acima, pede-se a anulação do processo.

III.II. DO INDEFERIMENTO DA PROVA PERICIAL:

Além da negativa da prova testemunhal, houve, também, negativa da prova pericial. Prova esta que é capaz de constatar se há vestígios ligados ao fato delituoso deixados no local onde o mesmo ocorrereu.

Mais do que negar a prova pericial ao caso, Vossa Excelência fechou os olhos à dispositivo federal, ferindo, novamente, a garantia à ampla defesa. Assim, observe a redação dispota a seguir, do art. 158, do Código Processual Penal:

Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.

O exame de corpo de delito é indispensável aos delitos não transeuntes, ou seja, aqueles que deixam vestígios, já que eles servem para dar a prova concreta de que se existiu o crime, pela razão de constatarem a materialidade, através do conjunto de elementos e/ou vestígios encontrados no local do crime.

Ainda sobre o assunto, no caso abaixo, mesmo tratando sobre delito diverso do que se analisa no presente caso, o objetivo é o mesmo, e o entendimento à luz do Direito, também.

Nos delitos que deixam vestígios, é imprescindível a realização de perícia. Assim, dispôs o Nobre Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSO PENAL. CRIME DE INCÊNDIO QUALIFICADO. DELITO QUE DEIXA VESTÍGIO. PERÍCIA. IMPRESCINDIBILIDADE. PRECEDENTES. NECESSÁRIA A ABSOLVIÇÃO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. VIA INADEQUADA.1. Conforme entendimento desta Corte Superior, apenas é possível a substituição do laudo pericial por outros meios de prova se o delito não deixar vestígios, se estes tiverem desaparecido ou, ainda, se as circunstâncias do crime não permitirem a confecção do laudo.2. O delito de incêndio deixou vestígios e não houve o desaparecimento deles, pois, conforme afirmado pelo próprio agravante, houve levantamento fotográfico do local. Sendo assim, se foi possível tirar fotos do local, também seria possível a realização de laudo técnico.3. Em casos como o presente, esta Corte Superior se posiciona no sentido de absolver o acusado, sendo inviável a determinação de perícia neste momento, até mesmo porque é improvável que o local do crime, que é a casa da vítima, tenha permanecido intocado por mais de 4 anos, sendo modificado até mesmo pela ação natural do tempo.4. Em recurso especial, via destinada ao debate do direito federal, é inviável a análise da alegação de ofensa aos princípios constitucionais da razoabilidade e do devido processo legal, ainda que para fins de prequestionamento.5. Agravo regimental improvido. (STJ, AgRg no REsp 1631960/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 14/02/2017, DJe 23/02/2017).

Ademais, nas palavras de Aroldo Plínio Gonçalves, e Ricardo Adriano Massara Brasileiro:

“A prova é de substancial importância para se desvelar os fatos controvertidos, lançando luzes sobre sua verdade, para traçar os contornos das questões de fato que ao Juiz caberá apreciar, para compor o quadro no qual o Magistrado irá decidir o pedido, acolhendo-o ou rejeitando-o. Brasília a. 45 n. 180 out./dez. 2008 177 A prova é capaz de elucidar a verdade real, tão importante hoje, no processo, que o Direito confere ao próprio Juiz (art. 440 a 443 do Código de Processo Civil) a possibilidade da realização da inspeção judicial, de ofício ou a requerimento da parte.

Para a parte, poder produzir a prova não é uma prerrogativa, uma concessão do Juiz na direção do processo. É, antes, uma necessidade gerada da distribuição legal de seu ônus e das conseqüências reservadas àqueles que desse ônus não se desincumbem.

A produção da prova é, portanto, um direito das partes, amparado em normas constitucionais e processuais, e, mais precisamente, é um direito – dever da parte que tem o ônus de produzi-la em Juízo.”

Assim, com fundamento, no art. 564, III, b, do Código de Processo Penal:

Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:

III – por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:

b) o exame do corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, ressalvado o disposto no Art. 167;

pede-se, novamente, a anulação do processo, acatando-se, por consequente, as preliminares alegadas acima.

IV. DO MÉRITO:

Caso não haja acolhimento das preliminares arguidas, no mérito, resta-se evidente a necessidade de absolvição do Acusado:

MATERIALIDADE-INEXISTÊNCIA:

No caso em análise, não houve constatação da materialidade do fato nos autos.

AUTORIA-NÃO DEMONSTRADA:

No caso em análise, não houve constatação da autoria do fato nos autos.

IV.I. DA AUSÊNCIA DO ELEMENTO ESSENCIAL DO CRIME:

O crime ora discutido, tem como elemento essencial, a privação da liberdade da vítima.

Porém, no caso em análise, essa situação não chegou a acontecer. A vítima, é sobrinha do Acusado, e foi a casa do mesmo para pedir abrigo, após discussão com os pais, pois por ser dependente químico, passa por muitos problemas também dentro de casa, havendo sempre discussão enre a vítima e seus pais. E, o tio, era, naquele momento conturbado, a pessoa mais próxima com quem o sobrinho podia contar.

Assim, em nenhum momento a vítima fora de fato privada de ir e vir. Os 3 (três) dias que passou na residência de seu tio, o agora Acusado, foi por livre e espontânea vontade.

Não ocorreu dolo, elemento subjetivo do crime em questão, em momento algum, apenas um ato de solidariedade de um tio, para com o seu sobrinho.

Sobre o tema, observa-se o entendimento certeiro do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que corrobora tudo o que foi dito sobre a situação acima:

APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. SEQUESTRO E CÁRCERE PRIVADO. AMEAÇAS. SENTENÇA CONDENATÓRIA PARCIALMENTE REFORMADA. Réu condenado pelos delitos de sequestro e cárcere privado e duas ameaças. Apelação defensiva parcialmente provida para absolver o réu pelo delito de sequestro e cárcere privado e pela ameaça contida no fato nº 02 da denúncia, diante da insuficiência probatória a embasar decreto condenatório. A prova é farta no sentido de que a vítima saiu da casa nas duas oportunidades em que, em tese, estava em cárcere privado, tendo ido até a casa da mãe dela, sem registrar qualquer ocorrência ou realizar exame de corpo de delito caso estivesse lesionada. Na segunda oportunidade, conseguiu fugir pela frente da casa e ir para o trabalho, sendo que nada foi relatado em relação a privação de liberdade por parte da testemunha, patroa da vítima, ouvida em juízo. A prova produzida em relação ao delito de sequestro e cárcere privado é absolutamente frágil, sendo a absolvição do réu medida que se impõe. Em relação ao delito de ameaça descrito no fato 01 da denúncia, este está bem demonstrado pela palavra da vítima, alicerçado no depoimento do próprio réu que admite ter posto fogo em objetos da casa, dizendo à vítima que se ela não ficasse com ele não ficaria com mais ninguém, o que a deixou atemorizada. Ameaça descrita no fato 02 da denúncia carece absolutamente de provas, inclusive, sequer a vítima a referiu em seu depoimento prestado na fase instrutória. Condição de PSC afastada, em razão da concessão do sursis especial a que faz jus o réu nos termos do artigo 78, § 2º, do Código Penal. RECURSO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-RS; Apelação Crime, Nº 70079932927, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ingo Wolfgang Sarlet, Julgado em: 27-02-2019)

Diante disso, não houve o dolo do crime de cárcere privado:

Art. 148 – Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado: (Vide Lei nº 10.446, de 2002)

Pena – reclusão, de um a três anos.

§ 1º – A pena é de reclusão, de dois a cinco anos:

I – se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005).

Para que se configure o delito transcrito acima, há de se ter a vontade de privar a vítima de sua liberdade. O que não aconteceu no caso em discussão. Sendo assim, não há o que se falar em crime.

Assim, com fulcro no art. 386, “III”, do Código de Processo Penal:

Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:

III – não constituir o fato infração penal;

pede-se que seja o Acusado, absolvido, ante a inexistência do crime de cárcere privado.

IV.II. DA INEXISTÊNCIA DA AGRAVANTE:

Se não há crime, não há, por óbvio agravante e nem qualificadora alguma.

Ainda assim, caso Vossa Excelência entenda que houve o delito, não pode considerar, neste caso, a agravante do inciso I,do § 1º, do art. 148, c/c art. 61, “II”, alínea f, do Código Penal:

Art. 148 – Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado: (Vide Lei nº 10.446, de 2002)

Pena – reclusão, de um a três anos.

§ 1º – A pena é de reclusão, de dois a cinco anos:

I – se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005).

Art. 61 – São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

II – ter o agente cometido o crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica; (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006)

O Acusado e a vítima são parentes em linha colateral, de 3º grau, pois são tio e sobrinho.

Assim, não há como serem inseridos na qualificadora acima marcada, primeiro por não haver linha reta de parentesco, e as modalidades da qualificadora serem, todas, em linha reta e, segundo, por não serem marido e mulher, companheiro e companheira, filho e pai, pai e filho, avô e neto, e assim sucessivamente, já que como Vossa Excelência deve se lembrar das aulas de Direito de Família, a linha reta é infinita.

Já sobre o agravo de pena pela relação doméstica, de coabitação, ou hospitalidade, disposta no art. 61, “II”, alínea b, do Código Penal, já transcrito acima, não há qualquer fundamento para que pudesse ser considerado, posto que Acusado e vítima jamais moraram juntos e, em relação ao dia dos fatos, não se viam há, pelo menos, duas semanas.

E, principalmente, como se pode imputar o crime em questão, de cárcere privado, se a vítima tinha liberdade, não só pra sair da casa do Acusado quando quisesse, como também, tinha liberdade total dentro da própria residência?

Afinal, Excelência, o cárcere privado se dá quando a vítima fica presa em um cômodo, sem poder sair, por dolo do Agente.

Nas palavras de Pedro Magalhães Ganem:

“Cárcere privado é prender alguém em um recinto fechado, sem que tenha amplitude de locomoção (como uma prisão mesmo, uma cela).”

Sendo assim, não houve cárcere privado, em momento algum. Aliás a perícia da residência poderia cristalinamente ter demonstrado isso. Mas, infelizmente, foi negada.

Quanto à hospitalidade, não se pode alegar que não aconteceu, já que aceiat alguém dentro de casa, para dar-lhe apoio, é, de fato, dar hospitalidade.

Contudo, não houve qualquer abuso de autoridade por parte do Acusado, pois se tivesse ocorrido, a vítima poderia muito bem ter pego suas coisas e ido embora, já que nunca foi obrigado a permanecer na residência do Acusado.

Além disso, a relação entre ambos é boa, sempre foi, se não fosse a chamda vítima, nesse caso, não teria pedido abrigo ao Acusado.

Deste modo, mesmo que o Acusado tivesse cometido o delito de cárcere privado, não responderia no modo qualificado e nem com agravamento de pena, e sim no modo simples.

Portanto, em eventual condenação, pede-se, desde já, o afastamento da qualificadora e do agravamento da pena.

V. DOS REQUERIMENTOS:

Ante ao exposto, requer se digne Vossa Excelência, em:

a) Acolher as preliminares arguidas, pois que houve o cerceamento de defesa, em razão do indeferimento da oitiva de testemunha essencial à defesa, nos termos do art. 564, inciso “IV”, do Código de Processo Penal e, indeferimento da prova pericial, nos termos do art. 564, inciso “III”, alínea b, do Código de Processo Penal;

b) Se este não for o entendimento de Vossa Excelência, no mérito requer a absolvição do Acusado Emerson da Luz, com fundamento no art. 386, inciso “III”, do Código de Processo Penal, visto que o fato narrado efetivamente não constitui crime;

c) Se os pleitos acima não forem acatados, subsidiariamente, pleiteia-se o afastamento da agravante do art. 61, inciso “II”, alínea f, do Código Penal. E, o afastamento da qualificadora do § 1º, inciso I, do art. 148, do Código Penal;

d) Caso Vossa Excelência entenda pela condenação do Acusado, que fixe a pena base no patamar mínimo legal, pois o Acusado é primário, e portador de boas circunstâncias judiciais nos termos do art. 59, do Código Penal.

Nestes termos,

pede-se deferimento.

Umuarama-Estado do Paraná, 14 de agosto de 2020.

Nome da (o) Advogada (o)

Nº da OAB/UF.

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