Alegações Finais. Receptação. Absolvição. Ausência de ciência da origem ilícita
EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA 13ª VARA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA/PR.
Autos nº XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
Procedimento Ordinário
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, já qualificado nos autos, por seu intermédio de seu defensor nomeado (sequência 1.42 e 1.73), vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, apresentar
ALEGAÇÕES FINAIS EM FORMA
DE MEMORIAIS PELA DEFESA,
com fundamento no artigo 403, § 3º, do Código de Processo Penal, pelas razões de fato e de direito que passa a expor:
I – SÍNTESE FÁTICA-PROCESSUAL
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX foi denunciado pela ilustre representante do Ministério Público, como incurso, em tese, nas sanções previstas no artigo 180, caput, do Código Penal (3º fato), em razão de fato delituoso ocorrido em 14 de março de 2.016. Por estarem presentes os pressupostos objetivos e subjetivos, foi proposta a suspensão condicional do processo (sequência 1.39 e 1.40).
A denúncia foi recebida em 19 de setembro de 2.017. Na mesma oportunidade, foi determinada a citação do acusado para apresentar Resposta à Acusação (sequência 1.42).
Felipe foi devidamente citado, e informou possuir condições de constituir defensor (sequência 1.49 e 1.50).
Ao apresentar a Resposta à Acusação, a defesa protestou pela absolvição sumária (sequência 1.58).
Ausentes quaisquer hipóteses de absolvição sumária, o recebimento da denúncia foi ratificado, designando-se data para a propositura de suspensão condicional do processo (sequência 1.68).
Em 12.09.2017 às 14:30 horas, Felipe aceitou a proposta de suspensão condicional do processo (sequência 1.109 e 1.110).
Diante do descumprimento das condições, foi revogado o benefício e determinado o prosseguimento do processo (sequência 53.1)
Em 25.06.2020 às 15:30 horas, foi ouvida a vítima Antônio, os policiais Civis Emanuel e Dainer, e o réu interrogado, encerrando-se a instrução processual (sequência 97.1).
Em sede de alegações finais pela acusação, o ilustre representante do Ministério Público requer seja julgada improcedente a pretensão acusatória, para o fim de absolver XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX pela prática do crime previsto no artigo 180, caput, do Código Penal (3º fato), com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal (sequência 102.1).
Após, vieram os autos para as alegações finais em forma de memoriais pela defesa de XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX.
II – DA ABSOLVIÇÃO POR NÃO EXISTIR PROVA SUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO – TESE TAMBÉM SUSTENTADA PELA ACUSAÇÃO
A materialidade é incontroversa.
Todavia, a autoria é duvidosa, já que restam dúvidas quanto a ciência de que os veículos roubados estavam sendo ocultados no local, ou de sua origem ilícita.
Isso porque, as testemunhas de acusação afirmaram que foram comunicados por uma empresa de rastreamento sobre a localização de veículo roubado. Que no endereço informado, foi feita a apreensão de dois automóveis no interior de uma garagem de madeira recoberta de lona, o que indicava a tentativa de esconder os bens guardados. Que uma moça que ali estava, ela avisou Felipe que era o responsável pelo local, e que FELIPE informou a identificação do rapaz que havia deixado os carros no local, bem como seu endereço.
Já o corréu Murilo, em seu interrogatório nos autos desmembrados, afirmou que Felipe não tinha ciência dos veículos.
Por fim, em seu interrogatório, Felipe afirmou:
“XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX”.
Assim, conforme acima demonstrado, restam dúvidas de que Felipe tinha ciência da origem dos veículos.
Em havendo dúvidas sobre o que realmente teria ocorrido, deve prevalecer o princípio constitucional da presunção de inocência.
Garante o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, elevando assim, o princípio da presunção de inocência à preceito constitucional.
Para prolatar a sentença condenatória, o Juiz deve estar plenamente convencido de que o réu foi o autor do ilícito penal apurado, sendo que, havendo dúvida quanto à sua responsabilidade, deverá absolvê-lo.
Sobre o tema, é o entendimento recente deste E. TJPR:
APELAÇÃO CRIME – RECEPTAÇÃO QUALIFICADA – ARTIGO 180, § 1º, DO CÓDIGO PENAL – PLEITO MINISTERIAL ALMEJANDO A CONDENAÇÃO – INVIABILIDADE – CONJUNTO PROBATÓRIO INAPTO A DEMONSTRAR A CIÊNCIA DA ORIGEM ILÍCITA DO BEM – DOLO NÃO EVIDENCIADO – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO – ABSOLVIÇÃO MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
(TJPR – 3ª C. Criminal – 0003945-48.2010.8.16.0058 – Campo Mourão – Rel.: Juiz Ruy Alves Henriques Filho – J. 16.12.2019)
APELAÇÃO CRIME. RECEPTAÇÃO. ART. 180, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. TESE DE SUFICIÊNCIA DE PROVAS. CONDENAÇÃO EXIGE UM CONJUNTO PROBATÓRIO ROBUSTO E COESO, O QUE NÃO OCORREU NO CASO. PROVA TESTEMUNHAL QUE APONTA APENAS PARA INDÍCIOS DA OCORRÊNCIA DO CRIME. MANTIDA A ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. MATERIAL PROBATÓRIO INSUFICIENTE PARA A NEUTRALIZAÇÃO DA DÚVIDA QUE PAIRA SOBRE A PRESENÇA DE ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. CIÊNCIA DA ORIGEM ESPÚRIA DO OBJETO NÃO COMPROVADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONJUNTO PROBATÓRIO FRÁGIL, INCONGRUENTE E VACILANTE, QUE NÃO PERMITE ELUCIDAR DE MODO SEGURO A INTENÇÃO CRIMINOSA DO APELADO. INEXISTÊNCIA DA ACUIDADE COGNITIVA APTA A ALICERÇAR A CONDENAÇÃO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA QUE DEVE SER MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
(TJPR – 4ª C. Criminal – 0000763-61.2015.8.16.0096 – Iretama – Rel.: Juiz Antônio Carlos Ribeiro Martins – J. 25.04.2019)
APELAÇÃO CRIMINAL – RECEPTAÇÃO – ART. 180 DO CÓDIGO PENAL – INSUFICIÊNCIA DO CONJUNTO PROBATÓRIO PARA AMPARAR A CONDENAÇÃO – DECLARAÇÕES DAS TESTEMUNHAS QUE MOSTRAM-SE INCAPAZES DE ESCLARECER, SEM MAIORES DÚVIDAS, A AUTORIA E MATERIALIDADE DO CRIME NARRADO NA DENÚNCIA – IN DUBIO PRO REO – SENTENÇA ABSOLUTÓRIA MANTIDA – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ARBITRADOS AO DEFENSOR DATIVO QUE APRESENTOU CONTRARRAZÕES – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
(TJPR – 3ª C. Criminal – 0000968-76.2018.8.16.0196 – Curitiba – Rel.: Desembargador João Domingos Küster Puppi – J. 23.08.2019)
No mesmo sentido, foi o entendimento do agente Ministerial, por ocasião das Alegações Finais:
“Por sua vez, quanto ao delito de receptação, embora as provas produzidas demonstrem que FELIPE efetivamente autorizou que o autor dos roubos utilizasse o espaço por ele alugado, não há como aferir o dolo do réu em ocultar aqueles veículos apreendidos, ou seja, os produtos de subtração. Explica-se.
A priori, nota-se que a ocultação realizada através de lona por MURILO, indica suspeição da origem dos veículos, porém FELIPE não residia no local, ou seja, não tinha domínio direto da entrada e saída de carros no terreno, bem como não exercia controle das atividades praticadas por MURILO.
Deste modo, não há prova de que o réu estivesse ciente de que os veículos de origem ilícita estavam sendo mantidos no local, pois não fazia dele sua residência, e não há prova de que tenha ali estado no período em que os veículos foram ocultados (entre o roubo e a recuperação dos bens, período entre 10 de março de 2016 e 14 de março de 2016).
Outrossim, o réu deliberadamente apontou MURILO como responsável pelos bens, ou seja, colaborou com a elucidação do caso, o que dificilmente faria se estivesse envolvido na empreitada. No mesmo sentido, o MURILO negou a ciência do réu sobre os ilícitos.
Por isso, ainda que se perceba contradições entre os relatos do réu nestes autos e nos autos originários (há quanto tempo Murilo guardava veículos no local e se o réu recebia alguma contraprestação por isso) e que acusado tenha relatado que sabia que MURILO fazia negociações de carro “piseira”, não há liame probatório seguro que indique que o acusado sabia da origem ilícita dos veículos Focus e Fluence e que demonstre que anuiu com a guarda destes automóveis.
Também, deve-se ressaltar que não foram produzidas provas de que outros veículos de origem ilícita tenham sido ali guardados, sendo certo, ainda, que a possível existência de contraprestação, por si, não é suficiente para demonstrar que havia ciência da origem ilícita dos veículos ali encontrados.
Por estes motivos, embora o réu pudesse ter desconfiança acerca da possibilidade de MURILO ocultar bens de origem ilícita no local, não há elementos que demonstrem ligação direta entre FELIPE e a ocultação dos carros roubados.
Tal situação probatória deixa margem para dúvida, a qual deve ser interpretada em benefício do acusado, acarretando sua absolvição, com fundamento no art. 386, VII do Código de Processo Penal.” (sequência 102.1).
Desta forma, a defesa de XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX requer a absolvição por não existir prova suficiente para a condenação, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, tese também sustentada pelo Ministério Público por ocasião das Alegações Finais (sequência 102.1).
III – DOS PEDIDOS
Diante de todo o exposto, a defesa de XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX requer à Vossa Excelência:
O recebimento da presente Alegações Finais;
A absolvição por não existir prova suficiente para a condenação, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, tese também sustentada pelo Ministério Público por ocasião das Alegações Finais (sequência 102.1);
A fixação na sentença dos honorários advocatícios pela Defesa de Processo de Rito Ordinário, no grau máximo de R$ 2.000,00 (dois mil reais), nos termos da Resolução Conjunta nº 15/2019 – PGE/SEFA.
No eventual entendimento pela condenação, requer-se:
A fixação da pena base no seu mínimo legal;
O reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, já que Felipe confessou que os veículos estavam em sua propriedade;
Que a pena de multa guarde proporcionalidade com a pena corporal imposta, e fixada em 1/30 do salário mínimo vigente na data do fato;
A fixação de regime aberto e a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, diante da primariedade (sequência 99.1);
A gratuidade da justiça, nos termos do artigo 98, do CPC, eis que atendido durante toda a instrução processual por defensor dativo, o que por si só demonstra a hipossuficiência financeira.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
Curitiba, 28 de julho de 2.020.
xxxxxxxx
OAB/PR nº 00000
OAB/SC nº 00000