Alegações Finais Tráfico Privilegiado
EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO DA 4ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE PIRACICABA
PROCESSO nº XXXXXX
XXXXX, já devidamente qualificado nos autos da AÇÃO PENAL em epígrafe, que lhe move o MINISTÉRIO PÚBLICO do Estado de São Paulo, vem, mui respeitosamente, a presença de Vossa Excelência, por meio de sua advogada que esta subscreve apresentar tempestivamente as presentes ALEGAÇÕES FINAIS, aduzindo, o quanto segue:
I – DOS FATOS
O Acusado foi denunciado às fls. 82-83 pela prática do crime previsto no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/06, porque segundo narra a peça acusatória no dia 04 de abril de 2018, por volta 13h30, no cruzamento da avenida Edine Rontani Basssete com a rua Honduras, bairro Água Branca, o Acusado XXXX trazia consigo e tinha supostamente em depósito 27 (vinte e sete) invólucros plásticos contendo maconha, pesando aproximadamente 92,0g (noventa e dois gramas), e mais 4 (quatro) porções maiores contendo a mesma droga, com peso bruto de 34,7 (trinta e quatro gramas e sete decigramas), nos termos do auto de exibição e apreensão de fls. 09/10 e laudo de constatação preliminar de fls. 18/13.
Às fls. 23-24, bem como fls. 94 certificam que O ACUSADO É PRIMÁRIO!
É a síntese do necessário.
II – MÉRITO
O Acusado é primário, tem 19 anos, tem endereço no distrito da culpa e é inocente da imputação de tráfico que por ora lhe é conferida.
Ao contrário do alegado pelos guardas municipais, o acusado em momento algum confessara a prática de tráfico de entorpecentes.
Prova de que o Acusado não realizou nenhum tipo de confissão está na folha 05 dos autos em que consta o termo de interrogatório do auto de prisão em flagrante, em que afirmou se manifestar somente em Juízo.
Diante da quantidade e somente o tipo “maconha” resta nítido que o fim era o consumo e não o tráfico, desta feita, desde já se requer a desclassificação da presente imputação para o artigo 28 da Lei 11.343/06 por não haver nos autos elementos probatórios suficientes que incriminem o Acusado como incurso no tráfico de entorpecentes.
Excelência, o acusado foi indiciado por supostamente ter em depósito o equivalente 27 invólucros plásticos contendo maconha, sendo que reconhece ter comprado apenas 7 (sete) “parangas” sendo cada uma a custo de R$5,00 (cinco reais), perfazendo o total de R$ 35,00 (trinta e cinco reais).
O Guarda Municipal Claudio José esclareceu que foi apenas encontrado 7 (sete) pacotes de maconha com o Acusado em seu depoimento em juízo.
Sendo certo que o restante não tem nenhuma conexão para com o Acusado, tendo somente o depoimento isolado dos Guardas Municipais, portanto, o artigo 28 também prevê a aplicabilidade do verbo “ter” para a incidência do consumo pessoal da droga, senão vejamos:
“Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I – advertência sobre os efeitos das drogas;
II – prestação de serviços à comunidade;
III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. (…)
§ 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. (…)” (g.n.)
Ambos os artigos (33 e 28) dispõem sobre a guarda em depósito qualquer quantidade de droga, a única diferenciação seria somente quanto à destinação da droga mantida em depósito, se para consumo próprio ou para comercialização, nesse sentido o Acusado assumiu a parte que era destinada ao seu consumo pessoal.
O § 2º do supracitado artigo 28 esclarece quais os parâmetros e fatores a serem analisados pelo magistrado na determinação da destinação da droga, devendo o juiz analisar a natureza e à quantidade da substância apreendida, mas não de forma isolada, mas considerando também o contexto, local e as condições em que se desenvolveu a ação policial, bem como as circunstâncias sociais e pessoais do acusado, e, ainda, a conduta e os antecedentes do Acusado.
II.I- DA FALTA DE PROVAS QUANTO ELEMENTO TÍPICO DA MERCANCIA E DA DENÚNCIA EMBASADA ESTRITAMENTE NO DEPOIMENTO DOS GUARDAS MUNICIPAIS
A pergunta que a defesa coloca é bastante simples: apenas o depoimento de dois guardas municipais é o suficiente para condenar um jovem por um crime equiparado a hediondo cujo a pena varia entre 5 e 15 anos? Tudo que o Estado precisa para condenar um cidadão é a palavra de dois guardas? A presunção de inocência, princípio constitucional e garantia fundamental, pode ser abalada com tão pouco?
A acusação não foi capaz de produzir uma única prova da suposta mercancia de entorpecentes a não ser o depoimento dos dois guardas municipais que deixam claro que não encontraram a quantidade volumosa com o Acusada, mas tão somente o quantidade para uso próprio.
Nenhum comprador, nenhum fornecedor, nenhuma anotação da venda de drogas, nenhum ato de mercancia. Tudo que pesa contra o acusado é a notícia de que os guardas foram até o local e encontraram 7 porções junto com o acusado, o restante não guarda qualquer vínculo com o Acusado.
Ora, o elemento típico do tráfico é o destino mercantil da droga. Sem a demonstração desse elemento típico, a absolvição por falta de provas, nos termos do art. 386, inc. VII do CPP, é medida de rigor.
O que se denota nos autos Excelência é que a denúncia está EXCLUSIVAMENTE pautada no depoimento dos milicianos e ainda que os mesmos gozem de fé pública, a palavra destes deve ser relativizada quando não há outras testemunhas que possam corroborar a versão apresentada pelos mesmos.
Assim, dada a precariedade dos elementos de prova, encimados simplesmente nos relatos dos guardas encarregados da prisão, salta aos olhos a dúvida sobre a materialidade delitiva do crime de tráfico. E como é sabido por todos e todas, A DÚVIDA – GERADA PELA MANIFESTA DEBILIDADE INSTRUTÓRIA – HÁ QUE SER INTERPRETADA SEMPRE EM FAVOR DO ACUSADO.
Esse é o único entendimento que decorre da aplicação do princípio da presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII, c/c art. 60, § 4º, IV), que está insculpido na Lei Maior pátria, sob o status de cláusula pétrea, e milita em favor de todos os acusados em processo penal, impondo sejam absolvidos sempre que não houver, como na hipótese ora em tela, prova cabal, segura da autoria delitiva.
Ainda que se considere a propriedade da droga como sendo do Acusado, a lei exige a comprovação da mercancia da droga para a caracterização do delito de tráfico. Não se pode presumi-la sem que se investigue a destinação da droga.
Os guardas municipais não comprovaram nenhum ato que caracterize a traficância praticado pelo Acusado!
A simples quantidade de entorpecente apreendido não é suficiente para caracterizar o grave delito de que foi acusado. Ora, a forma como a droga é embalada para a venda é a mesma que é adquirida. Portanto, na pior das hipóteses, deve-se desclassificar a conduta de tráfico para uso, nos termos do art. 28 da Lei de Drogas, já que não restou demonstrada a destinação dos entorpecentes.
A minorante do tráfico-privilegiado deve incidir no presente caso, foi o que decidiu o STF em junho, por maioria, julgando que o crime de tráfico privilegiado de entorpecentes não tem natureza hedionda. Por esse motivo, a pena pode ser reduzida de 1/6 a 2/3, conforme o artigo 33, parágrafo 4º, da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), ainda, o Acusado também poderá ser beneficiado por indulto, conforme o artigo 84, inciso XII, da Constituição.
Acompanhando o entendimento do Supremo, a 3ª Seção do STJ estabeleceu que o tráfico privilegiado de drogas não constitui crime de natureza hedionda. A nova tese foi adotada de forma unânime durante o julgamento de questão de ordem. Com o realinhamento da posição jurisprudencial, o colegiado decidiu cancelar a Súmula 512, editada em 2014 após o julgamento do REsp 1.329.088 sob o rito dos recursos repetitivos.
Ainda, deve também ser aplicado ao presente caso em caso de condenação a atenuante de pena nos termos do art. 65 do Código Penal, tendo em vista que o denunciado é menor de 21 anos, sendo possível também atenuante da confissão espontânea da autoria do crime:
“Art. 65 – São circunstâncias que sempre atenuam a pena:
I – ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou maior de 70 (setenta) anos, na data da sentença; (…)
III – ter o agente:
d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime;”
III – DAS CIRCUNSTÂNCIAS SOCIAIS E PESSOAIS DO ACUSADO
O Acusado possui apenas 19 (dezenove anos), O ACUSADO RESIDE NO DISTRITO DA CULPA, JUNTO A SUA MÃE E TIA, PRECISAMENTE NA RUA TOME DE SOUZA, Nº 164, JARDIM GLÓRIA, CEP 13401455, PIRACICABA/SP.
E até que houvesse sido recolhido ao cárcere trabalhava fazendo bicos conforme expos em seu depoimento em juízo. Excelência, o crime pelo qual foi autuado é desprovido de violência ou grave ameaça, e não há elementos que levem à conclusão de que o Acusado faça do crime modo de vida.
Ainda, não há que se falar em periculosidade do agente ou da conduta, conceito este vago, indeterminado e nem sequer aplicável por aqui. Ligado, quando muito, a medidas de segurança.
Portanto, as passagens anteriores no Juízo da Infância e Juventude não podem servir como elementos indicativos de possível personalidade desviada ou de periculosidade voltada à delinquência, mesmo porque a própria lei e tratados internacionais de direitos humanos reconhecem, na criança e adolescente, indivíduos dignos de proteção integral e com personalidade em formação.
O próprio ECA reconhece como estando em situação de risco às crianças e os adolescentes que, por sua própria conduta, tiverem seus direitos ameaçados ou violados. Em outras palavras, a própria prática de ato infracional, além de revelar abandono pelo Estado, pela família e pela comunidade, já é, em si própria, configuradora de uma situação de risco daqueles que o praticam, não fazendo sentido que uma situação que própria lei reconhece como de risco e de vulneração a seus direitos possam prejudicá-los depois.
Nesse sentido, as anotações por atos infracionais não podem ser vistas como reveladoras de personalidade desviada, corrompida, deturpada, ou coisa do tipo, já que o próprio ordenamento a reconhece, relativamente ao público infanto-juvenil, como objeto de um delicado e complexo processo de formação, sendo reconhecida a condição peculiar às crianças e adolescentes como de sujeito de direitos em desenvolvimento.
V- PEDIDOS
a) Acolher a presente tese da defesa em alegações finais para absolver o acusado do crime que lhe foi imputado na exordial nos termos do artigo 386, inciso V e VII, do CPP, por restar absolutamente comprovado a inexistência dos fatos narrados na denúncia, por se tratar de droga para consumo próprio conforme esclarecido nos autos pelo acusado;
b) Alternativamente, não sendo esse o entendimento de Vossa Excelência, requer-se seja decretada a absolvição do acusado nos termos do artigo 386, inciso V e VII, do Código de Processo Penal, por não existir provas de ter o réu concorrido para a infração penal, logo, não há prova suficiente para condenação no incurso do artigo 33 da Lei de Drogas;
c) Ainda, caso os argumentos apresentados sejam julgados improcedentes, requer-se a desclassificação do delito de tráfico imputado na exordial para o previsto no art. 28 da Lei 11.343/06;
d) Subsidiariamente em caso dos argumentos apresentados sejam julgados improcedentes, requer-se a desclassificação do delito de tráfico imputado na exordial para o previsto no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas e que seja aplicada a redutora em sua fração máxima (2/3), bem como a atenuante do art. 65, do Código Penal, tendo em vista que o denunciado é menor de 21 anos, aplicando-se o regime aberto para cumprimento da pena já que o próprio Supremo Tribunal Federal reconheceu a possibilidade da imposição do referido regime ao Réu primário por tráfico de drogas.
e) Em caso de condenação, requer se a Fixação da pena base no mínimo legal. Não há, no caso em tela, circunstâncias agravantes, majorantes ou quaisquer qualificadoras que elevem a pena além do mínimo legal, observado o artigo 59, do Código Penal;
f) Requer-se o direito de apelar em liberdade.
g) Fica expressamente requerida a análise dos argumentos nessas alegações finais para fins de prequestionamento em eventuais aos Tribunais Superiores.
h) Por fim, a concessão dos benefícios da justiça gratuita e o perdão da pena de multa ou a sua aplicação no seu patamar mínimo ante à simples situação econômica do Acusado, evidenciada pelas condições do seu labor e pelo singelo, quase ínfimo, poder aquisitivo do mesmo, evidenciadas no transcorrer da persecução penal
Termos em que,
p. deferimento.
Piracicaba, 28 de agosto de 2018.
XXXXXX
OAB/SP XXXXXX