[Modelo] Alegações Finais – Receptação- art. 180, CP.
Receptação Smartphone
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 5ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE CAMPO GRANDE-MS.
Autos n º xxxxxxxxxxxxxxx
………, vulgo …………….., devidamente qualificado nos autos da Ação Penal, feito em epígrafe, que lhe move o MINISTÉRIO PÚBLICO, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, por intermédio de sua advogada que esta subscreve, com fundamento no artigo 403, § 3º, do Código de Processo Penal,tempestivamente apresentar, nos seguintes termos:
ALEGAÇÕES FINAIS POR MEMORIAIS
Pelos motivos de fato e direito a seguir delineados:
I – DOS FATOS
O mérito da denúncia trata-se de suposta prática dos delitos de receptação enquadrado no Art. 180 no CP.
Segundo consta da denúncia, o acusado teria no dia 30 de julho de 2019, por volta das 12h50 min, na Rua Jaime Cerveira, nº s/nº, bairro Nova Lima, nesta capital, no momento em que efetuavam rondas pelo citado local, Policiais Militares, abordaram ………………… (qualificado anteriormente) e …………………..SOUZA (qualificado no termo de declaração em auto de prisão em flagrante delito – fls.38), ao procederem uma revista pessoal, encontraram na posse de …………………., um aparelho celular, marca Samsung, modelo J5, onde após checagem do número de IMEI 3571100 do aparelho, foi constatado que se tratava de produto de ROUBO, conforme consta no Boletim de Ocorrência de nº 2248/2019, ocasião em que deram Voz de Prisão ao referido.
Apreenderam o objeto e encaminharam ao DEPAC Centro/CG, onde …………………………… foi atuado em flagrante e posteriormente levado a Audiência de Custódia, foi colocado em liberdade, mediante pagamento de fiança, que foi arbitrada a seu favor no valor de R$ 937,00 (novecentos e trinta e sete reais), o conduzido, no entanto, em seu interrogatório alegou ter comprado o referido celular de usuário de drogas, alegando não saber a origem ilícita, contudo realizou o pagamento de um valor ínfimo para a compra do mesmo (R$ 200,00 – duzentos reais), alegando que sua intenção era a de lucrar com o mesmo, uma vez que venderia posteriormente por R$ 400,00.
O denunciado foi incurso nas penas do delito capitulado no artigo 180, caput, do Código Penal Brasileiro, consoante se verifica da peça de denúncia apresentada pelo Representante do Ministério Público.
Apesar de não restar comprovado a veracidade dos argumentos elencados na exordial acusatória, uma vez que o denunciado não agiu com intenção de praticar o delito de receptação, a denúncia foi indevidamente recebida na data 02/09/2019, o que merece ser revista uma vez que o acusado é pessoa simples, humilde e dotada de bons conceitos, frente à sociedade, a razão para que aquele tenha adquirido o celular, objeto do delito de receptação, pessoa leiga de conhecimentos jurídicos, fora simplesmente à falta de informação, assim como a credibilidade e confiança em pessoas desconhecidas, fruto de uma cultura interiorana, baseada na boa fé.
Sendo designada a audiência de instrução para dia 02 de outubro de 2019, às 13h30min, foram colhidos os depoimentos das testemunhas ……………………… e ……………………………….s, onde foram, após acordado pelas defesas e o ministério público para oitiva do suposto Réu ……………………….
Logo em seguida, foram apresentadas as Alegações Finais Por Memoriais Ministerial no dia 21/10/2019, após a abertura para a defesa dos Memoriais sucessivos.
Conforme passa a demonstrar:
II – DO DIREITO
Trata-se de Ação Penal na qual o ministério Público pugna pela condenação do acusado pela prática do delito tipificado no caput art. 180 do Código Penal, qual seja:
Procura a todo instante, a Representante do Ministério Público, auxiliado pelas meras suposições de testemunhas Ronney de Lima Ferreira (Policial local) e, na duvidosa prisão em flagrante, em traçar um perfil criminoso de Jarcy, chegando a fazer infundadas acusações, que em momento algum restaram comprovados, assim como também não restaram comprovadas ser o denunciado sabedor de que tais objetivos adquiridos eram de origem ilícita.
Analisemos a figura do artigo 180 (Receptação) do Código Penal:
Art. 180 – “Adquirir, receber ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.”
Os fatos descritos no caput do artigo 180, são puníveis, exclusivamente a título de dolo, que abrange a consciência de que o objeto material é produto de crime: vontade de adquirir, receber ou ocultar coisa produto de crime, consciente o sujeito dessa circunstância.
Excelência, como já demonstrado alhures, o denunciado Jarcy, obteve o aparelho celular de boa-fé, não tendo o conhecimento necessário de se tratar de objeto fruto de roubo, inexistindo, portanto, a consciência e a vontade de adquirir objeto que se sabia produto de crime.
Analisemos agora a hipótese de dolo subsequente:
Seria a hipótese em que o sujeito adquirisse a coisa de boa-fé, vindo depois a saber que é produto de crime.
Hipótese esta que se amolda perfeitamente ao fato aqui descrito, pois ……………………… Dos Santos adquiriu os objetos de boa-fé e tão logo suspeitou que tais eram provenientes de crime, de imediato entregou-os junto à Delegacia de Polícia local, numa atitude louvável.
Segundo entendimento de Damásio E. de Jesus, tal hipótese descrita acima, não configura receptação. Continuando o citado autor, o dolo deve ser contemporâneo com a conduta. Realizada esta, o posterior elemento subjetivo não tem efeito retroativo, no sentido de dominar um comportamento já consumado, a não ser que o sujeito realize nova ação que configure o tipo penal, como, v.g., ocultando o objeto material. Nesse sentido: RT, 580:373 (in Código Penal Anotado, pg. 539, Ed. 1991, Ed. Saraiva).
Agora, analisemos a figura do dolo eventual:
Não existe receptação dolosa quando o sujeito comete o fato com dolo eventual, i. e., quando adquire o objeto material tendo dúvida a respeito de sua procedência. RF, 192:382; RT, 486:321, 495:353, 517:362 e 619:347; JTA Crim SP, 51:207 e 60:309. Neste caso, segundo Damásio E. de Jesus, responde por receptação culposa.
A última hipótese aqui trazida (dolo eventual), não se amolda no presente caso, mas serve para refletirmos sobre a figura descrita no artigo 180. Seria a intenção do legislador de que, somente após comprovada ao extremo a vontade de adquirir o objeto proveniente de conduta ilícita, é que se poderia tipificar uma conduta como sendo de receptação (art. 180 caput), como quer nos fazer entender o Ministério Público em sua denúncia e, posteriormente, em alegações.
Poderíamos, Excelência, pedir a desclassificação do tipo penal, o que é imputado ao denunciado Jarcy Dos Santos, ou seja, receptação dolosa (art. 180 caput), para a figura descrita no artigo 180, § 1º (receptação culposa), que prevê o que segue:
Art. 180, § 1º – Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso:
Pena – detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, ou multa, ou ambas as penas.
“A propósito da receptação culposa, diz DAMIÃO NETO, que o “receptor que agiu culposamente não pode ser considerado um ladrão vulgar, é antes de mais nada vítima de sua própria ignorância, boa-fé, erro, cobiça ou ambição. Jamais delinqüiria, agindo de “moto próprio” ou “sponte sua”. Não é agente, é sim um impulsionado, vítima das próprias circunstâncias” (referido por RIBEIRO PONTES, “in” Código Penal Brasileiro, Comentado, 8ª Ed. Freitas Bastos, pág. 284).
Natureza do objeto material: como anteriormente exposto, o denunciado Jarcy Dos Santos, não sabia da origem ilícita dos objetos adquiridos, e quando de sua ciência, prontamente os entregou na Delegacia de Polícia local. Ademais Excelência, como a pessoa de quem adquiriu os objetos, a utilização de celular é corriqueira e banal, configurando com isso a hipótese de não presunção de que tal objeto poderia ser produto de crime.
Na perfeita valoração de todos esses elementos, apreender-se-á, se o elemento psicológico para a perpetração do crime se concretizou. Nesse sentido, as lições de BENTO DE FARIA, “in” Código Penal Brasileiro, vol. V, pág. 198, quando afirma que: “considera-se receptação culposa o fato da aquisição ou recebimento da coisa que por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço ou pela condição de que o oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso.”
De fato, nesse sentido é a preleção de CARRAUD, ao esclarecer que a lei exige que o comprador “deva saber que o indivíduo em cujo poder o dito objeto se encontra só o podia obter por meio de uma ação delituosa” (“TRAITÉ DU DROIT PÉNAL” – pág. 683).
“Diante disso, é de se ver que, quando da apreciação dos elementos constitutivos do tipo penal da receptação culposa, devem ser considerados todos esses elementos, individual e coletivamente, e tal análise deve ser profundamente minuciosa, no sentido de se apreender o elemento psicológico que possuía o acusado quando da ocorrência do fato imputado, para que a sentença não conduza a uma condenação injusta, em detrimento do acusado e da própria sociedade, na qual vive, e para a qual pode ser um membro útil”.
II. I – E DO ABUSO DE AUTORIDADE
Em primeiro lugar,tenhamos que esclarecer assim como dito no inquérito policial que em ronda policial, os policiais do “nada” sem motivo e sem fundada suspeita decidem abordar uma pessoa que está em local público e realizar busca pessoal em ……………………………….Dos Santos, (acreditamos até prova em contrário tratar-se de abuso de autoridade, pelo simples fato do denunciado não ter dado motivo para tal abordagem e revista) eis que avaliadas em R$ 1.000.00, qualquer sujeito, por mínima que seja sua renda, poderia adquirir para uso um celular.
Nos moldes nos dispositivos legais esculpidos na Legislação Processual Penal, dispõe:
Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.
§ 1o Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem,(…)
Ora Excelência, o réu estava tão-somente andando pela via pública, em situação que não indicava qualquer atitude suspeita (como mesmo disse o policial), e pelo simples fato de ser pessoa com antecedentes, ou ‘conhecida’ da polícia, tornou-se alvo certeiro de revista aleatória e desnecessária.
O motivo explanado não autoriza o uso abusivo do poder de busca pessoal, não podendo o réu ficar sujeito a abordagens fortuitas pelo simples fato de estar caminhando na rua.
Se a revista não foi fundada, baseada em elementos subjetivos do policial, tratando-se o denunciado de pessoa negra, pobre que circulava em rua de bairro de periferia, restando clara o abuso de autoridade, outrossim, dispõe o artigo 244 do CPP:
Artigo 244 – “A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.”
Este artigo está inserido no capítulo das provas no processo penal,E A AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA, PODERIA TORNAR A PROVA ADQUIRIDA DESTA MANEIRA, COMO ILÍCITA. Alguns doutrinadores tem a revista pessoal como meio de provas.
Rogério Sanches aponta que:
“a busca pessoal, ou revista pessoal, realizada no corpo da pessoa, tem por objetivo encontrar alguma arma ou objeto relacionado com a infração penal.”
Segundo Guilherme Nucci:
“a suspeita para a revista pessoal sem mandado judicial há de ser “fundada”, ou seja, baseada em elementos visíveis e concretos, passíveis de confirmação por testemunhas. Exemplo: revista-se, sem mandado, o suspeito de portar arma de fogo ou carregar consigo qualquer tipo de droga.
Portanto, a fundada suspeita NÃO PODE ORIENTAR-SE POR ELEMENTOS SUBJETIVOS, já que, em virtude do caráter lesivo a direitos individuais, é importante a existência da reverência ao princípio da legalidade, como visto em decisão do Supremo Tribunal Federal:
A “fundada suspeita”, prevista no art. 244 do CPP, não pode fundar-se em parâmetros unicamente subjetivos, exigindo elementos concretos que indiquem a necessidade da revista, em face do constrangimento que causa. Ausência, no caso, de elementos dessa natureza, que não se pode ter por configurados na alegação de que trajava, o paciente, um “blusão” suscetível de esconder uma arma, sob risco de referendo a condutas arbitrárias ofensivas a direitos e garantias individuais e caracterizadoras de abuso de poder. Habeas corpus deferido para determinar-se o arquivamento do Termo. (Habeas Corpus nº 81.305-4. Relator (a): Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 13/11/2001, DJ 22-02-2002).
Há um liame que diferencia a abordagem legal, da abordagem ilegal, quando ocorre utilização indevida, por despreparo de alguns policiais, se utilizam desse recurso legitimado pela sociedade para exercer condutas criminosas, depreciando a dignidade e os direitos individuais do homem e marginalizando um instrumento de disseminação da segurança, com o intuito de satisfazer seus sadismos, ou propagar a violência gratuita, através de agressões, abusos e humilhações físicas e morais, além de outras condutas inaceitáveis.
Segundo Hely Lopes Meireles:
”esse abuso de autoridade é gênero, do qual são espécies o desvio de finalidade e o excesso. O excesso de poder torna o ato arbitrário, ilícito e nulo.”
Sobre o abuso de autoridade, em face a busca pessoal, a Lei 4.898/65 versa através do artigo 3º e 4º:
Art. 3º – “Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:
a) à liberdade de locomoção;
Art. 4º – “Constitui também abuso de autoridade:
a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder;
b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei;
De acordo com o artigo 5º da lei 4.898/63:
“Considera-se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração“.
II. II – DO VALOR DA RES FURTIVA
É verdade que, diante da facilidade de aquisição, a variedade de formas de comércio e, a ampla concorrência de diversas marcas de celulares, ocorre a desvalorização rápida de tal objeto, tornando assim, acessível a qualquer pessoa o acesso a meios de comunicação, como no caso em tela o celular smartphone.
Desproporção entre valor e preço: pelo que se observa pela avaliação feita às fls. 43 do inquérito policial, a qual Katiane suposta proprietário do celular, apresenta para juntada cópia de nota fiscal, avalia no valor de R$ 1.000,00, podemos verificar que não se constata uma desproporção gritante entre valor e preço quando adquirido por Jarcy dos Santos, como saber notório de todos, qualquer produto adquirido após sua utilização independente do tempo, ocorre a desvalorização por se tratar de produto já usado, assim, tornando tal o valor ínfimo e irrisório dos mesmos, e que qualquer pessoa, por mais modesto que seja poderia facilmente alcançar tal valor.
Ademais Excelência, como já dito alhures, qualquer pessoa, por mais difícil situação econômica que se encontre, tem condições de ter em sua posse um celular smartphone e R$ 200,00 (duzentos reais) é o valor praticado atualmente de venda de produtos usados, sendo tal o valor ínfimo de tal objeto.
Feita a pesquisa em diversos sites populares de comércio de itens eletrônicos, resta comprovada a análise acima defendida.
Senão vejamos:
“A propósito da receptação culposa, diz DAMIÃO NETO, que :
“oreceptor que agiu culposamente não pode ser considerado um ladrão vulgar, é antes de mais nada vítima de sua própria ignorância, boa-fé, erro, cobiça ou ambição. Jamais delinqüiria, agindo de “moto próprio” ou “sponte sua”. Não é agente, é sim um impulsionado, vítima das próprias circunstâncias” (referido por RIBEIRO PONTES, “in” Código Penal Brasileiro, Comentado, 8ª Ed. Freitas Bastos, pág. 284).
III – DOS PEDIDOS
ANTE AO EXPOSTO, REQUER:
a) Seja decretada a absolvição do réu, forte no artigo 386, inciso IV (negativa da autoria), do Código de Processo Penal, sopesadas as considerações dedilhadas linhas volvidas.
b) Na remota hipótese de soçobrar a tese mor – reunida no item retro – seja, de igual sorte absolvido, diante da dantesca orfandade probatória que preside à demanda, tendo por esteio o artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
c) Caso V. Exa. assim não entenda, requer, ainda, a concessão do benefício do § 3º do artigo 180 do Código Penal, ou seja, O PERDÃO JUDICIAL, uma vez que o acusado é trabalhador, casado e pai de 4 filhos. Tal entendimento também é comungado pela jurisprudência mansa e pacífica de nossos Tribunais: “autoriza o § 3º do artigo 180, do Código Penal, a não aplicação de pena, bem como a exclusão de seu nome do rol dos culpados.” (JUTACRIM 8/262).
Termos que,
Pede deferimento.
Campo Grande – MS, …. de outubro de……
Janaina Paes da Silva
OAB/MS 13