Modelo de Apelação Juizados Especiais Criminais

Código de trânsito – artigo 309

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL DA COMARCA DE XXX – MG.

AUTOS Nº XXX

AÇÃO PENAL – CRIME DE TRÂNSITO

XXX, devidamente qualificado nos autos, por intermédio de seu procurador constituído, vem, tempestivamente, à presença de Vossa Excelência, inconformado com a r., sentença exarada nos autos, interpor

RECURSO DE APELAÇÃO

nos termos do artigo, 82 da Lei 9.099/95 ( Lei dos Juizados Especiais Civis e Criminal), requer seja recebida e processada a presente Apelação e encaminhada, com as inclusas razões, a umas das Turmas Recursais do Egrégio Tribunal de Justiça.

Termos em que pede deferimento.

Local, data, ano.

AVOGADO

OAB XXX

RAZÕES DE APELAÇÃO

Egrégia Turma Recursal;

Ínclitos Julgadores;

Em que pese o notório saber jurídico da Douta Magistrada sentenciante, merece reforma a r., sentença condenatória encartada nos autos, conclusão a que chegará esta Colenda Turma Recursal após análise das razões fáticas e jurídicas a seguir aduzidas.

I. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES – CONTAGEM DE PRAZO – CIÊNCIA INEQUÍVOCA – DIES QUO – RÉU PRESO – INTIMAÇÃO PESSOAL

MM., Juíza, em que pese a certidão de trânsito em julgado colacionada aos autos, esta não deve prevalecer.

O art. 82 da Lei nº 9.099/95 indica que o prazo para interposição de apelação é de 10 dias.

Segundo o CPP, a intimação da sentença será feita pessoalmente em caso de réu preso, nos termos do art. 392, I.

Por seu turno, o parágrafo 5º, art. 798, alínea c, dispõe que “os prazos começam a correr do dia em que a parte manifestar ciência inequívoca da sentença;

Conforme se extrai da r., certidão acostada pelo oficial de justiça, o réu foi intimado no dia 03 de agosto, nesse passo, o dies quo iniciou-se no dia 04 de agosto. Portanto, os dias para apelar findaria no dia 13 (sábado), e não no dia 11, pois, neste caso, escoado apenas 08 dias.

Sendo assim, o recurso de apelação é tempestivo, e deve a secretaria assim certificar nos autos.

II – DAS CONSIDERAÇÕES DE FATO

XXX foi denunciado como incurso no tipo penal do art. 309 do CTB, tendo em vista que no dia 28 de março de 2020, por volta de 16h35min, estava conduzindo veículo automotor em via pública, sem a devida permissão ou habilitação, gerando perigo de dano.

Segundo disseram os policiais envolvidos nos fatos, havia vários transeuntes no local. Todavia, nenhuma testemunha foi arrolada, no sentido de fazer prova dessas circunstâncias.

Sobreveio condenação de 06 meses e 22 dias de detenção, a ser cumprida em regime inicial semiaberto, por força do artigo 33, § 12, h do CP, tendo em vista que se trata de acusado portador de maus antecedentes, bem como em face da reiteração delitiva em crimes de trânsito.

A Douta Juíza sentenciante deixou de aplicar os benefícios do artigo 44 e 77, do CP, por entender que a medida não é suficiente e nem socialmente recomendável, visto que o acusado já foi condenado na prática de delito de trânsito, notadamente aquele previsto no artigo 303 do CTB e é portador de maus antecedentes.

É a síntese do necessário.

III. DA FRAGILIDADE DAS PROVAS. AUSÊNCIA DE TRANSEUNTES. ESTRADA RURAL. LOCAL ERMO. DEPOIMENTO POLICIAL ISOLADO NOS AUTOS

Analisando o conjunto probatório, verifica-se que inexiste prova efetiva do delito imputado ao acusado. Ao sentir da defesa, a narrativa de fuga e risco a terceiros alegada pelos policiais não se sustenta

Em sede de interrogatório, o acusado negou veementemente a conduta que lhe foi previamente imputada, afirmando que apenas conduzia a motocicleta normalmente no momento da abordagem, e não ouviu a ordem de parada. Que o local é uma estrada rural, sem a presença de moradores próximos. E que, ao contrário do que foi ventilado pelos policiais, não havia sequer uma pessoa transitando nas proximidades. Que apesar de não ser habilitado, faz uso de motocicleta há mais 20 (vinte) anos.

Por sua vez, ressalte-se, os milicianos relataram a presença de pessoas transitando, sem, contudo, qualificá-las.

Fizeram, também, constar no REDS (fls., 06), que o acusado se evadiu em alta velocidade, chocando-se com um barranco, sendo encaminhado ao Pronto Socorro Municipal. Todavia, referida ficha de atendimento não se encontra acostada aos autos.

A testemunha XXX, quando perguntado pela defesa, disse: “que no momento da queda do réu, havia dois homens (…). Mas que não os identificaram porque queriam saber se o condutor estava armado (…) E que a identificação não era o objetivo no momento”.

Em sede de processo penal, referidas pessoas seriam imprescindíveis para a elucidação dos fatos. Aliás, é dever da autoridade arrolar testemunhas presenciais quando da constatação flagrancial.

Portanto, a fuga, a alta velocidade empregada, os transeuntes, o atendimento médico, não se sustentam objetivamente como circunstâncias relatadas pelos milicianos, pois carentes de provas objetivas nesse sentido.

Excelências, a palavra do policial ratificando os fatos, como único meio de prova, não é suficiente para a condenação.

Importante consignar que, apesar do prestígio que deve ser dado à palavra dos policiais, nos crimes dessa espécie, esta prova não pode ser valorada de forma isolada. São necessárias outras provas no processo para fundamentar uma condenação, sendo que, na ausência de certeza quanto à acusação, vigora o princípio do in dubio pro reo.

Nesse sentido, em recente julgado, segundo o Egrégio TJMG:

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL – AMEAÇA NO ÂMBITO DOMÉSTICO – DECLARAÇÕES DA VÍTIMA APENAS NA FASE INQUISITIVA – DEPOIMENTO ISOLADO DE POLICIAL – CONJUNTO PROBATÓRIO ANÊMICO – ABSOLVIÇÃO.

  1. Inexistindo prova pujante da autoria, ainda que haja suspeitas, impõe-se a absolvição com base no princípio do in dubio pro reo. 2. Inexistindo, durante a instrução, outras provas seguras da autoria delitiva, o depoimento isolado do policial, não autoriza a condenação.

TJMG. APELAÇÃO CRIMINAL XXXXX-4/001 XXXXX-60.2019.8.13.0236 (1). Relator (a): Des.(a) Marcos Flávio Lucas Padula. Data de Julgamento: 30/11/2021. Data da publicação da súmula: 09/12/2021.

Por seu turno, também não ficou devidamente demonstrado qualquer perigo de dano concreto exigido para a tipificação do crime do art. 309 do CTB.

Tanto é que, o Il. Promotor de Justiça, no uso de suas atribuição de dominus litis, ainda em dúvida quanto ao perigo de dano, protocolou pedido de diligência (doc., fls., 13), para esclarecer se no local dos fatos havia movimentação e/ou concentração de pessoas.

Pois bem. Passados 7 (meses) desde a ocorrência do suposto delito, os policiais ouvidos na delegacia, conforme se extrai dos documentos de fls., 18 a 21, disseram:

QUE: o declarante disse que no local dos fatos não estava próximo de estação de embarque e desembarque de passageiros, embora o local seja de grande movimentação e concentração de pessoas e que naquele momento o local estava sendo usado por várias pessoas que faziam caminhada.

Excelências, causa estranheza o fato de os depoimentos serem idênticos em todos os seus termos (ipsis litteris), ainda que transcorrido considerável lapso temporal.

Por outro lado, parece ilógico um local reconhecido como área rural, onde não se situa estação de embarque e desembarque de pessoas, seja de grande concentração e movimentação de pessoas (segundo relataram os policiais).

Com todas as vênias, diante das declarações do acusado e dos policiais, a conclusão a que chegamos é de que não havia sequer uma pessoa no local dos fatos.

IV. DO TIPO PENAL IMPUTADO. ART. 309 DO CTB. RISCO CONCRETO A TERCEIROS. ÔNUS DA PROVA

Nos termos do art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro, pratica crime quem “dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano”.

STF. SÚMULA 720. O art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro, que reclama decorra do fato perigo de dano, derrogou o art. 32 da Lei das Contravencoes Penais no tocante à direção sem habilitação em vias terrestres.

Vale destacar que no XXI Encontro do FONAJE foi aprovado o Enunciado 98, segundo o qual “os crimes previstos nos artigos 309 e 310 da Lei 9.503/1997 são de perigo concreto”.

Nesse sentido, já decidiu o egrégio TJMG:

EMENTA: CONDUZIR VEÍCULO, EM VIA PÚBLICA, SEM HABILITAÇÃO. CRIME DE PERIGO CONCRETO. PERIGO DE DANO NÃO COMPROVADO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. DENÚNCIA REJEITADA. MANUTENÇÃO. – Nos termos do Enunciado 98 do FONAJE o ato de conduzir veículo automotor, em via pública, sem a posse da devida habilitação, somente constitui crime se desse ato resultar efetivo perigo de dano ao bem jurídico tutelado. REC EM SENTIDO ESTRITO Nº 1.0035.10.012613-1/001 – COMARCA DE ARAGUARI – RECORRENTE (S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS – RECORRIDO (A)(S): LUIZ SÉRGIO DE OLIVEIRA. Processo: 1.0035.10.012613-1/001 Relator: Des.(a) Duarte de Paula Relator do Acordão: Des.(a) Duarte de Paula Data do Julgamento: 18/06/2013 Data da Publicação: 28/06/2013

Considerando que o tipo penal descreve a conduta “gerar perigo de dano” para caracterização do fato típico, é necessário demonstração de perigo concreto, não sendo suficiente o perigo abstrato. [1]

Nesse sentido, encontra-se o seguinte julgado no TJMG;

EMENTA: APELAÇÃO – AÇÃO PENAL – CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO – DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR SEM PERMISSÃO OU HABILITAÇÃO (ART. 309 CTB)

Pratica o crime do art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro quem dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano.

Para caracterização do crime do art. 309 do CTB não basta que o réu conduza veículo automotor sem habilitação, sendo necessário que esta conduta gere risco real ou concreto de dano à coletividade.

TJMG – APELAÇÃO CRIMINAL XXXXX-5/001 0020065. Relator: Des. Bruno Terra Dias. 6ª CÂMARA CRIMINAL. Data de Julgamento 31/08/2021

Sobre o tema, ensina a doutrina que:

A direção de veículo automotor, em via pública, sem a devida permissão para dirigir ou habilitação, ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, deve gerar perigo de dano. A redação do tipo penal do art. 309 do CTB não deixa dúvida acerca de sua natureza jurídica. Cuida-se de crime de perigo concreto. Portanto, não basta demonstrar que o agente dirigia o veículo sem a devida habilitação. Para além disso, deve restar evidenciado o risco de dano à vida, à integridade corporal, à saúde e/ou ao patrimônio de terceiros. (…) [2]

Cumpre apontar que não há provas seguras que reforcem a versão dos policiais, onde supostamente pessoas que estariam transitando no local foram expostas a riscos.

A denúncia narra a presença de diversos usuários. Ora, a prova da alegação incumbirá a quem a fizer, e o ônus da prova em sede de processo penal é integralmente do acusador. [3]

Nesse sentido, a identificação de usuários é elemento relevante e imprescindível para fundamentar um decreto condenatório.

Nenhuma acusação se presume provada. Não compete, ao réu, demostrar a sua inocência. Cabe, ao contrário, ao Ministério Público, comprovar, de forma inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do acusado. STF – HC 88875-AM, Relator: Min. Celso de Mello.

Na doutrina:

Se o método empregado é o da verdade material, isto é, o do convencimento judicial fundado em prova e não na deficiência da atuação defensiva, há que se concluir que não poderia caber ao acusado a prova da sua não culpabilidade. Se é necessária a certeza provada para a condenação, fundada, pois, em material probatório efetivamente produzido em juízo, há que se concluir caber à acusação, sobretudo ao Ministério Público, titular da ação penal pública, os ônus da prova do fato, da autoria e das circunstâncias e demais elementos que tenham relevância para a afirmação do juízo condenatório. [4]

A prova é frágil, insegura, subsistem dúvidas acerca da autoria do delito e a prova indiciária não é suficiente para condenar o acusado. Portanto, não há como se condenar o réu, já que em matéria criminal a prova acusatória deve conduzir a certeza.

V. DA DESCLASSIFICAÇÃO. ART. 330 DO CP. DESOBEDIÊNCIA

Como bem apontaram os policiais envolvidos na ocorrência, analisando dogmaticamente a suposta conduta delitiva imputada ao acusado, é perfeitamente cabível a desclassificação para o tipo penal do art. 330, caput, do CP (desobediência).

Segundo consta nos REDS, às fls., 06:

SÍNTESE: DURANTE O PATRULHAMENTO VISUZALIMOS A MOTOCICLETA YAMAHA/YBR, PLACA DZN-0669 DE COR VERDE EM SUSPEITA, FOI DADA ORDEM LEGAL DE PARADA A MOTOCICLETA ATRAVÉS DE SINAIS SONOROS E LUMINOSOS DA VIATURA POLICIAL, PORÉM DESOBEDECIDA PELO CONDUTOR QUE REALIZOU BRUSCAMENTE ARRANCADA COM A MOTOCICLETA E CONSEQUENTEMENTE EVASÃO DO LOCAL (…)

O tipo penal de desobediência descreve seus elementos constitutivos na seguinte forma:

Art. 330 – Desobedecer a ordem legal de funcionário público:

Pena – detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.

MM., Juízes, o policial responsável pela lavratura do REDS foi categórico em dizer que “foi dada ordem de parada, porém DESOBEDECIDA”. Consta no documento exatamente o verbo do tipo penal em análise exige.

E mais. Em momento algum, antes da suposta ordem de parada, foi relatado que os milicianos avistaram o acusado fazendo manobras irregulares e arriscadas, em desacordo com as regras de trânsito.

Portanto, em caso de condenação, a desclassificação é medida que se apresenta, pelas circunstâncias dogmaticamente levantadas.

VI. PEDIDOS

Em razão de todo o exposto, requer:

a) A absolvição do acusado, nos termos do artigo 386, III e VII;

b) Se por não seja a absolvição o entendimento de Vossas Excelências, pelo princípio da eventualidade, que seja acolhida a tese de desclassificação para o delito de Desobediência, art. 330, caput, CP, fixando a pena no patamar mínimo;

c) Por fim, se porventura, Vossas Excelências entendam pela condenação no tipo penal do art. 309, CTB, diante da inexistência de agravantes e de causas de aumento, requer a fixação da pena no seu mínimo legal;

Termos em que pede e espera deferimento.

Local, data.

ADVOGADO

OAB XXX