Processo penal – defesa prévia – violação dos princípios da não autoincriminação e do devido processo legal – ausência de justa causa
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA x VARA CRIMINAL DA COMARCA DA CAPITAL – RJ
PROCESSO N.
xxx, vem, por intermédio de seus advogados legalmente constituídos, com procuração em anexo, à presença de Vossa Excelência, com fundamento nos artigos 396 e seguintes do CPP, apresentar a sua
DEFESA PRELIMINAR
para dizer que, “data vênia”, não concorda com os termos da denúncia, pelos motivos aduzidos a seguir:
I – DOS FATOS
Alega o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, em sua denúncia (fl.02), que, no dia 29 de outubro de 2006, por volta das 18h00, na Rua General Severiano, n. 40, Botafogo, nesta Cidade, nas lojas B/C, onde fica situada a xxx, o denunciado, de forma livre e consciente, subtraiu para si, mediante rompimento de obstáculo, a “caixinha de natal” dos funcionários da empresa, contendo a quantia aproximada de R$ 1.000,00 (mil reais).
Ao final, o Réu foi denunciado como incurso nas penas do art. 155, § 4º, inciso I, do Código penal.
Às fls. 25, foi prolatada a decisão de recebimento da denúncia e, na mesma oportunidade, foi determinada a citação do Réu para que respondesse a acusação no prazo de 10 dias.
O Réu só veio a ser citado no dia 16 de dezembro de 2015, data em que compareceu, de forma espontânea, ao cartório para que essa diligência fosse cumprida.
Conforme se passa a demonstrar, a acusação não deve ter seguimento, pois:
o processo é nulo de pleno direito, desde o interrogatório policial, já que o Réu prestou o seu depoimento como testemunha, sob o compromisso de dizer a verdade. Isso significa dizer que a sua confissão foi obtida de forma ilícita, até porque não fora advertido de que poderia permanecer calado, o que infringiu o princípio da não autoincriminação e o do devido processo legal;
não há justa causa para o exercício da ação penal, diante da manifesta ausência de suporte probatório mínimo para sustentar a denúncia;
na eventualidade de não ser acolhida nenhuma dessas preliminares, será necessário que ocorra, ao menos, a desclassificação de furto qualificado para furto simples, com a consequente intimação do Ministério Público para o oferecimento do benefício da “Suspensão Condicional do Processo”;
por fim, caso o processo transcorra até a prolação da sentença, o Réu deverá ser absolvido, por não haver nenhum elemento nos autos que o vincule ao suposto evento delituoso, a não ser a confissão prestada em sede policial, que fora obtida de forma ilegal, não podendo, portanto, ser valorada.
II – PRELIMINARMENTE
II.1 NULIDADE DO PROCESSO. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO E DEVIDO PROCESSO LEGAL
Pela leitura do documento de fls. 08, nota-se que O RÉU, NA FASE INQUISITORIAL, FOI OUVIDO NA QUALIDADE DE TESTEMUNHA e, nessa condição, prestou o compromisso legal de dizer a verdade.
Com isso, ADVERTIDO DAS PENAS DO FALSO TESTEMUNHO E SEM A PRESENÇA NECESSÁRIA DE DEFENSOR, asseverou que furtou “a caixinha de natal” dos funcionários do estabelecimento onde exercia a função de subgerente.
Daí é necessário tecer comentários a respeito do “direito ao silêncio”. No ordenamento jurídico pátrio, ele está previsto no art. 5º, LXIII, da Carta da Republica, sendo redigido da seguinte forma:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”.
O artigo 8º do Pacto de São José da Costa Rica (internalizado ao nosso ordenamento jurídico por meio do Decreto nº 678/1992) também assegura ao investigado e ao acusado, em todas as fases do processo, o direito de permanecer calado.
Da referida garantia fundamental, decorre a necessidade de as autoridades, seja policial ou judicial, advertirem o acusado ou investigado de seu direito de permanecer calado. Deve ainda ser ressaltado que o seu silêncio não importará em confissão, não podendo resultar em qualquer prejuízo a sua defesa, nos exatos termos do artigo 186, caput, do CPP.
No tocante ao tema em discussão, vale registrar os ensinamentos do professor Eugênio Pacelli de Oliveira [1]:
“Consequência lógica da aplicação do direito ao silêncio é a exigência que se impõe às autoridades, policiais e judiciais, da advertência ao réu de seu direito de permanecer em silêncio (art. 186, caput, CPP), sob pena de nulidade. Não fosse assim, na prática, o princípio jamais seria observado, como não o foi no famoso e paradigmático precedente da jurisprudência norte-americana, Miranda vs. Arizona, em 1966, no qual se anulou a confissão prestada pela réu, por ausência de informação de seus direitos constitucionais, entre os quais o de permanecer calado (…)
Mas que uma exigência ética de observância do Direito, a informação da existência do direito ao silêncio presta-se também a evitar a prática de métodos extorsivos da confissão, que vem ser a ratio essendi da norma.” (sem grifos no original)
Esse entendimento também é adotado pelo Ministro Gilmar Mendes, o que se observa pela leitura do trecho extraído de seu livro [2]:
“Não há dúvida, porém, de que a falta da advertência quanto ao direito ao silêncio, como já acentuou o Supremo Tribunal, torna ilícita prova que, contra si mesmo, forneça o indiciado ou acusado no interrogatório formal e, com mais razão, em conversa informal gravada, clandestinamente ou não.” (sem grifos no original)
Pois bem. Feita a análise do princípio da não auto incriminação, infere-se que o procedimento adotado na fase policial infringiu preceito consagrado na Constituição Federal, uma vez que o acusado não foi advertido de que poderia permanecer em silêncio; pelo contrário, teve de prestar o seu depoimento sob o compromisso de dizer a verdade.
No momento em que o inquirido, ora Réu, manifestou a intenção de supostamente confessar o crime, houve uma mudança na relação com a investigação, passando da condição de testemunha à condição de suspeito.
Para validade das declarações subsequentes, a autoridade policial deveria ter respeitado, a partir de então, as regras do interrogatório. Ou seja, deveria ter advertido formalmente o depoente do direito ao silêncio. Isso não aconteceu ou, ao menos, não foi registrado.
Resta inequívoco, portanto, que a confissão obtida na fase extrajudicial não observou as garantias previstas na ordem constitucional, o que resultou na violação dos princípios da não auto incriminação e devido processo legal.
Logo, por se tratar de prova ilícita, impõe-se a declaração de nulidade de todos os atos praticados no processo, desde a denúncia, até porque são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos, consoante o texto do artigo 5º, inciso LVI, da Lei Fundamental da Republica.
A ementa colacionada abaixo retrata a jurisprudência do STF. Trata-se de um julgado em que também fora arguida a nulidade do processo, por conta de a denúncia ter se baseado exclusivamente em uma confissão obtida sem o indiciado ter tido o direito de permanecer calado.
Recurso ordinário em habeas corpus. 2. Furto (art. 240 do CPM). Recebimento da denúncia. 3. Alegação de nulidade do processo por ofensa ao princípio do nemo tenetur se detegere em razão da confissão da autoria durante a inquirição como testemunha. 4. Denúncia recebida apenas com base em elementos obtidos na confissão. 5. Garantias da ampla defesa e do contraditório no curso da ação penal. 6. Recurso provido.
(STF – RHC: 122279 RJ, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 12/08/2014, Segunda Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014)
Por tudo o que foi dito, CHEGA-SE A CONCLUSÃO DE QUE É NULO DE PLENO DIREITO TODO O PROCESSO, DESDE O INTERROGATÓRIO POLICIAL.
II.2 REJEIÇÃO DA DENÚNCIA POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA
Na eventualidade de o digno julgador entender que a prova ilícita (a confissão obtida em desconformidade com os direitos fundamentais do acusado) não contaminou todo o processo, devendo somente ser desentranhada, ainda assim a acusação formulada não poderá ter seguimento.
Isso porque, AO SER DESENTRANHADA A CONFISSÃO DO ACUSADO, não restará nenhum elemento capaz de fundamentar a denúncia, ou seja, NÃO HAVERÁ JUSTA CAUSA PARA O EXERCÍCIO DA AÇÃO PENAL.
Nessa linha de raciocínio, convém elucidar que, na fase inquisitorial, NÃO FOI COLHIDO SEQUER O DEPOIMENTO DA SUPOSTA VÍTIMA. No inquérito policial, além da confissão, há somente a declaração do filho do proprietário do estabelecimento em que a “caixinha de natal” dos funcionários teria sido furtada –, que, de acordo com o documento de fls. 06/07, não apresentou nenhum elemento capaz de vincular o Réu ao fato delituoso que lhe é imputado no presente processo.
Aliás, Importante transcrever o texto do art. 395 do CPP:
Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:
I – for manifestamente inepta;
II – faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou
III – faltar justa causa para o exercício da ação penal.
Ao discorrer a respeito da decisão que recebe a denúncia, Paulo Rangel esclareceu que [3]: “(…) o juiz deve analisar se estão presentes os pressupostos processuais, bem como as condições para o regular o exercício da ação penal, inclusive a justa causa (suporte probatório mínimo que deve lastrear toda e qualquer acusação penal), pois, ausente qualquer um dos requisitos exigidos em lei (pressupostos processuais e/ou condições para o regular exercício da ação penal), a petição inicial deve ser indeferida como garantia do cidadão de não ser processado temerariamente; portanto, sem respeito ao devido processo legal.”
Realizado o desentranhamento da prova obtida por meio ilícito, ficará evidente a ausência de lastro probatório mínimo para sustentar a denúncia.
Sendo assim, em homenagem aos direitos consagrados na Constituição Federal, é imprescindível que o ilustre julgador reconsidere a decisão de fls.25, VINDO A REJEITAR A DENÚNCIA POR CONTA DA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA O EXERCÍCIO DA AÇÃO PENAL.
E nem se diga que ao Magistrado não é dada a possibilidade de reconsiderar a decisão que recebeu a denúncia, já que a jurisprudência vem admitindo a realização desse procedimento, desde que seja efetuado até o momento imediatamente posterior à apresentação da defesa prévia formulada pelo acusado, como se vê pelo teor da seguinte ementa:
PROCESSO PENAL. FALSO TESTEMUNHO. RECONSIDERAÇÃO DE DECISÃO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. INEXISTÊNCIA DE RESPOSTA PRELIMINAR DO RÉU. PRECLUSÃO. 1. Se é possível ao magistrado absolver sumariamente o acusado, também deve sê-lo rejeitar a denúncia, quando, até o momento imediatamente posterior à apresentação da resposta escrita à acusação, o magistrado se convencer de que a peça acusatória não preenche os requisitos de admissibilidade necessários à instauração da ação penal, até porque ele possui a incumbência legal de prover à regularidade do processo, nos termos do artigo 251, do Código de Processo Penal. Desta forma, nada obsta que seja aplicado o artigo 395 no momento processual oportuno para a verificação das hipóteses do artigo 397, ambos do Código de Processo Penal, evitando-se, com essa delimitação temporal, qualquer tumulto processual. 2. De acordo com a reforma processual, entendo cabível o reexame pelo próprio magistrado da decisão de recebimento da denúncia, desde que efetuado até o momento imediatamente posterior à apresentação da resposta à acusação formulada pelo acusado e amparado em hipótese de rejeição prevista nos incisos do artigo 395, do Código de Processo Penal. 3. O Enunciado nº 25 do 2º FORECRIM1 dispõe da seguinte forma: “O juiz poderá, após a resposta à acusação, retratar-se do recebimento da denúncia”. 4. No presente caso, por ocasião do recebimento da denúncia, o acusado nem chegou a ser citado para oferecer sua defesa escrita no prazo de 10 (dez) dias, razão pela qual não é possível aplicar este entendimento. 5. Ao receber a denúncia, o Juízo a quo apresenta sua análise sobre a admissibilidade da acusação, e, sem a apresentação da resposta escrita pelo réu, trazendo algum elemento novo capaz de modificar a convicção deste acerca da presença dos requisitos de admissibilidade para a instauração da ação penal, exaurido estava seu poder decisório a respeito das condições e da presença da justa causa para a ação penal, operando-se a preclusão. 6. A decisão de recebimento da denúncia somente pode ser revista se efetuada até o momento imediatamente posterior à apresentação da resposta à acusação formulada pelo acusado e se amparada em hipótese de rejeição prevista nos incisos do artigo 395, do Código de Processo Penal. 7. Não há qualquer dispositivo no ordenamento jurídico brasileiro que autorize a reconsideração da decisão de recebimento da denúncia a qualquer tempo, sendo defeso ao magistrado, então, criar novo recurso e reformar decisão proferida na mesma instância sem que haja previsão legal. Aceitar tal prática é afirmar que o magistrado pode conceder ordem de habeas corpus contra si mesmo para anular toda a instrução processual. 8. Recurso em sentido estrito provido.
(TRF-2 – RSE: 200850010112723, Relator: Desembargadora Federal LILIANE RORIZ, Data de Julgamento: 13/03/2012, SEGUNDA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: 24/03/2012)
II.3 DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CAPUT DO ART. 155 (FURTO SIMPLES). A QUALIFICADORA DE “ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO” DEVE SER AFASTADA, DIANTE DA AUSÊNCIA DE PERÍCIA TÉCNICA
Como dito anteriormente, o Réu foi denunciado como incurso nas penas do art. 155, § 4º, inciso I do Código penal, pois supostamente subtraiu, para si, mediante rompimento de obstáculo, a “caixinha de natal” dos funcionários da empresa.
Segundo o Ministério Público, o acusado forçou a porta do armário em que a citada “caixinha” estava guardada e, com essa conduta, teria rompido o cadeado, o que justificaria a inclusão da qualificadora de rompimento de obstáculo.
Daí compete aclarar que a incidência da qualificadora de rompimento de obstáculo só é admitida quando estiver embasada em um laudo pericial, afinal trata-se de uma infração penal que deixa vestígios. A propósito, os artigos 158 e 167 determinam, in verbis:
Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
Art. 167. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.
Nota-se que nem a confissão do acusado tem o condão de afastar a necessidade de perícia técnica para comprovar a ocorrência de uma infração penal que deixa vestígios.
Ao interpretar os dispositivos aludidos, o professor Rogério Greco deixou consignado que [4]: “Pelos textos acima transcritos, percebe-se a necessidade de realização do exame pericial quando a infração deixar vestígios, o que acontece quando estivermos diante, por exemplo, de um furto qualificado pela destruição ou rompimento de obstáculo.”
A esse respeito, leciona Eugênio Pacelli [5]: “Quando se tratar de crime praticado com rompimento de obstáculo ou destruição de coisas, ou por meio de escalada, a prova pericial será necessária até mesmo para a definição do tipo penal, que poderá ser qualificado (art. 155, § 4, CP).”
À conta de tais considerações, É EVIDENTE QUE DEVE OCORRER A DESCLASSIFICAÇÃO PARA O FURTO SIMPLES, devendo ser afastada a qualificada de rompimento de obstáculo, até porque NÃO FOI PRODUZIDA A PERÍCIA TÉCNICA PARA FUNDAMENTAR A SUA INCIDÊNCIA.
E nem se alegue que a prova testemunhal pode vir a suprir o exame pericial, visto que, NO PRESENTE CASO, NÃO HOUVE O DESAPARECIMENTO DOS VESTÍGIOS A JUSTIFICAR A APLICAÇÃO DO ARTIGO 167 DO CPP.
A jurisprudência deste Egrégio Tribunal também não admite a incidência da qualificadora de rompimento de obstáculo quando não há laudo pericial nos autos, de acordo com as ementas colacionadas abaixo:
EMENTA – PENAL – PROCESSO PENAL – FURTO QUALIFICADO – ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO – ESCALADA PROVA PERICIAL – INDISPENSABILIDADE JURISPRUDÊNCIA DO STJ – RECURSO PROVIDO – EXTINÇAO DA PUNIBILIDADE Apesar da ressalva do relator, o STJ pacificou o entendimento de que se faz indispensável a realização de perícia, a fim de se constatar a realização da escalada ou o rompimento de obstáculo. A substituição do laudo pericial por outros meios de prova apenas pode ocorrer se o delito não deixar vestígios, se estes tiverem desparecido ou, ainda, se as circunstâncias do crime não permitirem a confecção do laudo, circunstâncias não ocorridas no caso presente, tendo o juiz de piso destacado a desnecessidade da perícia quando admitida pelo acusado a forma qualificada. Violação ao artigo 158 do CPP. Recurso provido para desclassificar a imputação para o caput do artigo 155 do CP, aplicada a pena no mínimo legal e declarada extinta a punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva.
(TJ-RJ – APL: 00009740820068190039 RJ 0000974-08.2006.8.19.0039, Relator: DES. MARCUS HENRIQUE PINTO BASILIO, Data de Julgamento: 19/05/2015, PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 01/06/2015 16:05)
FURTO QUALIFICADO (ART. 155, § 4º, IV, C.P.). RECURSO MINISTERIAL PARA RECONHECIMENTO TAMBÉM DA QUALIFICADORA DO ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO. AUSÊNCIA DE PERÍCIA. RECURSOS DEFENSIVOS. CORRUPÇÃO DE MENORES (ART. 244-B, LEI 8.069/90) NÃO COMPROVADA. RÉUS MENORES DE VINTE E UM ANOS. PRESCRIÇÃO. O exame pericial quanto ao rompimento de obstáculo não veio aos autos por desídia da polícia, e não por desaparecimento dos vestígios. Impossibilidade de reconhecimento da qualificadora. Inteligência dos arts. 155, 158 e 167 do Código de Processo Penal. Não demonstrada a anterior inocência, mas sim se indiciando a pretérita corrupção do adolescente, inviável a condenação pelo delito do art. 244-B, Lei 8.069/90. Cuidando-se de réus menores de vinte e um anos à época dos fatos, o prazo da prescrição, que se regula pela pena imposta, conta-se pela metade. Passados mais de dois anos entre as datas do recebimento da denúncia e da publicação da sentença condenatória, verificou-se o lapso prescricional, pelo que se declara extinta a punibilidade.
(TJ-RJ – APL: 00047805020078190028 RJ 0004780-50.2007.8.19.0028, Relator: DES. SERGIO DE SOUZA VERANI, Data de Julgamento: 18/12/2013, QUINTA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 17/03/2014 17:07)
O Superior Tribunal de Justiça também vem decidindo nesse mesmo sentido, in verbis:
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FURTO. QUALIFICADORA DO ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO. IMPRESCINDIBILIDADE DE PERÍCIA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Mostra-se necessária a realização do exame técnico-científico para qualificação do crime ou mesmo para sua tipificação, pois o exame de corpo de delito direto é imprescindível nas infrações que deixam vestígios, podendo apenas ser suprido pela prova testemunhal quando não puderem ser mais colhidos. Logo, se era possível a realização da perícia, e esta não ocorreu de acordo com as normas pertinentes (art. 159 do CPP), a prova testemunhal e o exame indireto não suprem a sua ausência. 2. Diante da desídia estatal, não se mostra plausível a substituição do exame pericial por dados coletados nos depoimentos testemunhais, confissões ou fotos, não sendo este argumento idôneo para substituir a prova técnica. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ – AgRg no AREsp: 558432 DF 2014/0190777-9, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 07/10/2014, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/10/2014)
Realizada a desclassificação pleiteada, os autos judiciais devem ser remetidos ao Ministério Público, para que seja oferecida a “Suspensão Condicional do Processo”, pois o delito previsto no caput do art. 155 do CP é punido com pena mínima de um ano e, além disso, o Réu preenche os demais requisitos necessários para a fruição desse benefício.
III – DO MÉRITO
III.1 – DA ABSOLVIÇÃO
Inicialmente, é necessário elucidar que o responsável por noticiar a ocorrência do suposto fato delituoso discutido no presente feito foi o filho do proprietário da Padaria, em que teria ocorrido o furto da “caixinha de natal”.
Segundo ele, no dia 30 de dezembro de 2013, os funcionários chegaram no citado estabelecimento comercial por volta das 06h00, oportunidade em que teria sido constatado o furto da “caixinha de natal”.
Aliás, vale transcrever o seguinte trecho do seu depoimento: “(…) que após ser informado sobre o fato o declarante acessou o circuito interno de monitoramento (CFTV) das câmeras direcionadas para a entrada do banheiro onde fica localizado os armários dos funcionários e pode constatar que após a saída da funcionária Marinalva diversos funcionários entraram no local; que pode constatar ainda que dentre os funcionários que entraram no local após a saída da xxx, somente o funcionário xxx, cujo sobrenome não sabe relatar, sai do local com uma mochila grande, que os demais funcionários entram e saem somente com a roupa do corpo; que a caixinha de natal furtada do local ter cerca de 27 cm de largura por 15 cm de altura; que após a constatação do furto todos os funcionários abriram seus armários no local, mas não foi encontrado a caixinha furtada em qualquer dos armários; que se compromete juntar a este procedimento as imagens gravadas pelo circuito interno de monitoramento das câmeras direcionadas para a entrada do banheiro onde se encontrava o objeto furtado (…)” (sem grifos no original)
Ressalte-se que O DEPOIMENTO TRANSCRITO ACIMA É O ÚNICO ELEMENTO QUE SERVE DE FUNDAMENTO A DENÚNCIA, até porque o depoimento da eventual vítima – a Sra. Marinalva Marques da Silva – não foi colhido na fase extrajudicial.
E nem se diga que a peça acusatória está lastreada na confissão prestada pelo Réu, afinal, como visto, o termo de confissão deve ser desentranhado do processo, não devendo ser valorado pelo MM. Magistrado, sob pena de infringir a Carta da Republica, que veda a manutenção no processo das provas obtidas por meios ilícitos.
Pela leitura do aludido depoimento, observa-se que a suspeita do cometimento do suposto delito recaiu sobre o acusado porque o Sr. Xx alegou ter percebido, através do sistema interno de monitoramento da referida Padaria, que ele foi o único que saiu do estabelecimento comercial com uma “mochila grande”,
Melhor explicando: o Réu está sendo acusando de ter cometido um delito pelo simples fato de, no dia em que teria ocorrido o furto da “caixinha de natal”, ter saído com uma “mochila” do estabelecimento onde trabalhava, sendo que AS IMAGENS REFERIDAS PELO SR. Xxx NÃO FORAM JUNTADAS AO INQUÉRITO POLICIAL, ASSIM COMO NÃO FORAM ANEXADAS A DENÚNCIA.
Como a peça acusatória não foi instruída com tais imagens, não é lícito dizer que somente o Réu saiu do local dos fatos com algum instrumento capaz de evitar que a câmera de segurança visualizasse a “caixinha de natal”.
Por outro lado, ainda que o digno julgador venha a tomar conhecimento dessas imagens, não haverá elementos suficientes para embasar um decreto condenatório. Não é possível extrair nada de irregular da conduta daquele que sai do seu local de trabalho com uma “mochila grande”; esse comportamento, aliás, é empregado pela maioria dos funcionários de quaisquer empresas, não podendo, deste modo, servir de argumento para impor uma sanção criminal.
Outro ponto a destacar do referido depoimento diz respeito ao trecho em que o Sr. Xxx afirmou que todos os funcionários, no dia posterior ao suposto evento delituoso, tiveram os seus armários revistados, não sendo a “caixinha de natal” encontrada em nenhum deles.
Pois bem. Considerando que as câmeras direcionadas para a entrada do banheiro não detectaram nenhuma pessoa saindo do local dos fatos com a “caixinha de natal” em mãos; que as eventuais imagens não foram juntadas aos autos; que os armários de todos os funcionários foram revistados, mas nada foi encontrado; que não há testemunhas presenciais dos fatos; que a confissão prestada na fase policial não pode ser valorada, por ter sido obtida em desconformidade com as garantias e os direitos fundamentais; que a eventual vítima sequer foi ouvida na fase extrajudicial, indaga-se: O QUE LEVOU O MINISTÉRIO PÚBLICO A ACUSAR O SR. ALEXANDRE PELO FURTO DA “CAIXINHA DE NATAL”????
Ao analisar as razões expendidas na denúncia e os documentos juntados aos autos, não é possível notar nenhum elemento idôneo a vincular o Réu ao suposto evento delituoso, motivo pelo qual resta indiscutível que o Ministério Público se equivocou ao acusar o Sr. xxx, haja vista que não apresentou suporte probatório mínimo a embasar a peça acusatória.
O fato de o acusado ter saído do estabelecimento com uma “mochila grande” não configura sequer um indício firme ao ponto de ligá-lo ao evento delituoso. Por sinal, como sabido, em matéria penal, parcos indícios não podem alicerçar uma decisão condenatória, cuja sustentação deve pautar-se pela certeza advinda de elementos probatórios contundentes e seguros, ÔNUS DO QUAL NÃO SE DESINCUMBIU O MINISTÉRIO PÚBLICO.
Nunca é demais lembrar que, em virtude do princípio fundamental da presunção de inocência, o ônus da prova é integralmente do Ministério Público. Esse raciocínio também é adotado pelo sempre prestigiado Desembargador Paulo Rangel, segundo o qual [6]:
“(…) à luz do sistema acusatório, bem como do princípio da ampla defesa, inseridos no texto constitucional, não é o réu que tem que provar sua inocência, mas sim o Estado-administração (Ministério Público) que tem que provar a sua culpa.
A regra inserta na Carta Política (art. 5º, LVII) inverte, totalmente, o ônus da prova para o Ministério Público. Hoje, não é mais o réu que tem de provar o álibi alegado; é o Ministério Público que, ao provar o que narrou na denúncia, afasta consequentemente o alegado álibi.”
DAÍ SE INFERE QUE O RÉU DEVE SER ABSOLVIDO, NOS TERMOS DO ART. 386, IV, DO CPP, porquanto restou comprovado que a infração penal imputada pelo Ministério Público não fora praticada por ele. Agora, na eventualidade de o MM. Magistrado não entender dessa forma, a absolvição deve ser procedida, então, com fundamento no inciso V do art. 386 do citado diploma legal.
IV – DA CONCLUSÃO
Feitas essas considerações, requer:
que seja declarada a nulidade do processo, desde o interrogatório policial;
ou, não sendo esse o entendimento, que seja a reconsiderada a decisão de fls. 25, para que a denúncia seja rejeitada, com fundamento no art. 395, III, do CPP, haja vista a ausência de justa causa para o exercício da ação penal;
não sendo acolhida nenhuma dessas preliminares, que seja realizada a desclassificação de furto qualificado para furto simples, com a consequente intimação do Ministério Público para o oferecimento do benefício da “Suspensão Condicional do Processo”;
que o Réu seja absolvido, nos termos do art. 386, IV, DO CPP.
Protesta ainda pela oitiva da seguinte testemunha:
xxx
Nestes termos,
pede deferimento.
Rio de Janeiro, xxx.