Prisão preventiva: entre a necessidade e a excepcionalidade
Introdução
A prisão preventiva é uma medida cautelar de natureza pessoal que tem por objetivo garantir a efetividade do processo penal e a aplicação da lei penal. No entanto, por se tratar de uma grave restrição à liberdade individual antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, sua aplicação deve ser pautada pelos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade. Neste artigo, analisaremos as hipóteses de cabimento da prisão preventiva, sua duração e as alternativas cautelares previstas na legislação brasileira.
Hipóteses de cabimento da prisão preventiva
De acordo com o artigo 312 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva poderá ser decretada para garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria (fonte). Essas hipóteses visam resguardar os interesses da sociedade e a efetividade do processo penal, permitindo que a autoridade judiciária determine a prisão do acusado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, desde que presentes os requisitos legais e as circunstâncias que justifiquem a medida excepcional.
a) Garantia da ordem pública
A prisão preventiva para garantia da ordem pública visa evitar a reiteração delitiva e acautelar o meio social, diante da gravidade do crime e de sua repercussão. Busca-se, com essa medida, impedir que o acusado volte a cometer crimes enquanto responde ao processo, protegendo a sociedade de sua periculosidade. No entanto, a jurisprudência tem entendido que a prisão preventiva não pode ser fundamentada em meras conjecturas ou na gravidade abstrata do delito, sendo necessária a demonstração concreta da necessidade da medida (fonte).
b) Garantia da ordem econômica
A prisão preventiva para garantia da ordem econômica busca evitar que o acusado continue praticando delitos que afetem a estabilidade e o regular funcionamento da economia nacional, como crimes contra o sistema financeiro nacional ou a ordem tributária. Visa-se, com essa medida, impedir que o agente cause danos ao sistema econômico do país, protegendo os interesses da coletividade. Para tanto, é necessário demonstrar a existência de indícios concretos de que o acusado esteja utilizando sua liberdade para praticar novos delitos econômicos (fonte).
c) Conveniência da instrução criminal
A prisão preventiva por conveniência da instrução criminal visa assegurar a regularidade da instrução processual, evitando que o acusado comprometa a produção de provas, ameace testemunhas ou destrua evidências. Busca-se, com essa medida, garantir a correta apuração dos fatos e a justa aplicação da lei penal, impedindo que o réu interfira negativamente na colheita de elementos probatórios. É decretada, por exemplo, quando o agente, em liberdade, ameaça testemunhas ou a vítima para que não prestem depoimento ou quando há risco de que ele destrua documentos ou oculte objetos relevantes para a elucidação do caso (fonte).
d) Assegurar a aplicação da lei penal
A prisão preventiva para assegurar a aplicação da lei penal objetiva garantir a efetividade da sentença condenatória, impedindo a fuga do acusado e assegurando a execução da pena. Visa-se, com essa medida, evitar que o réu se furte à ação da justiça, impossibilitando o cumprimento da sanção penal que lhe for imposta. É cabível quando há elementos concretos que indiquem a intenção do acusado de fugir do distrito da culpa, como a compra de passagens aéreas só de ida para o exterior ou a movimentação de recursos financeiros para conta no estrangeiro (fonte).
Duração da prisão preventiva
A prisão preventiva não possui prazo máximo de duração definido em lei, devendo ser mantida enquanto persistirem os motivos que justificaram sua decretação. Trata-se de medida excepcional, que não pode se prolongar indefinidamente, sob pena de configurar constrangimento ilegal. A jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido que a prisão preventiva deve ser revogada caso não mais subsistam as razões que a motivaram, bem como quando a demora no julgamento do processo se tornar excessiva e desproporcional. Cabe ao juiz, portanto, reavaliar periodicamente a necessidade da manutenção da medida, verificando se ainda estão presentes os requisitos que embasaram sua decretação (fonte).
Alternativas cautelares à prisão preventiva
Com o advento da Lei nº 12.403/2011, foram introduzidas no Código de Processo Penal medidas cautelares alternativas à prisão preventiva, visando à adequação da medida às circunstâncias do caso concreto e à redução do encarceramento provisório. São elas (fonte):
a) Comparecimento periódico em juízo
b) Proibição de acesso ou frequência a determinados lugares
c) Proibição de manter contato com pessoa determinada
d) Proibição de ausentar-se da comarca
e) Recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga
f) Suspensão do exercício de função pública ou de atividade econômica ou financeira
g) Internação provisória do acusado inimputável ou semi-imputável
h) Fiança
i) Monitoração eletrônica
Essas medidas cautelares devem ser aplicadas de forma preferencial à prisão preventiva, sempre que se mostrarem suficientes para atingir os objetivos da tutela cautelar (fonte).
Conclusão
A prisão preventiva é uma medida cautelar extrema que deve ser aplicada com cautela e em observância aos princípios constitucionais e processuais penais. Sua decretação deve ser fundamentada em elementos concretos que justifiquem a necessidade da medida, não podendo se basear em meras conjecturas ou na gravidade abstrata do delito. Além disso, a prisão preventiva não pode se prolongar indefinidamente, devendo ser reavaliada periodicamente à luz das circunstâncias do caso concreto. As medidas cautelares alternativas introduzidas pela Lei nº 12.403/2011 são instrumentos valiosos para a adequação da resposta penal, permitindo a tutela dos fins processuais sem o recurso automático à prisão preventiva.
No entanto, é necessário reconhecer que a aplicação da prisão preventiva no Brasil ainda enfrenta desafios significativos. A superlotação carcerária, as condições precárias dos estabelecimentos prisionais e a morosidade processual são fatores que agravam os impactos negativos da prisão preventiva, violando direitos fundamentais e comprometendo a efetividade da justiça criminal.
Nesse contexto, é fundamental o desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a melhoria do sistema de justiça criminal, com investimentos na estrutura judiciária, na capacitação dos profissionais e na ampliação das alternativas penais. A prisão preventiva deve ser reservada para os casos de extrema necessidade, em que as medidas cautelares alternativas se mostrem insuficientes para a proteção da ordem pública, da instrução criminal ou da aplicação da lei penal.
Além disso, é necessário o fortalecimento das garantias processuais dos investigados e acusados, assegurando o direito à ampla defesa, ao contraditório e à presunção de inocência. A prisão preventiva não pode ser utilizada como antecipação da pena ou como instrumento de pressão para a obtenção de confissões ou delações premiadas.
Por fim, é essencial a conscientização da sociedade sobre a importância do uso racional e proporcional da prisão preventiva, evitando a banalização dessa medida extrema e reconhecendo os seus impactos na vida dos indivíduos e na legitimidade do sistema de justiça criminal. Somente com a mobilização social e o compromisso das instituições será possível construir um modelo de justiça mais humano, eficiente e garantista, em que a prisão preventiva seja aplicada de forma criteriosa e em observância aos direitos fundamentais.
A reforma da prisão preventiva no Brasil é um desafio complexo, mas necessário para a construção de um Estado Democrático de Direito mais justo e equilibrado. A superação da cultura do encarceramento e a valorização das alternativas penais são passos essenciais nessa jornada, exigindo o engajamento de todos os atores do sistema de justiça criminal e da sociedade civil. Somente assim será possível garantir que a prisão preventiva seja utilizada como medida excepcional, proporcional e adequada às necessidades do processo penal, respeitando a dignidade humana e os princípios fundamentais do Direito.