EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA XXX, COMARCA DE XXXX, ESTADO DE XXX.
AUTOS Nº (…)
RÉU:………………..
VÍTIMA: …………….
……………………………………….., qualificado nos autos, por intermédio de seu procurador, mandato anexado, vem, tempestivamente, à presença de Vossa Excelência, nos termos do artigo 403, § 3º, do Código de Processo Penal, apresentar suas
ALEGAÇÕES FINAIS
Por força dos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
I. BREVE SÍNTESE PROCESSUAL
O Réu foi denunciado pelo Ministério Público como incurso no tipo penal do art. 129, § 9º do CP.
Conforme consta na denúncia, no dia XXX, por volta de 18h00, na Rua XXX, nesta cidade e Comarca, FULANO DE TAL supostamente teria ofendido a integridade corporal de sua ex-companheira, causando-lhe lesões corporais de natureza leve em sua mão, devido a um soco deferido.
O fato não foi objeto de prisão em flagrante. Réu e vítima prestaram declarações em sede policial.
Realizada AIJ, foram ouvidas testemunhas, tomada a declaração da vítima, bem como realizado o interrogatório do réu.
O réu foi claro no sentido de que realmente se dirigiu até a residência da vítima para levar o menor, nos termos do acordo firmado entre ambos.
Disse também que a vítima se recusou, sem justo motivo, a cumprir o acordo judicial de visitas, e passou a proferir contra o réu palavras injuriosas, e que estavam separados há 8 (oito) meses, ambos, inclusive, em relacionamento afetivo com terceiros.
Esclareceu que conviveu em união estável com a vítima por 3 (três) anos, e não é devedor de pensão alimentícia, tendo em vista que vítima tem residência própria, bem como emprego fixo na cidade.
Por fim, negou que teve a intenção de agredir a vítima.
Em síntese, são os fatos.
II. DA LEI Nº 11.340/06 – REQUISITOS – DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO – INEXISTÊNCIA
A Lei de Violência Doméstica, além de envolver questão de gênero e presença de vulnerabilidade da mulher, exige a incidência de relação íntima de afeto. Ademais, a violência de gênero decorre de uma relação de poder de dominação do homem e de submissão da mulher.
De acordo com o disposto no art. 5º da citada Lei:
Art. 5.º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Excelência, a suposta “violência” empregada no evento não seria baseada no gênero, afastando, portanto, a aplicação das regras da Lei Maria da Penha.
Da análise do feito, observa-se que teve início uma discussão entre as partes, pois havia um acordo judicial pertinente à guarda e visitas do menor XXX.
De fato, a própria vítima, quando perguntada pela defesa, confirmou que o XXX, dia da suposta agressão, era realmente de sua responsabilidade ficar com o menor sob seus cuidados. E não esclareceu o motivo que desencadeou a discussão.
Observando atentamente os elementos probatórios encadernados nos autos, não restou configurada a intenção por parte do réu de depreciar, subordinar, ofender a vítima em razão do sexo feminino.
Por outro lado, a vítima não mantinha relação de dependência (vez que se mantinha com o fruto do seu trabalho), sequer vulnerabilidade quanto à pessoa do réu, isso porque já estavam separados, cada um em sua própria residência, apartadas portanto. Aliás, os envolvidos já estavam se relacionando afetivamente com terceiros, conforme se extrai de todo arcabouço probatório juntado aos autos.
Nesse passo, não se encontram presentes evidências de que o gênero feminino foi circunstância determinante à prática delitiva, já que em momento algum aportaram aos autos elementos/motivos que se relacionam propriamente à particular condição de mulher da suposta vítima.
A) DA LEI DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E SUA INCIDÊNCIA – DO ENTENDIMENTO DA JURISPRUDÊNCIA.
O STJ tem entendimento firmado no sentido de que o simples fato de a vítima ser mulher não demanda a proteção prevista na Lei Maria da Penha, tendo em vita que a jurisprudência da Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que:
“para a aplicação da Lei 11.340/2006, não é suficiente que a violência seja praticada contra a mulher e numa relação familiar, doméstica ou de afetividade, mas também há necessidade de demonstração da sua situação de vulnerabilidade ou hipossuficiência, numa perspectiva de gênero”. (AgRg no REsp., 1.430.724/RJ, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 17/3/2015, DJe 24/3/2015).
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AMEAÇA. AGRESSOR IRMÃO DA VÍTIMA. LEI 11.340/2006. NÃO INCIDÊNCIA. COMPETÊNCIA DA VARA CRIMINAL COMUM. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.
- No que se refere à incidência da Lei Maria da Penha “a jurisprudência da Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que, para a aplicação da Lei 11.340/2006, não é suficiente que a violência seja praticada contra a mulher e numa relação familiar, doméstica ou de afetividade, mas também há necessidade de demonstração da sua situação de vulnerabilidade ou hipossuficiência, numa perspectiva de gênero.” (AgRg no REsp., 1.430.724/RJ, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 17/3/2015, DJe 24/3/2015).
- No caso dos autos, observa-se que, embora o crime esteja sendo praticado no âmbito das relações domésticas e familiares, verifica-se que, em momento algum, restou demonstrado que teria sido motivado por questões de gênero, ou mesmo que a vítima estaria em situação de vulnerabilidade por ser do sexo feminino. Com base em tal premissa, o Tribunal de origem concluiu não haver violência que atraísse a incidência da Lei Maria da Penha, assim justificando o declínio da competência para Juizado Especial Comum. 3. Agravo regimental não provido. STJ. AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.700.032 – GO (2020/XXXXX-0). RELATOR: MINISTRO RIBEIRO DANTAS.
Nesse mesmo sentido, já se pronunciou o Egrégio TJMG.
EMENTA: CONFLITO DE JURISDIÇÃO – JUSTIÇA COMUM E JUIZADO ESPECIAL – SUPOSTOS DELITOS COMETIDOS NÃO EM RAZÃO DE GÊNERO OU PARTICULAR CONDIÇÃO DE VULNERABILIDADE EM ÂMBITO FAMILIAR – INAPLICABILIDADE DA LEI N.º 11.340/06 – COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL. A Lei Maria da Penha tem por objetivo coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher baseada no gênero, de modo que, se os delitos supostamente praticados não se deram em razão de gênero ou da condição de vulnerabilidade da mulher, não há que se falar em incidência da Lei n.º 11.340/06, e, por conseguinte, em competência do juízo especializado no combate à violência doméstica e familiar, competindo ao Juizado Especial, portanto, processar e julgar o feito, nos termos do artigo 61 da Lei n.º 9.099/95. (TJMG – Conflito de Jurisdição XXXXX-0/000, Rel.: Des.(a) Paulo Cézar Dias, j.: 28/11/2017)
EMENTA: CONFLITO DE JURISDIÇÃO – JUSTIÇA COMUM E JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL – CONTRAVENÇÃO PENAL DE VIAS DE FATO PRATICADA ENTRE IRMÃS – SITUAÇÃO NÃO ALCANÇADA PELA LEI MARIA DA PENHA – VIOLÊNCIA NÃO BASEADA NO GÊNERO – COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL. – Não é qualquer espécie de crime praticado contra mulher que é alcançado pela Lei Maria da Penha, mas apenas aqueles perpetrados no âmbito doméstico e familiar e em razão da condição feminina da vítima. Vv. A ratio legis da Lei 11.340/06 é, justamente, o combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, prescindindo de qualquer característica especial do sujeito ativo, não se limitando aos conflitos ocorridos no âmbito das relações conjugais. TJMG. Processo: Conflito de Jurisdição XXXXX-7/000 – XXXXX-90.2015.8.13.0000. Relator (a) Des.(a) Beatriz Pinheiro Caires. Órgão Julgador: 2ª CÂMARA CRIMINAL
Ademais, a conduta do réu, no calor da emoção, irrefutavelmente, com ânimos exaltados, não revela violência dirigida à particular condição de mulher da suposta vítima.
Em sede de interrogatório, o réu relatou, que
(…) “A VÍTIMA, EXALTADA E PROFERINDO PALAVRÕES, TENTOU ABRIR O CARRO. E EU PARA NÃO ARRANCAR… PASSAR NO PÉ… ALGUMA COISA, FUI BATER A MÃO NO PINO, ‘AONDE’ ELA PÔS A MÃO NA FRENTE”.
Excelência, a suposta vítima confirmou que havia iniciado um discussão com o réu e que realmente tentou abrir a porta do carro.
O ato de fechar o pino/trava foi para apenas (e tão somente) evitar o gravame da situação. Tanto é que logo após o travamento da porta, o réu seguiu para sua casa, e não se tem notícias que ele proferiu insultos, muito menos tenha direcionado conduta física para lesar a suposta vítima. Caso contrário, em sede de AIJ, a vítima teria assim relatado.
III. DAS CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES – DA INFLUÊNCIA DE VIOLENTA EMOÇÃO.
Subsidiariamente, acaso Vossa Excelência entenda pela condenação do réu, requer seja conhecida e aplicada a circunstância atenuante do art. 65, III, c, do CP, qual seja, a influência de violenta emoção.
Justifica-se o reconhecimento tendo em vista que a vítima, recusando-se a cumprir o acordo firmado, conforme narrou a DENÚNCIA, “iniciou uma discussão com o acusado”, bem como pelo fato de que proferiu ofensas contra o réu, conforme este narrou em seu interrogatório.
IV. DO DISTINGUISHING
Ad argumentandum, requer seja feito a distinção dos casos, ou a superação deste entendimento, conforme artigo 315, § 2º, VI, do CPP, sob pena de nulidade da presente decisão e caracterização da prisão ilegal. Dessa forma, a parte suplicante colaciona aos MEMORIAIS, os seguintes julgados: STJ. AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.700.032/GO; TJMG – Conflito de Jurisdição XXXXX-0/000; TJMG. Processo: Conflito de Jurisdição XXXXX-7/000
V. CONCLUSÃO
Em razão de todo o exposto, requer:
a) uma vez reconhecida a inexistência da violência baseada no gênero, de relação íntima de afeto e de vulnerabilidade em relação à vítima, seja declinada a competência, encaminhando aos autos para o JESP criminal, com a aplicação dos institutos despenalizadores;
Subsidiariamente, acaso Vossa Excelência entenda pela condenação, nos termos da Lei de Violência Doméstica, requer:
b) fixação da pena no mínimo legal;
c) o reconhecimento da atenuante do art. 65, III, c, do CP;
d) seja fixado o regime aberto para o cumprimento inicial de pena, e a consequente suspensão da execução, nos termos do art., 33, § 1º, c c/c art. 77, ambos do Código Penal.
e) Por fim, requer seja feita a distinção do caso em análise com os precedentes invocados, conforme artigo 315, § 2º, VI, CPP, sob pena de nulidade da futura decisão.
Respeitosamente. Pede deferimento.
Cidade, data.