EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) DOUTOR (A) JUÍZ (A) DE DIREITO DA VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER, COMARCA DE XXXXXXX, ESTADO DE XXXXXXXXX.
Autos nº 0000000000000000000
ACUSADO, já qualificado nos autos da ação penal em epígrafe, vem, por seu advogado infra-assinado, com escritório na xxxx, nº 0000, conj. 00, Bairro xxxxx, município de xxxxxxx, com fundamento no art. 396 e 396-A, do Código de Processo Penal, apresentar
RESPOSTA À ACUSAÇÃO
às alegações formuladas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DE SÃO PAULO, pelos fatos e fundamentos de direito expostos adiante:
I. DOS FATOS
A vítima afirma que conviveu com o Acusado em união estável por XXXX anos e do relacionamento tiveram XXXX filhos. Alegou que em XXXX na ENDEREÇO, teria sido ameaçada por seu convivente em meio a uma discussão, onde ele teria [descrever situação]
Com base em tais fatos, o Ministério Público ofereceu denúncia com enquadramento no artigo 147, c/c artigo 61, II, f, todos do Código Penal.
Acontece, Excelência, que as ditas alegações não foram confirmadas de fato nem sequer seu caráter gravoso foi demonstrado, limitando-se …
Outrossim, tais relatos se deram em sede de inquérito, que como se sabe, é procedimento inquisitivo e permite flexibilização do contraditório, não podendo serem tomados como incontestes os fatos ali relatados.
Assim, por considerar não estarem presentes os requisitos para eventual persecução criminal, vem a este Juízo requerer e fundamentar conforme o que segue.
II. PRELIMINARMENTE: DA FALTA DE JUSTA CAUSA PENAL E INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA
No caso dos autos, inexiste materialidade suficiente a sufragar eventual ação penal, na medida em que as provas – se é que assim podem se chamar – coligidas aos autos são oriundas dos testemunhos em inquérito policial, o que, como se sabe, não podem fundamentar eventual sentença condenatória.
Não obstante, dos depoimentos coligidos ao procedimento inquisitório não há como se verificar de forma verdadeira e fidedigna a suposta ameaça, o que por si só obsta a deflagração da denúncia criminal.
O depoimento da testemunha, Sr. XXXX, disposto na Fl. 00, limita-se a informar que XXXX nenhum momento há menção específica à ameaça ocorrida.
Excelência, conforme podemos observar, a denúncia tem sua base formada apenas pelo depoimento da vítima, que de fato, foi a única pessoa que presenciou o acontecimento, além do mais, a palavra do ofendido não deve ser tomada como verdade absoluta, mas sempre com muita cautela, conforme lições da doutrina:
Contudo, ao nosso sentir, a palavra do ofendido deve sempre ser tomada com reserva, diante da paixão e da emoção, pois o sentimento de que está embuído, a justa indignação e a dor da ofensa não o deixam livre para determinar-se com serenidade e frieza (cf. H. Tornaghi, Curso, p. 392)” (*) in, JURISPRUDÊNCIA CRIMINAL: PRÁTICA FORENSE: ACÓRDÃOS E VOTOS, Rio de Janeiro, 1999, Lumen Juris, página 20.
Assim sendo, por não existirem requisitos mínimos para a denúncia, requer seja a denúncia rejeitada, conforme art. 395, III, do CPP.
Aliás, no presente caso existem dúvidas latentes sobre a real existência de infração penal de ameaça, porquanto sequer houve dolo, bem como que a insuficiência de provas induz necessariamente que se proceda à absolvição do Acusado, nos termos do art. 386, VI e VII, do CPP.
Nesse sentido, restou demonstrada a fragilidade das alegações feitas pela suposta vítima a respeito do crime imputado ao denunciado, restando dúvida sobre tal ocorrência, o que enseja sua absolvição. Vejamos o entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
APELAÇÃO CRIMINAL – CRIME DE AMEAÇA – INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO ‘IN DUBIO PRO REO’ – ABSOLVIÇÃO. – Diante da fragilidade da prova produzida em desfavor do acusado, impõe-se a sua absolvição, em atendimento ao princípio do ‘in dubio pro reo’.(TJ-MG – APR: 10558120018186001 MG, Relator: Beatriz Pinheiro Caires, Data de Julgamento: 05/06/2014, Câmaras Criminais / 2ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 18/06/2014) (Grifo Nosso)
Portanto, havendo dúvida quanto a prática da infração penal, a decisão mais correta é a absolvição do réu, conforme manda o artigo 386, inciso VI do Código de Processo Penal; “o juiz absolverá o réu se houver fundada dúvida sobre sua existência. ”
III. DA ATIPICIDADE POR FALTA DE DOLO ESPECÍFICO E AUSÊNCIA DE TEMOR
Como se sabe, o crime de ameaça, do art. 147, do CP, consiste em ameaçar alguém de causar-lhe mal injusto e grave, exigindo-se, como adequação ao tipo legal – tipicidade – o efetivo dolo do acusado e a possibilidade de a vítima sentir-se efetivamente amedrontada.
O indiciado agiu sentimentalmente sem qualquer intenção de incutir na vítima temor capaz de tipificá-lo no dispositivo penal em comento, ou seja, não houve seriedade na ameaça capaz de produzir intimidação relevante para o Direito Penal.
Veja que, para caracterizar o crime de ameaça, esta deve ser real, idônea e séria, senão vejamos:
O crime de ameaça consiste na promessa feito pelo sujeito ativo de um mal injusto e grave feita a alguém, violando sua liberdade psíquica. O mal ameaçado deve ser injusto e grave.
(…)
A ameaça para constituir o crime tem que ser idônea, séria e concreta, capaz de efetivamente impingir medo à vítima.
(BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, parte especial 2: dos crimes contra a pessoa. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 421.)
Igualmente, destaca Guilherme de Souza Nucci:
Inexiste ameaça quando o mal anunciado é improvável, isto é, liga-se a crendices, sortilégios e fatos impossíveis. Por outro lado, é indispensável que o ofendido efetivamente se sinta ameaçado, acreditando que algo de mal lhe pode acontecer; por pior que seja a intimidação, se ela não for levada a sério pelo destinatário, de modo a abalar-lhe a tranquilidade de espírito e a sensação de segurança e liberdade, não se pode ter por configurada a infração penal. Afinal, o bem jurídico protegido não foi abalado. O fato de o crime ser formal, necessitando somente de a ameaça ser proferida, chegando ao conhecimento da vítima para se concretizar, não afasta a imprescindibilidade do destinatário sentir-se, realmente, temeroso. (NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 692.)
Esclarece ainda Cleber Masson, em seu livro Código Penal Comentado, 4ª edição, senão vejamos:
[…] é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de intimidar alguém. É imprescindível tenha sido a ameaça efetuada em tom de seriedade, ainda que não possua o agente a real intenção de realizar o mal prometido. […]”. (MASSON, 2016, p. 711)
Na realidade, o Acusado proferiu, em meio à discussão acalorada, declarações acerca da sua companheira pois estava em situação de descontrole e estado anímico alterado em consequência da embriaguez e do estresse da discussão, sem cunho ofensivo e sem intenção de assim agir. De mais a mais, não se pode tomar como temerosa a ameaça advinda de sujeito que, dada a compleição física e a presença de suas incapacidades, não pode incutir medo na vítima. Para justificar a condenação pelo crime previsto no artigo 147 do Código Penal, é necessário que a ameaça seja idônea, sem qualquer animosidade entre a vítima e o acusado, vejamos:
APELAÇÃO. AMEAÇA. DÚVIDA QUANTO AO ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. ABSOLVIÇÃO. Ameaça consiste no dito:” a vida é uma só e é fácil de se tirar “, desprovida de seriedade e em contexto conturbado, com animosidade e altercações, não enseja um substrato probatório sério a dar suporte a um juízo de condenação. Precedentes do STF. RECURSO PROVIDO. (Apelação Crime Nº 70050576313, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em 22/11/2012) (GRIFO NOSSO)
Excelência, no momento em que a suposta vítima diz ter sido ameaçada, já havia uma discussão prévia, a suposta vítima admite que se tratava de uma discussão, contudo omite os atos ofensivos de sua parte durante a discussão.
Complementarmente, não há sequer lógica para a utilização, na peça acusatória, do art. 61, II, f, do Código Penal, visto que o Acusado não agiu de forma a causar violência em nenhuma das formas previstas no dispositivo legal. Inexiste violência doméstica e também não existe sequer violência psicológica, pois conforme apurado no depoimento da filha do casal, ela afirma ter presenciado discussões e não ofensas psicológicas habituais do acusado em face da ofendida, mas sim uma discussão acalorada de um casal, que, conforme dito por ela, tem discussões habituais.
Doutro modo, cabe relembrar que o estado de embriaguez voluntária não isenta o agente da pena respectiva. Não há maiores divagações acerca de tal conclusão.
Todavia, em que pese o fato de o estado etílico do Acusado não o isentar de pena, é certo que a falta da completa lucidez importa em ausência do elemento subjetivo do tipo, qual seja, o dolo específico de incutir temor por meio de ameaça.
Ausente nos autos prova do dolo específico do réu, não há como se impor decisão condenatória. Impositiva a absolvição, em virtude da observância do princípio do in dubio pro reo.
Logo, o “onus probandi”, no tocante a imputação feita ao acusado, cabe a quem alega, o que jamais restará evidenciado nos autos.
Portanto, Excelência, não se pode imputar os crimes ora mencionados quando inexistente o dolo, seja ele direto ou indireto, na medida em que a suposta “ameaça” deu-se em condições em que é latente o desinteresse de causar qualquer dano real à vítima, sendo impositiva a absolvição sumária com base no art. 386, III, do CPP, por atipicidade do fato.
IV. DO DIREITO À SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITO OU MULTA
Em restando desabrigadas as teses oras esposadas, requer o Acusado, desde já, a Substituição da Pena Privativa de Liberdade porventura aplicada por uma ou mais penas restritivas de direito ou multa, já que preenche todos os requisitos exigidos pelo artigo 44 e seguintes do Código Penal Brasileiro.
É forçoso reconhecer, como dito, que o ora Acusado atende a todos os citados requisitos exigidos, e ainda que assim não o fosse, o § 3º, do art. 44, institui permissivo para que o juiz aplique a referida substituição.
Nesse passo, não restam dúvidas de que o acusado, acaso condenado a pena privativa de liberdade, preenche os requisitos dispostos no artigo 44 e incisos do Código Penal Brasileiro, tendo direito subjetivo à Substituição da Pena Corporal porventura aplicada por uma ou mais Penas Restritivas de Direito.
V. DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO
Apenas para fins de argumentação, caso ao final o Acusado seja condenado à pena referente aos crimes ora imputados, requer seja aplicada a suspensão condicional do processo, por estarem presentes todos os requisitos para tanto previstos no art. 696 e seguintes do CPP.
VI. DAS MEDIDAS DESPENALIZADORAS DA LEI 9.099/95
O artigo 76, da Lei 9099/95, prevê a possibilidade de oferecimento, por parte do MP, da imediata aplicação de pena restritiva de direitos ou multas, nos seguintes moldes:
Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.
§ 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos.
Assim sendo, requer desde já a aplicação de penas restritivas de direitos ou multa, sem qualquer efeito para fins de reincidência.
VII. PEDIDOS
Ante o exposto, requer:
a) A rejeição tardia da denúncia, por faltar justa causa para o exercício da ação penal, conforme manda o artigo 395, inciso III do Código de Processo Penal.
b) Não sendo caso de rejeição tardia da denúncia, requer a absolvição sumária, nos termos do art. 397, III do CPP, visto que o crime imputado padece de dolo, portanto não constituindo crime;
c) A absolvição, nos termos do art. 386, III e VII, por ausência de tipicidade e por falta de provas suficientes;
d) Não sendo o caso, requer a produção de provas por todos os meios admitidos em direito e, posteriormente, seja proferida sentença absolutória consoante aos artigos 386, III, VI e VII, do CPP. A absolvição é medida que se impõe conforme previsão do artigo 386, inciso VI, do CPP, aplicando assim o princípio do “in dubio pro reo”.
e) Subsidiariamente, a aplicação de penas restritivas de direito ou multa, das medidas despenalizadoras da lei 9.099/95 e, não sendo o caso, seja aplicada a suspensão condicional do processo.
f) Caso haja a condenação, seja imposto o regime aberto para cumprimento da pena.
g) Da gratuidade da justiça – o cidadão acusado requer a concessão da justiça gratuita, por ser pessoa pobre no sentido jurídico do vocábulo, por utilizar a assistência judiciária para patrocínio da presenta ação, por não possuir condições de demandar em juízo sem sacrifício do sustento próprio e de seus familiares, assegurado pela Constituição Federal, artigo 5º, inciso LXXIV, Art. 1º, § 2º da Lei n. 5478/68, bem como Art. 99 da Lei 13.105/2015.
Nestes termos, pede deferimento.
LOCAL, DATA.
NOME
OAB nº