EXMO. SR. DR. JUIZ FEDERAL DA 3ª VARA FEDERAL CRIMINAL DE CURITIBA – SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARANÁ
(Distribuição por Dependência ao Processo nº: 0000.00.016786-4)
FULANO DE TAL, nos autos da Ação Penal Pública que lhe move o Ministério Público Federal, vem, diante do despacho de fls. 14, através da Defensoria Pública da União, por seu agente adiante subscrito, apresentar a presente
EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA
com fulcro no art. 38, § 2º, da Lei 10.409/2002, pelos fundamentos de fato e de direito que passa a expor:
I – Da Tempestividade
Inicialmente, cumpre esclarecer que, em sendo o acusado assistido pela Defensoria Pública da União todos os prazos processuais contam-se em dobro, conforme prerrogativa prevista nos arts. 44, inciso I, da Lei Complementar nº 80/94 e art. 5º, § 5º da Lei 1.060/50.
Assim sendo, como o acusado foi citado para apresentar resposta no prazo de 10 (dez) dias no dia 30/05/2003, conforme certidão constante de fl. 30v., não há que se cogitar da intempestividade da presente, uma vez que o prazo em dobro de 20 (vinte) dias só venceria no dia 23 de junho do presente. Isso se procedendo à contagem do prazo para resposta da citação, apesar de o art. 38, caput, prever expressamente que a contagem nesse caso dá-se da juntada do mandado aos autos.
II – Da Incompetência da Justiça Federal – Descaracterização da Internacionalidade do Tráfico
A competência da Justiça Federal está elencada no art. 109 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Na literalidade do dispositivo não há previsão expressa da competência para processar e julgar o crime de tráfico internacional de substâncias entorpecentes.
A competência da Justiça Federal para processar e julgar o crime de tráfico internacional de substâncias entorpecentes, no presente caso, decorreria da previsão do mesmo em tratados ou convenções internacionais (art. 109, inciso V, CRFB/88), tais como a Convenção Única Sobre Entorpecentes de 1961 (promulgada pelo Decreto nº 54.216/64 e com emendas promulgadas pelo Decreto nº 76.248/75), Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971 (promulgada pelo Decreto nº 79.388/77), Acordo Sul-americano de Entorpecentes e Psicotrópicos de 1973 (promulgada pelo Decreto nº 79.455/77) e a Convenção Contra Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas de 1988 (promulgada pelo Decreto nº 154/91).
“Art. 109 – Aos juízes federais compete processar e julgar:
(…)
V – os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;”
Sobre o tema o Supremo Tribunal Federal formulou o enunciado de nº 522 de sua Súmula de jurisprudência dominante, com o seguinte teor:
“Súmula 522 do STF – Salvo ocorrência de tráfico com o exterior, quando, então, a competência será da Justiça Federal, compete à Justiça dos Estados o processo e julgamento dos crimes relativos a entorpecentes.”
A doutrina e a jurisprudência observam que, para a caracterização da internacionalidade do tráfico ilícito de substâncias entorpecentes, com a finalidade de fixar a competência da Justiça Federal, é necessário que haja prova de cooperação internacional entre os agentes do crime ou que a atuação do agente extravase o território nacional, bem como que haja finalidade de lucro, como se extrai das lições e ementas que se seguem (grifos não originais):
“Convém lembrar, também, a divergência anteriormente existente sobre a competência jurisdicional para o processo e julgamento dos delitos de tráfico de entorpecentes, porquanto para alguns doutrinadores haveria sempre a atribuição da Justiça Federal.
A polêmica surgiu em face do art. 10, III, da Lei nº 5.010, de 1966, que organizou a Justiça Federal e o art. 119, V, da Constituição Federal de 1967, os quais atribuíam aos juízes federais a competência para o processo e julgamento dos crimes previstos em tratado ou convenção internacional. A Constituição de 1969 repetiu a disposição no art. 125, V.
Após divergências doutrinárias e jusrisprudenciais, firmou o STF orientação unânime no sentido da competência da Justiça Estadual, no Conflito de Jurisdição nº 4.067, da Guanabara, publicado na revista Justitia, nº 60:
‘Comércio clandestino ou facilitação de uso de entorpecentes. Competência da Justiça Estadual para conhecer e julgar. Conflito de Jurisdição. Entorpecente. Maconha. A ação delituosa restrita ao âmbito nacional deve ser julgada pela Justiça local. A competência da Justiça Federal para o julgamento dos crimes previstos em tratados ou convenção internacional verifica-se nos casos em que houver cooperação internacional entre agentes do crime, ou quando este se estenda, na sua prática e no seus efeitos, a mais de um país. Interpretação do art. 119, V, da Constituição. Conflito de jurisdição julgado procedente para declarar a competência da Justiça Estadual.’
(…)
Da mesma forma, o tráfico de entorpecentes será da competência da Justiça Federal se tiver conotações internacionais e da Justiça Estadual se não extravasar território nacional. Note-se que a simples origem estrangeira do entorpecente não será suficiente para atrair a competência para a Justiça Federal; é necessária uma unidade na cooperação internacional entre agentes ou único estendendo-se os efeitos da ação em mais de um país. Uma vez desvinculada a conduta do agente do plano global internacional, a competência desse delito isolado será da Justiça Estadual, ainda que originariamente a substância tenha vindo do exterior. Não causa, pois, estranheza o Acórdão citado por Ney Fayet de Souza em trabalho apresentado no III Congresso do Ministério Público Fluminense, em dezembro de 1970, Acórdão do Tribunal de Justiça do RS, publicado na Revista de Jurisprudência, nº 17/69, cuja ementa é a seguinte:
‘Entorpecente. Posse de comprimidos de ‘Dexamil’, substância entorpecente de procedência estrangeira e destinada à venda. Provimento parcial do apelo.’
Só a procedência não é critério determinador da competência estadual ou federal, mesmo porque muitas vezes a origem da substância é desconhecida ou disfarçada. Para fixar-se a competência federal, como vimos, há a necessidade de prova de um conluio internacional ou atividade única de efeitos polinacionais. Não havendo tal prova, devemos partir do pressuposto de que a ação é nacionalmente localizada, daí manter-se a competência da Justiça Estadual.
Concluindo, temos que somente quando houver tráfico internacional a competência será da Justiça Federal, ocasião em que será aplicável o dispositivo agora comentado se o delito for cometido do município sede da Justiça da União.
E para que haja tráfico internacional, é indispensável a existência de prova de ligação do material como uma aquisição no exterior.”
(Vicente Greco Filho in “Tóxicos, Prevenção – Repressão, Comentários à Lei 6.368, de 21-10-1976, acompanhados da Legislação vigente e da referência jurisprudencial.”, Editora Saraiva, 10ª Edição, 1995, p. 160/162).
“Exigência de fluxo de comércio com o exterior. Decidiu o TJMT que a gravação da pena não recai sobre fato eventual ou isolado, ‘exigindo-se vínculo entre agentes nacionais e estrangeiros em atividade não eventual’; ‘o simples fato da aquisição da droga no exterior não configura o tráfico internacional’ exasperador da pena (Acrim 946, RT, 666:325). No mesmo sentido, decidiu a 2ª Turma do TRF da 4ª Região, Porto Alegre, na Acrim 94.04.22233, que ‘para que ocorra o tráfico internacional é necessária a ligação entre o réu e agente do narcotráfico no exterior’ (DJU, 27, jul. 1994, p. 39880).”
(Damásio E. de Jesus in “Lei Antitóxicos Anotada”, Editora Saraiva, 7ª Edição, 2001, p. 105).
“Tráfico com o exterior: competência. É da Justiça Federal. Se o local não for sede de vara da Justiça Federal: competência da Justiça comum. Nesse sentido: RTJ, 89:499 e 131:1131; RJTJSP, 123:486; STF HC 70.627, 1ª Turma, rel. Min. Sydney Sanches, DJU, 18 nov. 1994, p. 31391 e 31392. Relacionando-se com o crime de importação ou exportação de tóxico (art. 12, caput, e § 1º, I, c/c 18, I, desta Lei). Exige-se finalidade de lucro, uma vez que a disposição (art. 27) e a Súmula 522 falam em tráfico e não em simples importação ou exportação. Sem esse elemento subjetivo do tipo a competência é da Justiça Estadual.”
(Damásio E. de Jesus, Op. cit., p. 148)
“A simples referência na denúncia à qualificadora do art. 18, I, da lei 6.368/76, sem qualquer indício mínimo, não transforma o tráfico restrito ao território brasileiro em internacional. Faz-se mister que haja, pelo menos, notícia de cooperação entre pessoas situadas em países diversos, insuficiente, de qualquer forma, a argumentação de que o Brasil não produz cocaína.”
(STJ – Rec. De HC 8.069 – MS – Rel. Min, Fernando Gonçalves – J. em 02.03.1999 – BIJ, 214/17.534).
Como bem expressa o MM Juiz Federal em sua conclusão de fls. 12,
“ (…) embora não haja nos presentes autos, de plano, evidências cabais capazes de caracterizar a internacionalidade imediata do delito de tráfico de entorpecentes ora imputado aos denunciados, o que determina a competência da Justiça Federal (…)”
Logo, em não tendo sido comprovado, no presente caso, qualquer cooperação internacional ou que a conduta do agente tenha caráter polinacional, uma vez que toda a atuação deu-se em âmbito nacional, bem como não havendo provas ou indícios que apontem para o intuito lucrativo do acusado não há que se cogitar da existência de tráfico internacional de substâncias entorpecentes, sendo competente para processar e julgar a presente imputação a Justiça Comum Estadual.
Ademais, cumpre observar, ainda que, após os interrogatórios, dos réus, nos termos do art. 38, caput, da Lei 10.409/02, ficou caracterizada, ao contrário do que narra a denúncia, que o acusado Sandro foi contratado, por indicação de um terceiro, para realizar obras na chácara do acusado Edivaldo que disse que iria alienar a mesma e não para guardar a droga, cuja existência era por ele desconhecida, sendo que a única conduta criminosa perpetrada pelo acusado foi a de trazer consigo para o uso próprio 1,5 g de substância vegetal identificada como maconha, conduta esta tipificada no art. 16 da Lei 6.368/76.
Assim, em não sendo o tipo previsto no art. 16 da Lei 6.368/76, conceituado sequer como crime de tráfico, muito menos internacional, não há como não deixar de reconhecer a incompetência da justiça federal para processar e julgar tal infração.
III – DO PEDIDO
Diante do exposto, requer a V. Exa.:
- a concessão do benefício da gratuidade de justiça ao acusado por ser economicamente necessitado, nos termos do art. 4º da Lei 1.060/50;
- que receba a presente exceção e determinada a sua distribuição por dependência e autuação em apartado, nos termos do art. 38, § 2º, da Lei 10.409/02
- reconhecida a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar a presente causa, seja declinada a competência em favor de uma do órgão competente da Justiça Comum Estadual da Comarca de Curitiba;
Nestes Termos,
Pede Deferimento.
Curitiba, 11 de junho de 2003.
NOME DO DEFENSOR
Defensor Público da União
Matr. SIAPE 0000