MODELO – Alegações finais – Artigo 157, §2º do Código Penal

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUÍZ DA _ VARA CRIMINAL DE BRASÍLIA – DF

Processo:

FULANO, devidamente qualificado nos autos do processo supra, comparece, mui respeitosamente, à presença deste Douto Juízo por intermédio de seu advogado, que a esta subscreve, com fulcro no § 3º, do art. 403, do Código de Processo Penal, tempestivamente, APRESENTAR suas:

ALEGAÇÕES FINAIS NA FORMA MEMORIAL

Pelo que passa a expor para, ao final, requerer.

DOS FATOS

Conforme consta nos autos, o acusado e outro foram denunciados pelo Ministério Público, em tese, pela prática do crime descrito no artigo 157, § 2º, inciso II e § 2º-A, do Código Penal, por duas vezes, em concurso formal de crimes.

Assim narra a denúncia:

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

O feito seguiu regular instrução em todos os seus atos, sendo na instrução e julgamento, inquiridas testemunhas e os réus interrogados.

Na fase do artigo 402 do CPP, nada fora requerido.

O Ministério Público apresentou suas Alegações Finais, pugnando pela condenação nos termos da denúncia vindo agora os autos para a defesa com o mesmo fim.

Eis a breve síntese da marcha processual.

DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

Da Suposta Ocorrência dos Crimes

Assim sustentou o Ministério Público:

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

Douto Juízo, incialmente, data máxima vênia, discordando totalmente das imputações e alegações feitas pelo Ministério Público, inicialmente, não há de prosperar o fato arguido pelo MP em que:

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

Ressalta-se que as provas constantes dos autos não são cabais para ensejar uma condenação do acusado. Isto porque, não há nos autos provas concretas que de fato demonstrem que o acusado é autor do delito que lhe é imputado.

Estabelece o Art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal que “o juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça (…) não existir prova suficiente para a condenação”.

Trata-se, consoante cediço, da positivação dos princípios do “in dubio pro reo” e do “favor rei”, segundo os quais em caso de dúvida deve sempre prevalecer o interesse do acusado. Ressalte-se, como consignado por TOURINHO FILHO, que, na verdade, a absolvição por falta de provas não se traduz num favor, mas numa consequência natural da ausência de prova da narrativa acusatória.

Com efeito, as vítimas narraram a dinâmica dos fatos, demonstrando a materialidade do delito. Porém, tal reconhecimento é frágil e inconsistente, vejamos:

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

Verifica-se que a vítima não foi uníssona em seu depoimento, visto que, sob o crivo do contraditório, declarou que não tinha certeza quanto ao reconhecimento fotográfico.

É notório que os fatos relatados pela vítima contêm contradição, bem como as informações trazidas em juízo são totalmente incongruentes referente a tal reconhecimento.

Insta salientar, que os objetos oriundos do roubo sequer foram encontrados na posse do acusado conforme consta no bojo dos autos do processo, bem como nada foi localizado no interior de sua residência, haja vista que, sua residência foi completamente revistada pelos policiais civis, o que de fato afasta a participação do acusado na empreitada criminosa.

Vale destacar, que as características como porte físico e altura são frágeis para afirmarem, que de fato o acusado estava na cena do crime.

Salienta-se não haver confissão do acusado em juízo e nem identificação idônea e concreta por parte da vítima. Assim, não se pode aceitar, data vênia, que o acusado seja condenado por um delito, em que não há, nos autos, provas que demonstre ser ele o autor do crime, tendo em vista que uma sentença condenatória somente é possível se existir um juízo de certeza.

Insta frisar que, em juízo, em tese, foi produzida apenas uma única prova, sendo ela a palavra da vítima que narrou não ter plena certeza.

De fato, a doutrina e jurisprudência, passaram a conferir um papel fundamental à palavra da vítima como meio de prova hábil a demonstrar a autoria nos crimes contra o patrimônio. Todavia, as declarações do ofendido não deixam de ser consideradas como meio indireto de prova (indícios), necessitando, assim, serem corroboradas pelos fatos e pelo conjunto probatório.

É sabido que o depoimento da vítima, mesmo em crimes patrimoniais, como prova isolada, sem amparo em outras provas, não pode ser apto a embasar eventual condenação. É o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios:

“RÉUS CONDENADOS PELO CRIME DE FURTO QUALIFICADO – APELO DO MP PELA CONDENAÇÃO PELO DELITO DE ROUBO – PROVA ORAL ISOLADA – APELAÇÃO DA DEFESA PARA REDUÇÃO DAS PENAS-BASE AOS PATAMARES MÍNIMOS. IMPOSSIBILIDADES – NEGADO PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSOS.

  1. A palavra da vítima merece prestígio nos crimes contra o patrimônio. No entanto, somente este depoimento, inseguro e sem amparo em outras provas, não é suficiente a embasar condenação pelo crime de roubo. (Grifo nosso).
  2. Negado provimento aos apelos do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e do réu.

(Acórdão n. 430766, 20080110921632APR, Relator JOÃO TIMOTEO DE OLIVEIRA, 2ª Turma Criminal, julgado em 18/06/2010, DJ 02/07/2010 p. 162)”

“PENAL E PROCESSO PENAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. CONDENAÇÃO. DEPOIMENTO DA VÍTIMA. PROVA ISOLADA. IN DUBIO PRO REO.

  1. O depoimento da vítima, desde que coerente e harmônico com as demais provas coligidas, traz contornos de importância a autorizar a condenação por crime contra o patrimônio. Contudo, quando a fala desta está isolada, sem nenhuma outra evidência a lhe amparar, e ainda se verifica inconsistências em seu teor, deve incidir o princípio do in dúbio pro reo para absolver a parte ré, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. (Grifo nosso). 2. Apelação do acusado provida. Prejudicado o recurso do Ministério Público.

(Acórdão n. 541812, 20100710210858APR, Relator JOÃO TIMOTEO DE OLIVEIRA, 2ª Turma Criminal, julgado em 06/10/2011, DJ 18/10/2011 p. 175).”

In casu, contrariando a manifestação da vítima, há nos autos a negativa do acusado, em juízo. Ora, em uma atmosfera controversa a vítima reconheceu o acusado, mas será que é legítimo conferir a esse reconhecimento a importância que a acusação quer lhe dar?

Cumpre ressaltar que não houve nenhuma testemunha presencial nos autos que corroborasse a imputação das vítimas, cujas declarações restaram isoladas nos autos. Assim, de um lado há a negativa do acusado; de outro a imputação da vítima, que se mostra isolada do conjunto probatório.

Conclui-se, assim que as provas indicadas pelo Parquet não passam de indiciárias, sendo insuficientes para uma condenação penal.

As circunstâncias apontadas, no mínimo, conduzem à absolvição, com base no princípio do “in dúbio pro reo”. Antes um culpado solto, pela falta de prova inconteste, que um inocente enclausurado, pela utilização de deduções que, nem sempre, são verdadeiras.

Portanto, diante da ausência de provas da autoria de FULANO, destarte, o entendimento do egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, no sentido de que “ante a insuficiência de provas aptas a demonstrar a prática, por parte do acusado, dos fatos descritos na denúncia, a absolvição é medida que se impõe”:

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. ROUBO. PROVAS SATISFATÓRIAS. RECONHECIMENTO. VALIDADE. PARTICIPAÇÃO CORRÉU. DÚVIDAS. ABSOLVIÇÃO. CORRUPÇÃO DE MENORES. CRIME FORMAL. CONCURSO DE AGENTE. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. NÃO CONFIGURADO. ARMA DE FOGO. APREENSÃO. DESNECESSIDADE. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. RES FURTIVA. NÃO RESTITUIÇÃO. INERENTE AO TIPO. ISENÇÃO DE CUSTAS. JUÍZO DA EXECUÇÃO. RECURSO DE JOÃO CARLOS SOARES AGUIAR PROVIDO. RECURSO DE JOSÉ CELSO COSTA BATISTA E MASXUEL PEREIRA RODRIGUES DESPROVIDOS.

  1. Em crimes contra o patrimônio, confere-se especial credibilidade às palavras das vítimas que, de forma coerente e harmônica, narram o fato e apontam a autoria, tanto na fase inquisitorial quanto em juízo.
  2. A ausência das formalidades do art. 226 do Código de Processo Penal, quanto ao reconhecimento de pessoas, não invalida o procedimento realizado de forma diversa, nem afasta a credibilidade da palavra da vítima, especialmente quando ratificado em juízo e amparado por outros elementos de prova.
  3. Diante de dúvidas razoáveis acerca da participação de um dos réus na empreitada criminosa, fragilizando um possível decreto condenatório, é sempre bom lembrar que melhor atende aos interesses da justiça absolver um suposto culpado do que condenar um inocente, impondo-se, no presente caso, a aplicação do brocardo in dubio pro reo. (Grifo nosso).
  4. O crime de corrupção de menores é formal, ou seja, para que reste caracterizado, prescinde de prova da efetiva e posterior corrupção do menor, sendo suficiente a prova da participação do inimputável em prática delituosa na companhia de maior de 18 anos.
  5. Tratando-se de condutas de caráter diversos, não há falar na aplicação do princípio da especialidade entre o roubo qualificado pelo concurso de agentes e o delito de corrupção de menores.
  6. Desnecessária a apreensão da arma de fogo para o reconhecimento da causa de aumento prevista no artigo 157, § 2º, inciso I, do Código Penal, quando evidenciada sua utilização por qualquer outro meio de prova, em especial, a palavra das vítimas, conforme se deu na espécie. Precedentes.
  7. A não restituição da res furtiva, com o prejuízo efetivo sofrido pela vítima, não pode justificar o aumento da pena-base a título de valoração negativa da circunstância judicial das conseqüências do crime, por se tratar de aspecto inerente aos crimes contra o patrimônio.
  8. O pedido de gratuidade de justiça deverá ser formulado perante o d. Juízo da execução, competente para tal fim.
  9. Recurso de JOÃO CARLOS SOARES AGUIAR provido para absolvê-lo dos crimes do artigo 157, § 2º, incisos I, II e V, c/c o artigo 70, caput, ambos do Código Penal e do artigo 1º da Lei nº 2252/54 (atual artigo 244-B da Lei nº 8069/90) c/c o artigo 70, caput do Código Penal, com fundamento no art. 386, inciso V, do Código de Processo Penal. Recursos dos réus JOSÉ CELSO COSTA BATISTA e MASXUEL PEREIRA RODRIGUES desprovidos.

(Acórdão n. 542959, 20070310118559APR, Relator SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS, 2ª Turma Criminal, julgado em 13/10/2011, DJ 25/10/2011 p. 232). ”

Por todo exposto, em homenagem ao Princípio do In Dubio Pro Reo, mostra-se inevitável a absolvição do acusado nos moldes do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

Da circunstância majorante: art. 157, § 2º-A, inciso I, do Código Penal

No caso deste Douto juízo entender pela impossibilidade da absolvição do acusado, o que não se espera, passa-se a tecer considerações acerca das circunstancias majorantes.

Inicialmente, pretende a defesa o afastamento da causa de aumento de pena do emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º-A, I, do CP), visto não possuir qualquer amparo nos autos para sua aplicação.

Preliminarmente, eis o entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça:

“Para o reconhecimento da majorante prevista no art. 157, § 2º, inciso I, do Código Penal, mostra-se dispensável a apreensão da arma de fogo e a realização de exame pericial para atestar a sua potencialidade lesiva quando presentes outros elementos que atestem o seu efetivo emprego na prática delitiva”

(STJ, AgRg no AREsp n. 1617926/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 5–3/2020, DJe de 10-3-2020).

No caso em questão, o Ilustre representante do MP fundamentou, sob o frágil argumento de que:

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

Pois bem, voltando ao entendimento do STJ ora mencionado, quanto ao reconhecimento da majorante prevista no art. 157, § 2º, inciso I, do Código Penal, onde mostra-se dispensável a apreensão da arma de fogo quando presentes outros elementos que atestem o seu efetivo emprego na prática delitiva, verifica-se que foi amplamente demonstrado que os demais elementos (depoimentos) não atestaram que o suposto objeto trata-se efetivamente de uma arma de fogo com poder lesivo, combinado ao fato que o suposto artefato bélico não foi encontrado, a aplicação da majorante torna-se impossível no presente caso.

Dessa forma, requer a defesa o afastamento de tal majorante na pena ora aplicada.

Da impossibilidade de combinação das causas de aumento de pena

Superado o tópico anterior, em eventual não acolhimento, trata a defesa da combinação de causas de aumento de pena.

Pois bem, assim prevê o Art. 68, parágrafo único, do CP: “No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.”

O verbo “pode” no disposto do Art. 68, parágrafo único, do CP é compreendido como “deve”. Isso é o que impõe o princípio da reserva legal. Isso porque a lei não trouxe qual o fundamento que o juiz poderia utilizar para cumulá-las. Portanto, se utilizar qualquer um, terá empregado analogia em desfavor do réu, proibida pelo art. 5º, XXXIX da CF e art. 1º do CP:

“A analogia in malam partem é a que aplica ao caso omisso uma lei prejudicial ao réu. Reguladora de caso semelhante. É impossível empregar essa analogia no direito penal moderno, que é pautado pelo princípio da reserva legal. Sobremais, a lei que incrimina restringe direitos. De acordo com a hermenêutica, lei que restringe direitos não admite analogia”.

BARROS, Flávio Augusto Monteiro. Direito Penal, Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 1999. P.21.

Assim também caminha o e. STJ. Afinal, ao tratar do furto privilegiado, que traz o mesmo verbo – “pode” – concluiu que ele traduz direito subjetivo do réu:

“(….) 6. No que se refere à figura do furto privilegiado, o art. 155, § 2º, do Código Penal impõe a aplicação do benefício penal na hipótese de adimplemento dos requisitos legais da primariedade e do pequeno valor do bem furtado, assim considerado aquele inferior ao salário mínimo ao tempo do fato. Trata-se, em verdade, de direito subjetivo do réu, não configurando mera faculdade do julgador a sua concessão, embora o dispositivo legal empregue o verbo “poder”.” (….)

(HC 424.745/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 15/03/2018, DJe 20/03/2018).”

Ainda que assim não fosse, a cumulação não se sustenta.

Vejamos a redação da Súmula nº. 443 do STJ:

“O aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes”.

Mesmo que sua redação tenha sido confeccionada sob a égide da lei anterior, sua premissa persiste: não é possível o aumento somente pela existência de mais de uma majorante.

A interpretação do magistrado deve ser pautada pela proporcionalidade, derivada do artigo 5º, LIV, da CF. Juarez Freitas discorre sobre o tema:

“(…) o princípio da proporcionalidade quer significar que o Estado não deve agir com demasia, tampouco de modo insuficiente na consecução dos seus objetivos”

(FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 56).

Neste viés é o posicionamento do e. STJ, in verbis:

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ROUBO MAJORADO, RECEPTAÇÃO E ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR. NÃO IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA AOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO DE ADMISSIBILIDADE. SÚMULA 182/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. DOSIMETRIA DA PENA. MAUS ANTECEDENTES. PROCESSOS PENAIS EM ANDAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 444/STJ. PERSONALIDADE E CONDUTA SOCIAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. ART. 68 DO CP. CONCURSO DE MAJORANTES. CARÊNCIA DE MOTIVAÇÃO IDÔNEA PARA A APLICAÇÃO CUMULATIVA DAS FRAÇÕES DE AUMENTO. FLAGRANTE ILEGALIDADE. CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO.

  1. A ausência de impugnação específica aos fundamentos da decisão agravada impede o conhecimento do recurso, nos termos do que dispõe a Súmula 182/STJ.
  2. Na hipótese, os agravantes deixaram de refutar especificamente dois dos fundamentos de inadmissão do recurso especial (in casu, Súmulas 7/STJ e 283/STF), incidindo, portanto, o óbice da Súmula 182/STJ.
  3. Todavia, impõe-se a concessão de habeas corpus de ofício diante da ilegalidade do acórdão impugnado no que tange à primeira fase da dosimetria das penas, bem como na aplicação cumulativa das causas de aumento previstas no art. 157, § 2º, II e § 2º-A, I, do Código Penal.
  4. É pacífica a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça e do Supremo Tribunal Federal no sentido de que inquéritos e processos penais em andamento, ou mesmo condenações ainda não transitadas em julgado, não podem ser negativamente valorados para fins de elevação da reprimenda-base, sob pena de malferimento ao princípio constitucional da presunção de não culpabilidade. A propósito, esta é a orientação trazida pelo enunciado da Súmula 444 desta Corte:”É vedada a utilização de inquéritos policiais e de ações penais em curso para agravar a pena-base.”5. A personalidade do agente resulta da análise do seu perfil subjetivo, no que se refere a aspectos morais e psicológicos, para que se afira a existência de caráter voltado à prática de infrações penais, com base nos elementos probatório dos autos, aptos a inferir o desvio de personalidade de acordo com o livre convencimento motivado, independentemente de perícia. No caso, porém, a fundamentação adotada para a valoração negativa da personalidade confunde-se com as circunstâncias do delito, já consideradas desfavoráveis, devendo, portanto, ser afastada, sob pena de indevido bis in idem.
  5. Para fins do art. 59 do CP, a conduta social corresponde ao comportamento do réu no seu ambiente familiar e em sociedade, de modo que a sua valoração negativa exige concreta demonstração de desvio de natureza comportamental, o que também não se verifica no caso.

7.”A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça e a do Supremo Tribunal Federal são no sentido de que o art. 68, Parágrafo Único, do Código Penal, não exige que o juiz aplique uma única causa de aumento da parte especial do Código Penal quando estiver diante de concurso de majorantes, mas que sempre justifique a escolha da fração imposta.”(HC 472.771/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 04/12/2018, DJe 13/12/2018).

  1. Na hipótese, o Tribunal de origem não fundamentou concretamente a adoção das frações de aumento de forma cumulada, limitando-se apenas a asseverar que é”extremamente grave a conduta dos acusados, a merecer maior rigor na aplicação da lei penal”.
  2. Agravo regimental desprovido. Concessão de habeas corpus, de ofício, para determinar que o Tribunal de origem proceda à nova dosimetria das penas impostas aos agravantes, afastando o aumento das básicas referentes à personalidade e à conduta social dos réus, e aos antecedentes de ERIK PIRES DE ABREU SOUZA E SILVA, bem como para afastar o aumento cumulativo, na terceira fase da dosimetria das penas de roubo.

(AgRg no AREsp 1609745/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 20/02/2020, DJe 28/02/2020)

Por fim, na hipótese em comento, não há elementos que justifiquem ou mesmo autorizem o cúmulo das causas de aumento, inclusive na sua proporcionalidade. A modo de execução do delito, não apresenta significativa gravidade e peculiaridade, além daquela já contida na descrição típica das majorantes.

Da continuidade delitiva

Nos termos do Art. 71 do Código Penal, o delito continuado evidencia-se quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, comete mais de um crime da mesma espécie. Necessário também que os delitos guardem liame no que diz respeito ao tempo, ao lugar, à maneira de execução e a outras características que façam presumir a continuidade delitiva.

Para o reconhecimento da continuidade delitiva é imprescindível, que os delitos sejam da mesma espécie – trata-se de 02 (dois) crimes de roubo – com maneira de execução, condições de tempo e lugar semelhantes, exatamente como aconteceu na situação em epígrafe.

Para o reconhecimento da continuidade delitiva, na lição de Cezar Roberto Bitencourt são necessários:

“a) Pluralidade de condutas – o mesmo agente deve praticar duas ou mais condutas; b) pluralidade de crimes da mesma espécie – são da mesma espécie os crimes que lesam o mesmo bem jurídico, embora tipificados em dispositivos diferentes; c) nexo da continuidade delitiva – deve ser apurado pelas circunstâncias de tempo, lugar, modo de execução e outras semelhantes: 1) condições de tempo – deve existir certa periodicidade que permita observar-se certo ritmo, certa uniformidade entre as ações sucessivas, embora não se possam fixar, a respeito, indicações precisas; 2) condições de lugar – deve existir entre os crimes da mesma espécie uma “conexão espacial” para caracterizar o crime continuado; 3) maneira de execução – a lei exige semelhança e não identidade. A semelhança na “maneira de execução” se traduz no modus operandi de realizar a conduta delitiva; 4) outras condições semelhantes: como outras condições semelhantes a doutrina aponta a mesma oportunidade e a mesma situação propícias para a prática do crime.”

Assim fundamentou o Ilustre representante do Ministério Público em suas alegações finais:

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

Verifica-se que tal fundamentação não merece prosperar, visto que sequer há uma linha lógica de raciocínio apresentada, visto que há diversas variações das ações assim interpretadas pelo MP.

Nessa linha de raciocínio é manifesto que não houveram 02 (dois) delitos de roubo supostamente praticados pelo acusado, visto que o animus furandi do mesmo foi unicamente o estabelecimento comercial, e ainda que se entenda como dupla ação (vitimas distintas) devem ser reconhecidos como continuidade delitiva pois são crimes da mesma espécie, eis que atingiram os mesmos bens jurídicos das vítimas, quais sejam o patrimônio e a integridade física (delito de roubo – Art. 157, caput, do CP), e foram praticados com evidente identidade temporal e espacial (mesmo local).

Veja-se que no julgado abaixo, proferido pelo e. Corte Superior, foi aplicado a continuidade delitiva em caso semelhante ao espeque, vejamos:

PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. ROUBOS. ROUBOS QUALIFICADOS. CONTINUIDADE DELITIVA ESPECÍFICA OU QUALIFICADA. DOSIMETRIA. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. PERSONALIDADE DO AGENTE. AÇÕES PENAIS EM ANDAMENTO. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. SÚMULA 444/STJ. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA DECLINADA. FLAGRANTE ILEGALIDADE EVIDENCIADA. CONTINUIDADE DELITIVA ESPECÍFICA. PROPORCIONALIDADE DO AUMENTO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

  1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
  2. A individualização da pena é submetida aos elementos de convicção judiciais acerca das circunstâncias do crime, cabendo às Cortes Superiores apenas o controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, a fim de evitar eventuais arbitrariedades. Assim, salvo flagrante ilegalidade, o reexame das circunstâncias judiciais e os critérios concretos de individualização da pena mostram-se inadequados à estreita via do habeas corpus, por exigirem revolvimento probatório.
  3. É pacífica a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça e do Supremo Tribunal Federal no sentido de que inquéritos e processos penais em andamento, ou condenações ainda não transitadas em julgado, não podem ser negativamente valorados para fins de elevação da reprimenda-base, sob pena de malferimento ao princípio constitucional da presunção de não culpabilidade. Inteligência da Súmula 444/STJ.
  4. Em relação às consequências do crime, que devem ser entendidas como o resultado da ação do agente, a avaliação negativa de tal circunstância judicial mostra-se escorreita se o dano material ou moral causado ao bem jurídico tutelado se revelar superior ao inerente ao tipo penal. In casu, extrai-se dos autos que os crimes de roubo foram cometidos contra vítimas adolescentes, “que se encontram em desenvolvimento social, físico e psíquico, sendo esse fato mais marcante em suas vidas”, o que não justifica, por si só, a exasperação da pena-base. Precedentes.
  5. a lei somente estipula a exasperação máxima da continuidade delitiva específica (até o triplo), sendo que, em sintonia com o caput do art. 71 do Código Penal, impõe-se a utilização do parâmetro mínimo de 1/6, sob pena da continuidade delitiva específica tornar-se inútil, por ser substituída pelo concurso material, cujo critério do cúmulo material é o teto da exasperação da continuidade.
  6. Estabelecido o espectro de exasperação entre 1/6 e o triplo, infere-se da norma que a fração de aumento da continuidade delitiva específica, descrita no art. 71, parágrafo único, do Código Penal, é determinada pela combinação de elementos objetivos – quantidade de crimes dolosos praticados contra vítimas diferentes, com violência ou grave ameaça à pessoa – e subjetivos, consistentes na análise da culpabilidade, dos antecedentes, da conduta social, da personalidade do agente, dos motivos e das circunstâncias do crime.
  7. Reconhecida a prática de dez delitos de roubo – três simples e sete circunstanciados – contra várias vítimas, mostra-se plenamente proporcional o aumento da pena no dobro, inexistindo, pois, o alegado constrangimento ilegal sustentado pela defesa.
  8. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, a fim de reduzir a reprimenda imposta ao paciente para 10 anos e 8 meses de reclusão, além de 26 dias-multa.

(HC 447.799/RJ, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 26/06/2018, DJe 01/08/2018)

Além disso, ainda que se reconhecido 02 crimes de roubo, deve incidir a fração de aumento em 1/6, conforme prevê a jurisprudência predominante do e. STJ, in verbis:

PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. ROUBOS MAJORADOS EM CONTINUIDADE DELITIVA. REDUÇÃO DO QUANTUM DE INCREMENTO DA PENA MAIS GRAVE A 1/6. EXTENSÃO DOS EFEITOS DO ACÓRDÃO AO CORRÉU. PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ART. 580 CPP. PEDIDO DEFERIDO.

  1. Dispõe o art 580 do Código de Processo Penal, “no caso de concurso de agentes ( Código Penal, art. 25), a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros”.
  2. No caso, percebe-se a ocorrência de manifesta ilegalidade no que se refere ao quantum de incremento da pena pela continuidade delitiva dos crimes de roubo, conforme o reconhecido em relação aos corréus Pedro e Daniel.
  3. A exasperação da reprimenda do crime de maior pena, realizado em continuidade delitiva, será determinada, basicamente, pelo número de infrações penais cometidas, parâmetro este que especificará no caso concreto a fração de aumento, dentro do intervalo legal de 1/6 a 2/3. Nesse diapasão, esta Corte Superior de Justiça possui o entendimento consolidado de que, em se tratando de aumento de pena referente à continuidade delitiva, aplica-se a fração de aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4 para 4 infrações; 1/3 para 5 infrações; 1/2 para 6 infrações e 2/3 para 7 ou mais infrações.
  4. No caso, tratando-se de dois crimes de roubo perpetrados em continuidade delitiva, deve ser limitado o incremento da pena a 1/6.
  5. Pedido de extensão deferido, eis que presentes os requisitos do art. 580 do CPP, a fim de estabelecer a pena do crime de roubo em 6 anos e 5 meses de reclusão, mais 15 dias-multa, ficando mantido, no mais, o teor do decreto condenatório.

(PExt no HC 549.438/RJ, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 05/03/2020, DJe 13/03/2020)

É certo, portanto, que o acusado faz jus ao reconhecimento e aplicação da continuidade delitiva, pois se assim não reconhecido, significa a imposição de reprimenda corporal muito maior do que efetivamente seria cabível, com base, inclusive, em circunstâncias inidôneas.

Da dosimetria da pena – art. 59 do Código Penal.

Acerca da primeira fase da dosimetria da pena, devem ser valoradas as circunstâncias judiciais previstas no art. 59, caput, do Código Penal, objetivando-se o exame: (i) da culpabilidade; (ii) dos antecedentes; (iii) da conduta social; (iv) da personalidade do agente; (v) dos motivos; (vi) das circunstâncias; (vii) das consequências do crime e, por fim, (viii) do comportamento da vítima.

Da análise dos elementos carreados aos autos, verifica-se que o acusado sempre colaborou com a instrução processual, apresentando justificativas e os esclarecimentos necessários ao regular prosseguimento do feito.

Isto posto, é devida a fixação da pena-base em seu patamar mínimo legal, nos termos do art. 59, caput, do Código Penal, bem como é devida a fixação do regime aberto para o cumprimento da pena, nos termos do art. 33, § 2º, c, do Código Penal.

A culpabilidade é dimensionada pelo grau de intensidade da reprovação penal. No caso em tela, tem-se que a culpabilidade é mínima, não denotando uma conduta de maior desaprovação social.

A conduta social do acusado é percebida através do seu bom relacionamento perante a sociedade em que está integrada, fato que não se pode comprovar, diante da inexistência de provas, contra ou a favor.

A personalidade da agente é caracterizada por sua maneira de agir e de sentir, seu grau de senso de moral, o que de fato é muito difícil de provar nos autos tendo em vista a ausência de conhecimentos técnicos por parte dos juristas. Além disso, não havendo no processo elementos suficientes para o exame desta circunstância (laudo psiquiátrico, depoimentos testemunhais) deve o julgador se abster de qualquer valoração negativa.

Os motivos constituem a fonte da vontade criminosa e somente aqueles diversos dos normais à espécie delitiva é que devem ser valorados. No caso em tela, tem-se que os motivos são comuns para o crime em questão, não havendo a necessidade de qualquer valoração prejudicial.

Por circunstâncias do delito, entendem-se todos os elementos do fato delitivo, desde que não configure os previstos no tipo penal, tais como a maior ou menor sensibilidade do agente e o seu arrependimento. No caso em questão resta caracterizada que as circunstâncias do crime são comuns, não ensejando maiores agravamentos.

As consequências do crime são medidas pelo grau de intensidade da lesão jurídica causada, podendo ser material ou moral, desde que não contidas no próprio tipo penal. Na situação em análise constata-se que não houve sequer consequências relevantes.

Com fundamento no princípio da presunção de inocência, previsto na Constituição Federal em seu art. 5º, LVII, requer seja possibilitado ao Acusado que recorra em liberdade, até o trânsito em julgado, porquanto as circunstâncias do fato e suas condições pessoais lhes são favoráveis – notadamente pelo fato de ser tecnicamente primário e não restar comprovado nos autos qualquer elemento desabonador de sua conduta e/ou personalidade.

DOS PEDIDOS

Por todo o exposto, requer sejam as Alegações Finais recebidas por Vossa Excelência, para fins de acolhimento dos pedidos e requerimentos subsequentes.

I. Requer seja a Ação Penal julgada improcedente para fins de decretar a absolvição do Acusado, em atenção ao Princípio do In Dubio Pro Reo, mostrando-se inevitável a absolvição do acusado nos moldes do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

II. No entanto, caso este não seja o entendimento de Vossa Excelência, subsidiariamente, requer-se que seja afastada a circunstância majorante prevista no art. 157, § 2º-A, inciso I, do Código Penal.

III. Subsidiariamente, em eventual não acolhimento do item anterior, que seja reconhecimento a impossibilidade da cumulação das majorantes sendo utilizada apenas 01 fração para o aumento;

IV. Que seja, aplicada a continuidade delitiva nos delitos descritos, conforme fundamentação.

V. Requer, havendo condenação, seja a pena-base fixada no patamar mínimo legal, nos termos do art. 59, caput, do Código Penal; não sejam incidentes no caso em tela causas de aumento e diminuição da pena;

VI. Caminhando para a conclusão, caso Vossa Excelência entenda pela condenação, requer seja possibilitado ao Acusado recorrer em liberdade, nos termos do art. 283 do Código de Processo Penal.

Termos em que, por questões de justiça, pede e aguarda deferimento.

Brasília – DF, 13 de maio de 2020

Deixe um comentário

Rolar para cima
Posso ajudar?