Alegações Finais por memoriais Tribunal do Júri- impronuncia e afastamento das qualificadoras

EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) DOUTOR (A) JUIZ (A) DE DIREITO DA ÚNICA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE ——— – ESTADO DO ———–.

“O dano é mais grave quando se condena um inocente por um crime, mas já é bastante considerável quando um queixoso com uma alegação bem fundamentada não é ouvido pelo tribunal, ou quando um réu dele sai com um estigma imerecido” [1]

Autos de Ação Penal n.º XXXXXXXXXXX.

XXXXXXXXXXXXXXX, brasileiro, já devidamente qualificado nestes autos de processo crime, através de seu advogado, que a esta subscreve, vem respeitosamente, perante a Vossa Excelência, com fulcro no artigo 403, § 3º, do Código de Processo Penal, apresentar:

ALEGAÇÕES FINAIS POR MEMORIAIS

1 BREVE SINTESE DOS FATOS

O acusado foi denunciado (seq. XXXX) pela suposta prática das condutas ilícitas tipificadas no artigo 12, caput, da Lei n.º 10.826/03 (FATO 1) e artigo 121, § 2º, incisos II e IV, do Código Penal, na forma do artigo 69, caput, do Código Penal (FATO 2).

A denúncia foi parcialmente recebida (Fatos I e II) em 28 de novembro de 2019 (seq. 44.1), tendo em vista que consta da exordial acusatória a narração de terceira conduta ilícita, tipificada no artigo 135, caput, do Código Penal (delito de omissão de socorro) praticada pela pessoa de XXXXXXXXXX, sendo que foi determinado o desmembramento do feito face à conduta acima descrita. Regularmente citado (seq. XXX), o réu apresentou resposta à acusação (seq. XXXX).

Determinado o prosseguimento do feito (seq. XXXX) e designada audiência de instrução e julgamento para o dia 18 de agosto de 2020. Na oportunidade, foram ouvidas 11 (onze) testemunhas arroladas pela acusação e 05 (cinco) testemunhas arroladas pela Defesa do acusado, que foi interrogado ao final.

O Ministério Público dispensou a oitiva da testemunha XXXXXXXX, bem como a defesa dispensou a oitiva da testemunha XXXXXXXXXX. Ambas as desistências restaram homologadas em Juízo (seq. XXXXX).

Encerrada a instrução, foi determinada a remessa dos autos à acusação para apresentação de alegações finais (seq. XXXXX), seguida pela apresentação de memoriais do acusado, o que se faz com base no exposto pela presente.

2 DO MÉRITO

2.1 DA INÉPCIA DA DENÚNCIA

Da análise dos fatos narrados na inicial, tem-se o vislumbre inequívoco da inépcia da exordial acusatória, notadamente pelo exposto no Fato II, onde foi imputada ao acusado a prática do delito previsto no artigo 12 da Lei n.º 10.826/03. Veja-se:

[…] XXXXXXXXXXXXX, com vontade e consciência, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, possuía 01 (uma) arma de fogo tipo Carabina, da marca URKO, de calibre .22 (ponto vinte e dois), com número de série 04444, de funcionamento semiautomático, bem como 19 munições, da marca CBC, de calibre .22 (ponto vinte e dois), sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar (cf. auto de exibição e apreensão de mov. 1.21 e 1.22 e laudo pericial de mov. 1.27). (grifei)

É sabido que a jurisprudência mais recente do STJ estabelece que deve ser reconhecida a inépcia da denúncia que não indica legislação complementar para tipos que contenham normas penais em branco. Como visto, e como dito pelo próprio órgão acusatório, o denunciado mantinha em sua posse uma arma de fogo, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar. Logo, paira a dúvida, qual seria tal determinação legal? Seria um regulamento? Um decreto? Uma portaria?

O CPP é claro ao determinar sobre os requisitos essenciais da denúncia:

ART. 41: “A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa ibertatis-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol de testemunhas”.

Excelência, procedendo análise prima facie do dispositivo legal acima mencionado, denota-se que a denúncia deve discorrer sobre a lei, regulamento ou instrução que descreva a conduta de integração, ou seja, que complete o preceito primário da norma penal. No entanto, deixando a acusação de especificar na denúncia a norma integradora, ou seja, qual lei ou regulamento o comportamento do denunciado teria infringido, os supostos fatos tidos como criminosos se tornam atípicos, posto que não indicados corretamente sua classificação jurídica, resultando, assim, em uma peça inicial inepta, por desatender o artigo 41 do Código de Processo Penal ( CPP).

Tratando-se da imputação de fato típico previsto em norma penal em branco, ou seja, cuja descrição da conduta está incompleta, necessitando de complementação por outra disposição legal ou regulamentar, se faz necessário que a denúncia indique com clareza qual a legislação ou ato normativo que constitui o respectivo complemento, bem como descreva as circunstâncias factuais que se adequem à descrição normativa contida nesse complemento.

Ao não apontar tal complementação, mostra-se inadmissível a inversão do ônus da prova criada, pois, ao invés de a acusação demonstrar que o denunciado violou (e de que modo) tais e quais normas, ficaria ele incumbido de demonstrar que todo o procedimento por ele desempenhado se deu estritamente nos lindes normativos, afrontando diretamente a plenitude de defesa e o princípio da presunção de inocência.

Neste sentido:

CRIMINAL. HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO III, DA LEI Nº 9.605/98. NORMA PENAL EM BRANCO. DENÚNCIA OFERECIDA SEM EXPOSIÇÃO DA NORMA INTEGRATIVA. INÉPCIA. ORDEMCONCEDIDA. I. Denúncia oferecida pelo delito de comercialização de pescados proibidos ou em lugares interditados por órgão competente. II. Tratando-se de norma penal em branco, é imprescindível a complementação para conceituar a elementar do tipo “espécimes provenientes da coleta, apanha e pesca proibidas”. III. O oferecimento de denúncia por delito tipificado em norma penal em branco sem a respectiva indicação da norma complementar constitui evidente inépcia, uma vez que impossibilita a defesa adequada doacusado. Precedentes. IV. Ordem concedida. (STJ – HC: 174165 RJ 2010/0095981-1, Relator: Ministro GILSON DIPP, Data de Julgamento: 01/03/2012, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: Dje 08/03/2012).

Ainda:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE (ARTIGO 34, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO II, DA LEI 9.605/1998). INÉPCIA DA DENÚNCIA. NORMA PENAL EM BRANCO. MENÇÃO À RESOLUÇÃO QUE NÃO GUARDA CORRESPONDÊNCIA COM O CASO CONCRETO. AMPLA DEFESA PREJUDICADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. RECURSO PROVIDO. 1. O devido processo legal constitucionalmente garantido deve ser iniciado com a formulação de uma acusação que permita ao acusado o exercício do seu direito de defesa, para que eventual cerceamento não macule a prestação jurisdicional reclamada. 2. No caso dos autos, da leitura da exordial em tela, constata-se que os recorrentes foram denunciados pelo crime previsto no artigo 34, parágrafo único, inciso II, a qual, por se tratar de norma penal em branco, deve ser complementada pela legislação que fornece os parâmetros para a pesca autorizada. 3. Ao denunciar os recorrentes, o órgão ministerial afirmou que os pescados com eles encontrados extrapolariam os limites referidos no parágrafo único do artigo 2º da Resolução SEMAC 22/2010, que se refere à período de pesca posterior à data em que os fatos narrados na vestibular teriam ocorrido. 4. Verifica-se, assim, que a norma legal utilizada para complementar o artigo 34, parágrafo único, inciso II, da Lei 9.605/1998 não guarda correspondência com o caso concreto, o que revela a inaptidão da exordial formulada pelo Ministério Público para a deflagração de uma ação penal condizente com as garantias constitucionais. Precedente. 5. Recurso provido para declarar a inépcia da denúncia ofertada contra os recorrentes nos autos da Ação Penal n. 0002397-67.2011.8.12.0024.(STJ – RHC: 40133 MS 2013/0271585-6, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 18/02/2014, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: Dje 26/02/2014).

2.2 DO AFASTAMENTO DAS QUALIFICADORAS PREVISTAS NO ARTIGO 121, § 2º, II e IV DO CP – MOTIVO FÚTIL E RECURSO QUE TORNA IMPOSSÍVEL A DEFESA DO OFENDIDO

Para que seja admitida circunstância qualificadora na sentença de pronúncia, exige-se o vislumbre existência de fortes indícios do cometimento do delito de maneira qualificada, incumbido de maior reprovabilidade, cabendo ao juiz o óbice de fundamentar na decisão sobre a existência de tais circunstâncias no caso concreto, indicando os fatos que ensejariam seu reconhecimento.

O reconhecimento da prática do crime de homicídio qualificado por motivo fútil é, no caso em tela, extremamente questionável. Por certo, é considerado motivo fútil a justificativa descabida de se chegar ao resultado morte. Contudo, ressalta-se que o acusado, no momento em que praticara o fato, pairava sobre estado de fúria, após sua família ter sido coagida pela vítima que forçara a porta da residência dos pais do acusado, esbravejando, dizendo que procurava por entorpecentes e, frisa-se, em estado de embriaguez e bastante alterado psicologicamente. Ainda, após ser advertido de que a residência da família do acusado não se tratava de ponto de comercialização de drogas, a vítima passou a atacar a casa ao sair, atirando pedras no telhado e causando temor aos genitores de Gilmar, (os pais do réu, Jorge Camilo dos Santos e Izabel Silva dos Santos possuem 65 e 58 anos, respectivamente). O acusado, após tomado pelo sentimento de que deveria proteger os demais coabitantes de sua residência, apanhou a espingarda herdada de seu avô para se defender da real ameaça da vítima, frise-se, sem estar incumbido da vontade de matar (animus necandi), apenas com a intenção de amedrontar o invasor, e atirou sem estar próximo da vítima (como atestado em perícia oficial realizada, onde conclui-se que o disparo foi realizado à distância).

Durante o interrogatório procedido em juízo (seq. 232.20), o acusado XXXXXXXXXXX afirmou:

“Quando aconteceu, faziam mais de oito meses que estavam reclamando que tinha pessoas entrando na casa do interrogado. Eram pessoas drogadas, mexendo no portão, mexendo nos carros e roubando os caminhões. Era fato antigo. De uns três anos para cá, não tinha mais vida. Estava dormindo e acordou com os seus pais e sua esposa gritando que tinha um homem invadindo a casa. O pai do interrogado é de idade, tem problema de saúde. Nessa hora quis defender a família. Não pensou em outra coisa. A vítima tentou entrar na casa. O interrogado “tocou” ele e ele disse que ia voltar, para mexer nos carros e colocar fogo na casa. O ofendido estava alterado, louco. Queria porque queria droga. O interrogado disse que não tinha isso na sua casa, que era no vizinho. Depois a vítima voltou e deu pedradas na casa do interrogado, por isso deu um tiro. Tem essa arma há muito tempo. Era herança do seu avô. Uma espingarda, calibre 22, de cano longo. Não tinha o registro dela. Deu um tiro para assustar, não sabia que tinha acertado. Depois o interrogado pegou o carro para saber se ele tinha ido embora. Foi até o pátio do posto. Falou com ele, que ele estava muito louco e perguntou porque estava fazendo aquilo, entrando na casa dos outros. Nisso a vítima saiu correndo. Atirou na sua casa. Não viu que a vítima estava ferida. O interrogado deu um tiro para cima e outro involuntário. Não pode dizer que acertou a vítima. Não viu. Tanto que na segunda foi trabalhar. Conseguiu dormir normal naquele dia, pois não sabia de nada. Estava na escada da sua casa quando atirou. A vítima estava de pé, atrás do carro. Estavam há uns 6/7 metros de distância. Deu um tiro só, o outro tiro disparou. Foi atrás do ofendido para ver se ele tinha ido embora. Ficou sabendo só na segunda que a vítima tinha falecido. O pai do interrogado disse que a polícia estava atrás dele. Conversou com dois policiais, foi a hora que ficou sabendo. A vítima estava muito alterada, com os olhos arregalados. Outras pessoas já entraram na sua casa atrás de droga. Nenhuma delas estavam tão perturbadas quanto o ofendido. As outras pessoas batiam palmas ou batiam na porta, mas nunca tentaram entrar. O interrogado está fazendo tratamento psicológico. (Grifei)

A vítima, conforme depoimento do Policial Militar XXXXXXXXXXX , já foi “pega em uma situação de droga”, bem como a vizinhança onde o acusado reside já é conhecida pela venda de entorpecentes e como sendo local de frequentes prisões efetuadas pelos agentes de segurança.

A testemunha XXXXXXXXXX, Policial Militar, mencionou na fase judicial (seq. 232.19):

“No dia colheram as imagens das câmeras. Após verem que tinha acontecido alguma coisa na frente na casa do XXXX, conversaram com ele. O Doutor XXXXX pediu para encaminhá-lo a delegacia. Na delegacia ele solicitou a presença do advogado e depois confessou o crime. O réu apontou onde estava a arma também. Foram até o local e apreenderam a arma de fogo. Senão se engana já pegou a vítima em uma situação de droga para uso. Acredita que uma pessoa com teor alcoólico de 6.5 pode se tornar agressiva. Uma pessoa sob efeito de droga pode se tornar agressiva também. Estudou com o XXXX. Conhece ele há muito tempo. Não tem conhecimento de nada que desabone a conduta dele. O vizinho do XXXXX foi preso por droga. Ali era um ponto de droga. A arma estava escondida para baixo da linha, no mato. Passaram a colher imagens do local do crime e viram que a vítima chegou na frente da casa do réu, que eles conversaram e depois o ofendido saiu correndo. Acharam suspeita a casa do XXXXXXX. Depois o rapaz foi por baixo, o XXXXXXXX pegou o carro e foi atrás. Após ser encaminhado para a Delegacia, o XXXXXX confessou e deu a versão dele dos fatos. Dá para ver o menino saindo correndo e depois o XXXXXXX indo de carro atrás”. (Grifei)

Excelência, é evidente que o acusado estava apenas exercendo o seu papel de chefe de família e a defendendo, eis que o fato ocorreu durante a madrugada, bem como XXXXXX e toda a sua família estavam sob o domínio de violenta emoção, devido à injusta provocação da própria vítima.

Sobre o exposto acima, Guilherme de Souza Nucci aduz:

“[…] emoção é a excitação de um sentimento (amor, ódio, rancor). Se o agente está dominado (fortemente envolvido) pela violenta (forte ou intensa) emoção (excitação sentimental), justamente porque foi, antes, provocado injustamente (sem razão plausível), pode significar, como decorrência lógica, a perda do autocontrole, que muitos tem quando sofrem algum tipo de agressão sem causa justa. Desencadeando o controle surge o homicídio”. (grifei)

Resta claro que, no caso em tela, conforme evidenciado nos fatos e nos testemunhos dos agentes envolvidos diretamente com o ocorrido, que o acusado estava em situação de injusta provocação perpetrada pela vítima e, logo, tomado por violenta emoção pelo temor à integridade de sua família.

Ainda, sobre a alegação de motivo fútil que ensejou o cometimento do delito, Nucci esclarece:

[…] todo homicídio tem um motivo, cumprindo ao Estado descobri-lo, para poder valorá-lo, subsumindo-o ao tipo penal incriminador, seja como simples, qualificado ou privilegiado. O desconhecimento do motivo do agente para matar a vítima circunscreve a imputação no caput no art. 121, vale dizer, homicídio simples. A ignorância do real móvel do crime jamais pode ser base para insculpir a acusação qualificada, calcada no motivo fútil, pois seria uma responsabilidade objetiva, fruto da ilação de terceiros, incompatível com o efetivo querer do autor”. (grifei)

Com relação à imputação da circunstância qualificadora prevista no artigo 121, § 2º, IV do Código Penal, qual seja o homicídio qualificado por meio que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima, ressalta-se que não deve prosperar a pretensão aduzida pelo órgão acusatório, visto que não consta dos autos que o réu tenha abordado a vítima de maneira despreparada, inesperada, mediante traição, espreita ou mesmo dissimulação. Tendo em vista a conduta da vítima ao tentar forçar a entrada na casa dos pais do acusado, atirar pedras contra a casa após ser repelida pelos pais de XXXXX e se esgueirar próxima ao veículo do réu, levando-o a crer que poderia haver ofensa à integridade de seus genitores idosos e a seu patrimônio, utilizar-se do meio que tinha à disposição para amedrontar a vítima, na intenção de que deixasse o local e os residentes em paz, atirando à distância e sem a intenção de ceifar a vida da vítima, não justifica a imputação da referida circunstância qualificadora.

Sobre o exposto pelo artigo 121, § 2º, inciso IV, Nucci leciona:

[…] A surpresa é normalmente aquilo que é imprevisível. Formas disso são a traição (investida do agente por trás da vítima, que nem mesmo vê o algoz), a emboscada (ficar à espreita, aguardando a passagem inocente da vítima) e a dissimulação (apresentar-se pela frente da vítima, mas ocultando sua verdadeira intenção e simulando gestos opostos à agressão iminente). Lembremos que a surpresa é o gênero que dá origem às demais espécies retratadas no inciso IV do § 2.º. Mas não é qualquer surpresa, uma vez que todo ataque tem um toque de inesperado, até para que dê certo. Cuida-se, nesse cenário, da surpresa autenticamente imprevisível, impossível de calcular, prognosticar, imaginar. (Grifei)

Ainda, vislumbra-se que fora realizada perícia para apurar os fatos, onde se vislumbra que no próprio laudo realizado pela polícia cientifica (seq. 1.4) consta que o disparo foi realizado à distância.

Veja-se:

Deve-se verificar que não há provas de que o disparo com a arma de fogo foi realizado após a saída da vítima da casa do acusado. Posto isso, o membro Ministerial utiliza de meras suposições, e suposições não podem ser utilizadas como prova.

É claro e evidente conforme demonstrado pelo próprio laudo, acima mencionado, que o disparo foi realizado à distância, abonando a versão do acusado e das testemunhas que apreciaram o acontecimento dos fatos, de que o disparo teria acontecido durante a discussão com a vítima, ainda em sua residência. Portanto, não comprova a suposição da acusação de que o disparo foi realizado durante a ida até o posto de combustíveis.

“O processo penal só pode ser concebido como instrumento de salvaguarda da liberdade jurídica do réu”, afirma o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal.

Por isso, aduz que provas produzidas “unilateralmente pelos órgãos da acusação penal” não servem para o processo penal e não podem basear condenações, muito menos suposições e teorias colocadas pela acusação para basear sua denúncia.

Ressalte-se que não há como se condenar ou pronunciar o réu ante a fragilidade do conjunto probatório formado nos presentes autos, haja vista que, o Jus Puniendi do Estado não deve ser concretizado de forma descabida, de modo a suprimir as garantias processuais asseguradas ao acusado.

Nesse sentido:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICIDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA. IRRESIGNACAO DO ACUSADO. A excludente invocada pelo recorrente, ou seja, legitima defesa iberta, não restou demonstrada de maneira iberta, de modo a autorizar a sua ibertatis sumaria. Cumpre, pois, ao Tribunal Popular, juízo natural e constitucional para julgar os crimes contra a vida, decidir, soberanamente, se o recorrente tem em seu favor a apontada dirimente, impondo-se, no entanto, o afastamento da qualificadora (motivo iber), diante da ofensa verbal proferida pelo ofendido. Recurso provido em parte para excluir da decisão de pronuncia a qualificadora a fim do recorrente responder perante o Tribunal do Juri pelo delito de ibertati simples. (TJ-PR – RECSENSES: 254760 PR Recurso em Sentido Estrito – 0025476-0, Relator: Plinio Cachuba, 2ª Câmara Criminal).

Logo, não há razão para se levar adiante a denúncia oferecida pela acusação que enquadrou a conduta praticada pelo acusado como homicídio qualificado, visto que tanto na fase de investigação quanto em instrução criminal não houve a comprovação do animus necandi por parte do denunciado, que, ausentes as qualificadoras manifestamente improcedentes, se enquadra no delito previsto no art. 121 § 1º do Código Penal Brasileiro.

2.3 DA POSSIBILIDADE DE ADMISSÃO DE HOMICÍDIO QUALIFICADO PRIVILEGIADO

Destaca a doutrina que em existindo a compatibilidade lógica entre as circunstâncias, pode ser aceita a existência de qualificadoras. Em sendo reconhecida a ausência da qualificadora do motivo fútil, pelas razões acima expostas, n caso de permanência da qualificadora do meio que impossibilita a defesa da vítima, entende-se que as circunstâncias do privilégio descrito no § 1º do artigo 121 podem aceitar a existência de qualificadoras objetivas, não havendo impositivo algum para a coexistência com a forma privilegiada do homicídio, vez que ambas as hipóteses previstas no § 1º do artigo 121 do CP são de natureza subjetiva. (STJ, HC 129.726/MG, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 26/04/2011, Dje 09/05/2011).

2.4 DA CONDUTA SOCIAL DO AGENTE

Muito se coletou durante a instrução processual, contudo, nada que realmente comprove os fatos narrados na denúncia oferecida pelo Ministério Público, bem como nada que desabone a conduta social do acusado.

As testemunhas ouvidas pela acusação e defesa comprovam que o denunciado é pessoa trabalhadora e, antes do ocorrido, jamais esteve envolvido qualquer espécie de processo criminal ou mesmo investigação que ateste indícios de reprovabilidade social.

A testemunha de acusação XXXXXXXX relatou durante a audiência de instrução e julgamento (seq. XXXXX):

[…] Conhece o XXXXXXX há muitos anos. É uma excelente pessoa. Bem tranquilo […]

Ainda, a testemunha XXXXXXXX, Policial Militar, mencionou em fase judicial (seq. 232.19):

[…] Estudou com o XXXXXX. Conhece ele há muito tempo. Não tem conhecimento de nada que desabone a conduta dele […]

Excelência, não há o que se falar a respeito do acusado, além de que se trata de pai de família trabalhador, ostentando bons antecedentes, que em toda sua vida pregressa nada havia praticado. Destaca-se apenas de que a situação ocorrida foi uma infelicidade em sua vida e que em um momento de descontrole e violenta emoção, devido à injusta provocação da vítima, praticou fato descrito como ilícito para defender sua família, desencadeando tal situação.

3 DOS PEDIDOS

Ante ao exposto, requer:

A anulação do processo, por inépcia na inicial, sobre o fundamento do artigo 41 do CPP, c/c artigo 395 II, e 564, III, a, ambos do CPP;
II- Seja decretada a IMPRONÚNCIA do acusado, nos termos do artigo 414 do CPP;

III- Caso o pedido de impronúncia não seja acolhido, pugna a defesa pelo afastamento das qualificadoras dos incisos II e IV (motivo fútil e meio que impossibilitou a defesa da vítima), devendo ser operada a pronúncia com o reconhecimento da causa de diminuição de pena constante do artigo 121, § 1º do CP, qual seja a figura do homicídio privilegiado;

IV- Ainda, pugna pela concessão de todas as benesses, causas de diminuição de pena e circunstâncias favoráveis ao acusado expostas nos presentes memoriais;

V- Por fim, tendo em vista que o acusado cumpre rigorosamente com as determinações do Juízo em sede de aplicação das medidas cautelares diversas da prisão, a defesa requer a manutenção da liberdade de XXXXXXX, eis que não comprovado o periculum libertatis no presente caso, bem como o acusado comparecera a todos os atos processuais.

Termos em que,

Pede e espera deferimento.

Local, datado eletronicamente.

(Assinado digitalmente)

ADVOGADO

OAB/UF nº xxxx

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