Introdução
O Código Penal Militar (CPM), instituído pelo Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969, é o instrumento jurídico que define e regulamenta os crimes militares, a responsabilidade penal de militares e, em certos casos, de civis que interajam diretamente com a estrutura das Forças Armadas. Sua função é proteger bens jurídicos específicos da vida castrense, como a disciplina, a hierarquia, a segurança nacional e a eficiência operacional.
Dentro desse complexo normativo, o Artigo 11 desempenha um papel estratégico ao estabelecer as regras de sujeição dos militares estrangeiros à lei penal militar brasileira. A norma determina que esses militares, quando em comissão ou estágio em instituições militares nacionais, estão submetidos ao CPM, salvo se tratados ou convenções internacionais dispuserem de forma diversa.
Essa previsão é fruto de uma necessidade de equilibrar a soberania nacional com a cooperação militar internacional, garantindo que, por um lado, haja respeito às leis brasileiras, e por outro, observância aos compromissos diplomáticos assumidos pelo país.
A redação atual foi dada pela Lei nº 14.688, de 2023, que modernizou o texto e o alinhou às práticas internacionais. Entender o alcance desse dispositivo é fundamental para advogados, militares, diplomatas e todos os profissionais envolvidos em missões militares multinacionais.

Texto do Artigo 11
Art. 11. Os militares estrangeiros, quando em comissão ou em estágio em instituições militares, ficam sujeitos à lei penal militar brasileira, ressalvado o disposto em tratados ou em convenções internacionais. (Redação dada pela Lei nº 14.688, de 2023)
1. Contexto Histórico e Jurídico
1.1. Origem e necessidade
Desde o início do século XX, o Brasil participa de intercâmbios militares, seja enviando contingentes ao exterior, seja recebendo militares estrangeiros para treinamentos. Essa interação intensificou-se durante e após a Segunda Guerra Mundial, quando o país se engajou em missões conjuntas com exércitos aliados.
A presença de militares estrangeiros no território brasileiro gera um vácuo jurídico se não houver norma clara sobre a aplicação da lei penal militar. Sem essa previsão, crimes praticados por esses militares contra bens jurídicos militares brasileiros poderiam ficar impunes ou gerar conflitos de jurisdição.
1.2. O alinhamento com o direito internacional
A Constituição Federal de 1988, no art. 5º, § 2º e § 3º, admite que tratados internacionais sobre direitos humanos tenham status supralegal ou de emenda constitucional, quando aprovados pelo rito especial. Além disso, o Brasil é signatário de diversos acordos bilaterais e multilaterais de cooperação militar, que definem o tratamento jurídico a ser dado a militares estrangeiros.
A alteração de 2023 no Artigo 11 buscou justamente compatibilizar a legislação interna com esses compromissos, evitando conflitos de interpretação e problemas diplomáticos.
2. Fundamentos da Aplicação da Lei Penal Militar a Militares Estrangeiros
2.1. Soberania Nacional
A soberania é o poder supremo do Estado de fazer valer suas leis dentro de seu território. Assim, mesmo militares estrangeiros que estejam de passagem por missões oficiais estão, em regra, submetidos às normas nacionais.
2.2. Princípio da Territorialidade
O Art. 7º do CPM estabelece que a lei penal militar se aplica a crimes cometidos, no todo ou em parte, em território nacional, incluindo navios e aeronaves militares brasileiros, independentemente de onde se encontrem.
2.3. Princípio da Reciprocidade e Cooperação
Na prática internacional, o Brasil respeita a jurisdição de outros países sobre seus próprios militares quando em missão no exterior, e espera tratamento recíproco quando recebe militares estrangeiros.
3. Situações Abrangidas pelo Artigo 11
O dispositivo se aplica em dois cenários principais:
3.1. Militares estrangeiros em comissão
Compreende missões oficiais enviadas por outro país, como:
- Exercícios militares combinados.
- Treinamento de tropas para missões de paz.
- Operações conjuntas de segurança.
3.2. Militares estrangeiros em estágio
Inclui oficiais, praças e cadetes estrangeiros matriculados em escolas militares brasileiras, como:
- Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN).
- Escola Naval.
- Academia da Força Aérea (AFA).
- Escolas técnicas militares.
4. Limites e Exceções: Tratados e Convenções Internacionais
4.1. Status of Forces Agreement (SOFA)
Acordos desse tipo definem qual país tem jurisdição sobre militares que estejam no território do outro. Normalmente, o país de origem mantém jurisdição sobre crimes funcionais, enquanto o país anfitrião tem competência sobre crimes comuns.
4.2. Missões da ONU
Militares estrangeiros atuando sob bandeira das Nações Unidas normalmente estão sujeitos a um regime especial de imunidade funcional.
4.3. Imunidade Diplomática
Oficiais adidos militares em embaixadas gozam de imunidade diplomática plena, não sendo processados pela justiça local.
5. Exemplos Práticos de Aplicação
- Caso 1: Um cadete estrangeiro em curso na AMAN comete furto de material bélico. Sem tratado específico, o caso será julgado pela Justiça Militar da União.
- Caso 2: Um oficial da OTAN em missão no Brasil se envolve em acidente com viatura militar. Se houver SOFA com cláusula de jurisdição exclusiva do país de origem, o Brasil notifica a autoridade estrangeira.
- Caso 3: Militar de país parceiro em treinamento de selva na Amazônia pratica crime contra a honra de superior brasileiro. Dependendo do tratado, o caso pode ser processado no Brasil.
6. Competência e Procedimento
A Justiça Militar da União é competente para processar e julgar esses casos, e o procedimento segue o Código de Processo Penal Militar. Havendo tratado que determine jurisdição estrangeira, o Brasil não processa, mas pode auxiliar na colheita de provas.
7. Jurisprudência e Doutrina
Embora casos envolvendo militares estrangeiros sejam raros, a Justiça Militar já reconheceu a aplicação do CPM em hipóteses de cooperação internacional sem acordo específico de imunidade. Doutrinadores como Carlos Frederico Marés e Célio Lobão destacam que a previsão é essencial para preservar a disciplina militar.
8. Comparação Internacional
- Estados Unidos: Aplicam o Uniform Code of Military Justice (UCMJ) a militares estrangeiros apenas em casos específicos, geralmente quando atuam em conjunto com tropas americanas e não há tratado em contrário.
- França: Possui normas semelhantes, mas prioriza acordos bilaterais para definir jurisdição.
- Portugal: Aplica seu Código de Justiça Militar a estrangeiros em serviço no país, salvo acordo internacional.
9. Importância Estratégica do Artigo 11

O dispositivo:
- Reforça a soberania nacional.
- Garante segurança jurídica para missões conjuntas.
- Evita conflitos de jurisdição.
- Protege a disciplina e a hierarquia militares.
FAQ – Perguntas Frequentes sobre o Artigo 11 do Código Penal Militar
1. Todo militar estrangeiro no Brasil está sujeito ao CPM?
Não. Apenas os que estejam em missão oficial (comissão) ou em estágio em instituição militar brasileira.
2. E se houver tratado concedendo imunidade?
Nesse caso, prevalece o tratado, afastando a aplicação da lei penal militar brasileira.
3. E se o crime for cometido fora da atividade militar?
Se for crime comum e não houver imunidade, aplica-se a lei penal comum.
4. Quem julga o militar estrangeiro no Brasil?
A Justiça Militar da União, quando a lei penal militar brasileira for aplicável.
5. O militar estrangeiro pode ser preso preventivamente?
Sim, se não houver imunidade diplomática ou funcional prevista em tratado.
6. É possível transferência de processo para o país de origem?
Sim, por meio de acordos de cooperação jurídica internacional.
7. O Artigo 11 também vale para instrutores estrangeiros?
Sim, desde que em missão oficial ou vinculados a curso/treinamento militar no Brasil.
8. Como fica a situação em exercícios multinacionais?
Depende do acordo firmado entre os países participantes.
9. A ONU pode intervir?
Se a missão estiver sob comando da ONU, as regras dessa organização prevalecem.
10. A nova redação de 2023 mudou muito a prática?
Mais do que mudar, trouxe clareza e segurança jurídica, ajustando o texto à realidade da cooperação militar internacional.
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