Introdução
A Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, representa um marco histórico no ordenamento jurídico brasileiro no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Criada para dar efetividade às garantias constitucionais de dignidade, igualdade e segurança, a norma estabelece mecanismos específicos de proteção e prevenção, bem como sanções severas para os agressores.
Entre os diversos dispositivos que compõem a Lei Maria da Penha, o Artigo 26 confere ao Ministério Público (MP) atribuições cruciais para garantir a efetividade da lei e a proteção integral da vítima. O legislador reconheceu que, sem a atuação firme e coordenada do MP, muitas medidas protetivas e ações preventivas poderiam não alcançar seu objetivo.
O Ministério Público, como instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado (art. 127 da Constituição Federal), tem como missão a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. No contexto da violência doméstica, seu papel ultrapassa o de mero acusador em processos criminais, assumindo também funções de fiscalização, articulação e promoção de políticas públicas.

Texto Legal do Artigo 26
O Art. 26 da Lei Maria da Penha dispõe:
“Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário:
I – requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, entre outros;
II – fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades constatadas;
III – cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.”
Interpretação Geral do Artigo 26
O dispositivo explicita que a atuação do Ministério Público na violência doméstica não se limita à esfera penal, abrangendo também funções preventivas, protetivas e administrativas. Cada inciso confere poderes e deveres específicos, permitindo que o MP atue de forma proativa na defesa dos direitos da mulher.
A seguir, analisaremos cada inciso separadamente.
1. Inciso I – Requisição de Força Policial e Serviços Públicos
O Inciso I autoriza o Ministério Público a requisitar, sempre que necessário:
- Força policial – para garantir segurança imediata à vítima, efetivar medidas protetivas ou coibir ações do agressor.
- Serviços públicos de saúde – para atendimento médico, psicológico e exames de corpo de delito.
- Serviços de educação – quando a vítima ou seus dependentes necessitam de transferência escolar ou proteção dentro do ambiente educacional.
- Assistência social – para inclusão em programas de proteção social, abrigamento e apoio financeiro.
- Segurança – que pode envolver a guarda municipal ou forças de segurança estaduais e federais.
Essa previsão garante que o MP possa acionar rapidamente a rede de proteção, evitando burocracias que poderiam colocar a vítima em risco.
Exemplo prático: em casos de ameaças reiteradas, o promotor pode requisitar apoio policial para acompanhamento da vítima ao retirar seus pertences de casa, ou para transportá-la a um abrigo seguro.
2. Inciso II – Fiscalização de Estabelecimentos
O Inciso II atribui ao Ministério Público a função de fiscalizar estabelecimentos públicos e privados que atendem mulheres vítimas de violência, como:
- Casas-abrigo;
- Centros de referência;
- Hospitais e unidades de saúde especializados;
- Delegacias da Mulher (DEAMs);
- Organizações não governamentais (ONGs) conveniadas.
Caso o MP constate irregularidades, pode imediatamente adotar medidas:
- Administrativas – notificações, recomendações e exigência de adequações.
- Judiciais – ações civis públicas, termos de ajustamento de conduta, pedidos liminares.
O termo “imediato” reforça a urgência e o caráter protetivo dessa atuação, evitando que falhas estruturais ou de atendimento comprometam a segurança da vítima.
3. Inciso III – Cadastro de Casos de Violência Doméstica
O Inciso III obriga o MP a manter registro e acompanhamento dos casos de violência doméstica, o que é fundamental para:
- Monitorar reincidências;
- Produzir estatísticas que embasem políticas públicas;
- Avaliar a efetividade das medidas protetivas;
- Integrar informações com outros órgãos da rede de enfrentamento à violência.
O cadastro unificado permite identificar padrões de violência e direcionar recursos de forma estratégica, inclusive para prevenção.
Importância Prática do Artigo 26

O Artigo 26 fortalece a rede de proteção prevista na Lei Maria da Penha. Ao permitir que o MP atue de forma ampla — requisitando apoio, fiscalizando e registrando casos — garante-se que a proteção à mulher não dependa apenas de medidas judiciais, mas também de ações preventivas e de coordenação entre diferentes setores.
Além disso, o dispositivo incentiva a atuação integrada entre Ministério Público, polícias, serviços de saúde, assistência social e sistema educacional, tornando a resposta mais rápida e eficaz.
Desafios na Aplicação
Apesar de seu potencial, a aplicação do Artigo 26 enfrenta alguns obstáculos:
- Falta de estrutura – em algumas cidades pequenas, não há casas-abrigo ou equipes especializadas.
- Integração insuficiente – falhas na comunicação entre órgãos podem atrasar medidas urgentes.
- Carência de profissionais capacitados – a atuação eficaz requer promotores e equipes treinadas em gênero e direitos humanos.
- Sobrecarga de demandas – o MP acumula funções, o que pode comprometer a agilidade.
Relação com as Medidas Protetivas
O Art. 26 complementa dispositivos como o Artigo 22 da Lei Maria da Penha, que trata das medidas protetivas de urgência. Enquanto o Art. 22 estabelece as medidas que o juiz pode determinar, o Art. 26 viabiliza a execução e fiscalização dessas medidas por meio do MP.
📌 Para entender mais sobre as medidas protetivas, veja nosso conteúdo completo sobre medidas protetivas de urgência.
Conclusão
O Artigo 26 da Lei Maria da Penha reforça que o Ministério Público é peça central no enfrentamento à violência doméstica. Sua atuação vai muito além da persecução penal, alcançando também a proteção imediata, a fiscalização e a coleta de dados para prevenção.
Com uma aplicação eficiente desse dispositivo, é possível reduzir a impunidade, proteger vidas e fortalecer o sistema de justiça no combate à violência contra a mulher.
FAQ – Perguntas Frequentes sobre o Artigo 26 da Lei Maria da Penha
1. O Ministério Público pode agir mesmo sem a vítima fazer denúncia?
Sim. Em casos de violência doméstica, a ação penal é pública incondicionada. O MP pode atuar de ofício, desde que tenha conhecimento do fato.
2. O que significa requisitar força policial?
É o ato de solicitar apoio imediato da polícia para proteger a vítima, cumprir mandados ou garantir a segurança em situações de risco.
3. Quais estabelecimentos podem ser fiscalizados pelo MP?
Todos os que prestam atendimento a mulheres vítimas de violência, sejam públicos ou privados, incluindo casas-abrigo e hospitais.
4. Como funciona o cadastro de casos de violência?
O MP mantém registros detalhados dos casos, permitindo monitorar reincidência e planejar políticas públicas.
5. O MP pode determinar prisão?
Não diretamente. A prisão depende de ordem judicial ou flagrante, mas o MP pode requerer a prisão ao juiz.
6. O que fazer se um estabelecimento de atendimento não cumprir normas?
Denunciar ao MP, que poderá adotar medidas administrativas ou judiciais.
7. O Art. 26 substitui o trabalho da polícia?
Não. Ele complementa, permitindo que o MP coordene ações e garanta resposta rápida.
8. O cadastro do MP é público?
Não. Por envolver dados sensíveis, o acesso é restrito a autoridades.
9. O MP também oferece apoio psicológico?
O próprio MP não oferece, mas pode requisitar serviços públicos de saúde e assistência social.
10. Como denunciar ao MP?
É possível comparecer pessoalmente à Promotoria de Justiça, enviar denúncia por canais eletrônicos ou ligar para serviços como o Disque 180.