Exmo. Dr. Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais
CES 0000/02654-3
RG. 072300000001-7 ( IFP )
, já qualificado nos autos do processo, vem, pela Defensoria Pública, não se conformando com a decisão, que deu a perda dos dias remidos por revogação do livramento condicional, interpor o presente recurso de
Agravo à Execução
com fulcro no art. 10007 da Lei 7.210/84, pelos fundamentos de fato e de direito apresentados nas razões anexas.
Outrossim, requer o apenado a isenção das custas e honorários advocatícios, por ser pessoa hipossuficiente nos termos do art. 4ª da Lei 1.060/50não tendo condições de arcar com as mesmas sem prejuízo do seu sustento de e de sua família.
Indica, nessa oportunidade, as peças a seguir relacionadas, necessárias à formação do instrumento:
Carta de Execução de Sentença,
Ficha disciplinar,
Folhas de cálculo de pena,
Concessão do LC,
Manifestação da Defesa,
Parecer do Ministério Público,
Decisão Agravada.
Nestes Termos,
P. Deferimento.
Rio de Janeiro, 16 de dezembro 2019
RAZÕES DE AGRAVO À EXECUÇÃO
AGRAVANTE: CARLOS ALBERTO PECLY
AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO
EGRÉGIO TRIBUNAL
COLENDA CÂMARA
Trata-se de impugnação veiculada pelo ora Agravante combatendo a decisão do MM.Juízo a quo, a qual declarou a perda dos dias remidos em virtude do cometimento de falta grave no curso do período probatório de livramento condicional..
Em que pese o brilhantismo profissional do MM. Juízo a quo, a decisão indeferitória merece reparos.
Iniciado o processo executivo em 03/08/0003 com sua prisão em flagrante, o ora Agravante postulou ao MM. Juízo a quo a concessão do livramento condicional, posto que preenchia os requisitos objetivos e subjetivos elencados em lei para obtenção da medida de liberdade antecipada.
Processado o pedido regularmente, em 30/08/00 o MM. Juízo a quo deferiu ao ora Agravante o livramento condicional.
No curso do período probatório o ora Agravante restou novamente preso sob o estado flagrancial no dia 2000/05/01, tendo sido condenado pelo MM. Juízo da 1ª Vara Criminal de Nova Friburgo a pena de 1 ano e 6 seis meses, em regime semiaberto, como incurso no art.155, § 4º, incisos I e IV c/c art. 14, II do CP.
O Ministério Público, fulcrado no art.52 c/c art.127 da LEP, pugnou ao MM. Juízo a quo a perda dos dias remidos.
A Defesa Técnica, compondo o contraditório, refutou o pedido ministerial, sendo que posteriormente o Parquet reiterou aquele.
Decidindo a controvérsia, o MM. Juízo a quo encampou in totum a promoção do Ministério Público e declarou a perda dos dias remidos face ao cometimento de falta grave pelo ora Agravante.
Inobstante a decisão ora alvejada, inviável a perda do direito remicional já deferido ao ora Agravante. Senão, vejamos.
INEXISTÊNCIA DE PUNIÇÃO DISCIPLINAR EM PROCESSO ADMINISTRATIVO
REGULARMENTE INSTAURADO
ATIPICIDADE FACE AO ART.127 DA LEP
CLÁUSULA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL
Uma vez praticado fato tipificado como falta grave na Lei de Regência pelo ora Agravante, segue-se a instauração do procedimento administrativo para apuração da mesma e, eventualmente, a punição do faltoso.
Sabido que uma das consequências jurídicas da incidência comportamental nas hipóteses normativas descritas nos arts.50 e 52 da LEP é a perda dos dias remidos, nos termos do art.127.
Entretanto, para que aludido efeito jurídico se aperfeiçoe necessário se faz que o faltoso tenha sido efetivamente punido pela falta grave. O texto legal do art.127 é expresso neste sentido:
“O condenado que for punido por falta grave perderá o direito ao tempo remido, começando o novo período a partir da data da infração disciplinar”
Logo, não tendo sido punido disciplinarmente pela falta grave cometida, qual seja, o cometimento de crime no curso do período probatório do livramento, inviável juridicamente a perda dos dias remidos.
Nesta esteira de raciocínio leciona o festejado membro do Ministério Público de São Paulo e doutrinador Julio Fabbrini Mirabete (in Execução Penal, 000ª edição, p.437):
“Não basta, porém, a prática de falta grave e a instauração do procedimento disciplinar; exige-se a punição regular do apenado para que se decrete a revogação da remição “grifo nosso
Note-se que na transcrição da ficha disciplinar atualizada pertinente ao ora Agravante não consta qualquer menção de instauração e/ou punição em virtude da falta grave praticada no curso do período probatório do LC.
Pois, inviável a declaração de perda dos dias remidos em virtude da ausência de punição por falta grave em processo administrativo regularmente instaurado.
NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A FALTA GRAVE
E O DIREITO REMICIONAL- INEXISTÊNCIA
A par dos argumentos lançados no tópico anterior, certo é que a prática de falta grave no curso do período de prova do livramento condicional não conduz à perda dos dias de trabalho remidos.
Uma vez obtido o benefício da medida de liberdade antecipada, com a colocação do apenado em um sistema de liberdade regrada, todos os deveres inerentes à condição de preso que o mesmo possuía junto com o Estado-Administração no que concerne especialmente ao sistema penitenciário são automaticamente paralisados(p.ex., obrigação de obediência a servidores das unidades prisionais, submissão aos horários estabelecidos etc).
Consequentemente, alçado à liberdade regrada, aqueles deveres inerentes à condição de recluso são substituídos por outros, agora regidos por normas diversas, quais sejam, aquelas pertinentes ao livramento condicional.
A inobservância destes novos deveres acarreta efeitos jurídicos próprios, tais como a revogação do benefício, a impossibilidade de obtenção de novo livramento em relação ao mesmo crime etc.
A tipificação das faltas graves efetivada pelo legislador, a toda evidência, tem em mira o apenado que ainda cumpre pena em uma unidade prisional, submetido que está a um conjunto de regras de disciplina ínsito a esta condição peculiar, e que tem por objetivo claro sancionar com maior rigor aqueles que infringirem as normas de conduta, visando, afinal, preservar a ordem e a disciplina no âmbito das unidades.
Como decorrência deste raciocínio lógico, o apenado liberado condicionalmente não se submete ao sistema de disciplina e faltas graves/médias/leves dirigidas aos presos, posto que está em condição jurídica diversa e impossibilitado de, com sua conduta externa, por em risco a disciplina do sistema penitenciário.
O apenado agraciado com o LC, entretanto, está sob a égide de outras normas, que expressamente estabelecem as consequências da inobservância de seus deveres.
Quer-se afirmar, com essas considerações, que as faltas, sejam graves, médias ou leves, são tipificadas e dirigidas ao apenado que ainda encontra-se preso, estando por isso submetido a um sistema de disciplina próprio, enquanto que o liberado condicional não mais se sujeita àquele sistema, posto que não mais representa risco à disciplina das unidades.
Dentro deste quadro, porque inexiste relação de causalidade entre o cometimento de crime pelo liberado no curso do período do livramento condicional e o exercício da atividade laborativa pelo apenado enquanto estava preso, não está aquele sujeito à perda dos dias remidos.
Pela mesma razão não se pune disciplinarmente o liberado condicional caso venha este, por exemplo, a portar e fazer uso de aparelho móvel celular ou, ainda mais absurdamente, a incitar os demais colegas a subverter a ordem da unidade ou tentar empreender fuga.
A punição pela prática de falta objetiva, a exemplo do que ocorre com a pena propriamente dita, a servir de retribuição ao ato praticado e de prevenção geral no que toca aos demais internos.
Estes elementos- relação de causalidade entre a falta e o desempenho de atividade laborativa, e prevenção geral em relação aos demais internos- não se manifestam quando o liberado comete fato previsto como crime doloso.
Sendo assim, obviamente que o art. 52 da LEP incide exclusivamente quando o fato-crime for praticado por preso no âmbito da unidade prisional, sendo inaplicável ao apenado em livramento condicional.
A este se aplicam as normas próprias estabelecidas para o livramento condicional, onde não há previsão legal, como efeito de revogação do benefício, a perda dos dias de trabalho anteriormente remidos.
Portanto, sob esta ótica, calcada principalmente no princípio geral do bom senso, inviável a perda dos dias remidos.
Por outro lado, como o liberado condicional não obtém a remição dos dias em virtude de exercício de atividade laborativa durante o gozo do benefício, por uma questão de justiça e coerência sistêmica não se pode puni-lo com a perda dos dias já remidos(obtidos por trabalho enquanto preso) em virtude de fato cometido quando na fruição do livramento condicional.
Reforçando a tese ora esposada, transcreve-se decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça exatamente neste sentido:
“EXECUÇÃO PENAL. REMISSÃO. LIVRAMENTO CONDICIONAL. LEP, 127. NÃO INCIDÊNCIA.
A regra do art. 127, da Lei de Execução Penal, que prevê a perda do direito ao tempo remido em razão do cometimento de falta grave, somente incide na fase de cumprimento da pena restritiva de liberdade, não repercutindo no benefício de livramento condicional, susceptível apenas de revogação, ocorrente nas exclusivas hipóteses dos arts. 86 e 87, do Código Penal.
Habeas-corpus concedido” (HC 8244/SP- julgado em 26.10.000000, Rel. Min. Vicente Leal, 6ª Turma, DJ 22.11.000000, p.10007)grifo nosso
Permita-nos ainda trazer a colação o voto do Exmo. Ministro Relator Vicente Leal no julgamento do Habeas Corpus supra o que só reforça a tese defensiva. Eis:
“Auscultando-se o contexto da Lei de Execução Penal, verifica-se que, efetivamente a sanção prevista no art. 127, seja, a perda do direito ao tempo remido em razão do cometimento de falta grave, somente tem lugar durante o período do cumprimento da pena privativa de liberdade.
Tal sanção não alcança nem repercute no benefício do livramento condicional. Assim, se o apenado já se encontrava em gozo de livramento condicional, a imposição de sanção por cometimento de falta grave não acarreta a perda dos dias remidos. A única sanção prevista para tal período é a revogação do próprio livramento condicional e somente ocorre nas hipóteses previstas nos art. 86 e 87 do Código Penal, e tem o seu regramento nos art. 140 a 144, da Lei de Execução Penal. E nestes dispositivos não há qualquer referência a perda do tempo remido…..”
Logo, inviável a cassação do direito remicional pelo cometimento de fato-crime no curso do período probatório em virtude da ausência de nexo de causalidade entre a falta e o bem jurídico atingido pela decisão revogatória.
Além disso, invocando debatidos argumentos, a perda dos dias remidos declarada pelo MM. Juízo a quo acarreta rompimento da coisa julgada e flagrante violação de postulados constitucionais, sendo inadmissível a sustentação do decisum monocrático.
Ante o Exposto, espera o Agravante que Vossas Excelências conheçam a presente impugnação e, afim, a PROVEJAM para o efeito de REFORMAR a decisão a quo e, conseguintemente, RESTABELECER a remição de pena relativa ao período trabalhado até a soltura do ora Agravante em virtude do livramento condicional.
Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 2019