Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Boituva, Estado de São Paulo.
Contrarrazões de Apelação
Processo nº. XXXXXXXXXX
XXX, por seu advogado convênio OAB/SP e Defensoria Pública/SP, nos autos da Ação Penal que move o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, vem à presença de Vossa Excelência, nesta e na melhor forma de direito, apresentar suas inclusas
C O N T R A RR A Z Õ E S
consubstanciada nas anexas razões ministerial, requerendo-se o seu regular processamento e posterior remessa o Tribunal Competente, oportunidade em que caso conhecido o recurso, deverá ser improvido, como medida de direito e justiça.
Termos em que,
Pede deferimento.
Boituva, 25 de novembro de 2019.
XXXXXXXX
OAB/SP XXXXX
Apelante: Ministério Público do Estado de São Paulo
Apelado: XXX
Egrégio Tribunal
Ínclitos Julgadores
Douto Procurador da Justiça
I – Da Síntese:
Trata-se de contrarrazões proposta contra a apelação do MP/SP que se insurge contra a r. sentença que julgou improcedente a ação penal em face do Apelado sob fundamentação do juízo “a quo” de falta de provas.
II- Da preliminar aplicação do principio da insignificância
Nobres Desembargadores a defesa técnica em analise dos autos, bem como, os requisitos preenchidos em relação ao Apelado, requer que seja acatada por Vossas Excelências preliminarmente a aplicação do principio da insignificância ao presente recurso de Apelação, abaixo toda a fundamentação para tanto:
Cuida-se de um furto de 4Kg cabo de cobre tipo 50 x 100 avaliados na bagatela de R$ 80,00 (oitenta reais), conforme folhas de numero 08 do processo, sobre tudo em seu depoimento perante o juízo a testemunha Ruan falou que cada quilo corresponde ao valor de R$ 12,00 (doze reais), vezes 4 é R$ 48,00 (quarenta e oito reais) o valor correto. A alegação de prejuízo maior com base em “perda de clientes, valor do reparo” são meras declarações não devem ser acatadas por Vossas Excelências, pois não esta nos autos, ademais cumpre salientar que a vitima não relata suposto prejuízo.
O direito penal não cuida de bagatelas, nem admite tipos incriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico. Se a finalidade do tipo penal é tutelar bem jurídico, se a lesão, de tão insignificante, torna-se imperceptível, não é possível proceder-se ao enquadramento, por absoluta falta de correspondência entre o fato narrado na lei e o comportamento iníquo realizado.
Para aplicar tal principio é necessário observar se o fato e o agente preenchem os requisitos: mínima ofensividade da conduta; ausência de periculosidade social da ação; reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica referente ao fato estão presentes os requisitos. Referente ao requisito subjetivo – não ser reincidente; – não ser criminoso habitual; militares condições da vitima: extensão do dano e valor sentimental do bem, o acusado não se enquadra em nenhuma dessas hipóteses.
Jurisprudências:
“O Direito Penal não deve se ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor- por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes- não presente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja a integridade da própria ordem social (STF RT 834/477). Distinção entre ínfimo e pequeno valor: este implica, eventualmente, em furto, em furto privilegiado: aquele, na atipica conglobante, dada a mínima gravidade (STJ REsp 470.978/MG)”.
“Valor inexpressivo: na aplicação do principio da insignificância leva-se em conta, ~tão só, o valor da coisa subtraída e nunca a utilidade que propicia ao proprietário ou possuidor, a vista do bem jurídico que se tutela, o patrimônio (STJ HC 23.904/SP)”.
“Não é furto a subtração de bagatela, sem a menor repercussão no patrimônio (TACrSP Julgados 75/229)”.
“Se o valor é juridicamente irrelevante, absolve-se pelo principio da insignificância, que elimina a antijuridicidade (TARS, RT 582/386)”.
“Caracterizada a pequenez do valor do furto, há exclusão da tipicidade, concedendo-se habeas corpus de oficio (STJ RT 721/537)”.
Os tribunais superiores tem o entendimento que a “res furtiva” não pode ser superior a 10% do valor do salário mínimo vigente na época dos fatos, note Ínclitos Julgadores que o valor de R$ 48,00 (quarenta e oito reais) é compatível para aplicação de principio da insignificância, sobretudo, também possuindo os requisitos exigidos para tanto.
Nobres julgadores, o Apelado faz jus à aplicação do referido principio, pois é primário, não é ligado ao crime, possui bons antecedentes, é trabalhador, com quase 60 anos de idade, ou seja, tem uma vida digna não ligada ao crime, afastar ao Apelado a tese preliminar do principio da insignificância, ensejaria uma injustiça.
Ademais, cabe também pleitear a aplicação da bagatela impropria, fundada na causa de extinção da punibilidade que é a natureza jurídica do art. 89 da lei 9.099/95 oferecida pelo Ministério Público/SP de fls. 103 dos autos que foi recusada pelo Apelado por ser inocente da acusação e que foi mostrado em audiência da instrução absolvido por falta de prova.
O fulcro da aplicação da bagatela impropria se consubstancia no caso concreto em razão de não ter uma pena para um furto tentado para um Apelado que possui uma vida ilibada de personalidade não voltada para o crime, razões que fez o Apelante ofertar a suspensão condicional do processo.
O próprio Apelante em suas razões de apelação certifica o preenchimento dos requisitos fls. 214 e testifica a índole do Apelado, bem como, folhas de antecedentes as 31/34 e certidões as fls. 80/81 anexo aos autos, igualmente, o Apelado possuir o direito de a ele ser aplicado o Sursis em caso de reforma da r. sentença do juízo “a quo”.
III – Dos Fatos:
Em que pese a sapiência jurídica do Ilustre Juiz “a quo”, a r. sentença dos autos merece prosperar em sua integridade, vez que está insculpida nos ditames legalmente previstos em consonância com total e pacífico embasamento jurídico e jurisprudencial existente no que tange a falta de provas para condenação, não merecendo guarida o inconformismo do Apelante nas razões alinhavadas em seu recurso interposto.
Investe-se o Apelante contra decisão proferida que lhe foi desfavorável em face da improcedência do pedido de condenação do Apelado no incurso do art. 155, p. 4º, inciso II, cc, art. 14, inciso II ambos do CP, por entender que o Apelado cometeu a infração penal no dia 01/05/2018, por volta das 21h:57m, no município da Boituva na rodovia SP 129, km 17 Jeriva, de fios de cobre 4 quilogramas, mediante escalada.
IV- Do mérito
Cumpre destacar no mérito da referida ação penal que de tão insignificante foi o dano, bem como a incerteza da autoria, que tanto a vitima quanto as testemunhas tiveram que ser intimadas duas vezes e só compareceram, pois se não fossem iriam ser conduzidas coercitivamente.
Em relação a materialidade não há o que questionar, mas a autoria do delito sim fundamentada principalmente no depoimento do Apelado em juízo, bem como, as contradições dos depoimentos das testemunhas de acusação acertadamente destacados na r. sentença do juízo “a quo”.
Vale destacar as seguintes declarações:
Do Apelado: “negou a autoria, disse que estava pescando em Boituva rumo a Iperó, que portava dois alicates pequenos que usa na pescaria, que em seu carro não havia fio de cobre, que possui problemas no braço e jamais conseguiria subir em um poste para cortar fios”.
Vale dizer a idade do Apelado na data dos fatos 58 anos de idade, praticamente um idoso, foi realizada pericia de fls 74/76 dos autos, onde comprovou a altura de 5metros do poste, em se tratando do apelado cumpre salientar que verifica-se uma hipótese de crime impossível, outro argumento que fundamenta a sua não autoria é em relação aos alicates de porte pequeno incapazes de cortar o referido fio de cobre.
Da testemunha de acusação RUAM DE OLIVEIRA COIMBRA:
Em sede de inquérito policial disse: “que surpreendendo o autor, que colocava certa quantidade de cabo de cobre tipo 50 x 100 dentro de um veiculo Belina cor bege, que ao ver-se surpreendido no ato do furto o autor abandonou o cabo no local e empreendeu fuga, (…), que lá encontrando cerca de 4 quilos de cabo cortados …”
Em juízo: “alegou que era vigilante patrimonial e na data dos fatos foi acionado para comparecer no local, pois algum fio havia sido furtado. Ao chegar no local viu o acusado colocando fios no seu porta-malas. Com a aproximação do depoente, o acusado tirou do carro os fios e se evadiu. O depoente entrou em contato com os policiais militares e passou as placas do veículo. O acusado foi detido e levado para a delegacia. Reconheceu o acusado como a pessoa que dispensou os fios. Disse que na delegacia viu o acusa do com um facão, serra e alicates, instrumentos próprios para o corte de fios. Acrescentou que havia cerca de seis kilos de fio e o custo é de R$12,00 por kilo. Não sabe o custo para reparar o cabeamento no local, disse que avistou o Apelado com a res furtiva com lanterna, disse também que seria muito difícil o réu fazer tudo aquilo sozinho em tão pouco tempo.”
Note nobres julgadores a inconsistência e frágil depoimento para uma condenação, pois inseriu em seu testemunho equipamentos que o Apelado não possuía e nem tão pouco foi apreendido pela autoridade policial “facão e serra” especificadamente esses dois objetos, também declara em juízo uma quantidade de cabo furtado maior do que foi apreendido, apreendido 4kg, fala testemunha de acusação em 6kg.
Testemunha de Acusação Leandro Cobatto em sede policial de fls. 06 dos autos nada a destacar, porem em depoimento em juízo: “disse que foi acionado para Ruan e tomou ciência do furto e das características do veículo. Seguiu em patrulhamento, localizou o veículo e abordou o acusado. No veículo havia alicate e faca de cozinha, contudo não se recorda do tamanho da faca e alicates”.
Com a devida vênia, mas não se recordar do tamanho da faca e alicates trata-se de um desrespeito com a verdade e com a justiça não merecendo qualquer credibilidade para eventual reforma da acertada r. sentença do juízo de primeiro grau.
Da instrução o juízo “a quo” concluiu o seguinte:
“Analisando os fatos apresentados, há somente a palavra da testemunha Ruan, que à época dos fatos era funcionário da empresa vítima e disse que teria visto o acusado guardando fios dentro do seu carro. De outro lado, o réu nega que tenha praticado o furto. Disse que tem problemas de saúde que impedem de subir em escada e fazer movimentos para cima com o braço. Além disso, também há inconsistências quanto ao instrumento utilizado para o corte do fio. De um lado, o policial Gobato diz não se recordar do tamanho do alicate e faca apreendidos, de outro lado o réu diz que foram apreendidos dois alicates pequenos, incapazes de cortar fio grosso. Ainda há inconsistência nesse quesito, haja vista que a testemunha Ruan disso que o réu trazia com ele serra e facão, instrumentos que nem ao menos foram apreendidos”.
“Enfim, entendo frágil a versão apresentada pela testemunha e insuficiente para a condenação criminal”.
“Não é demais pontuar o mínimo valor da res furtivae a recuperação pela vítima.”
“Havendo dúvidas, o melhor caminho é a absolvição”.
A defesa técnica conclui o seguinte da instrução:
- Réu praticamente um idoso 59 anos atualmente, 58 anos na data do fato
- Com problemas no braço
- Apetrechos incapazes para o corte do cabo em questão
- Nenhum objeto que o ajudasse na escalada de um poste de 5 metros de altura, conforme pericia.
- Impossibilidade de praticar esse furto sozinho com base na declaração da testemunha Ruan.
- Era noite, ter clara imagem do Apelado com a res furtiva com uma lanterna apenas é dar margem a duvida.
Em suma, com as provas que advieram do todo os autos, bem como, as colhidas na instrução torna o crime impossível em relação a autoria supostamente realizada pelo Apelado. Falta de prova evidente, fundamentada nas provas: pericial, depoimentos: Apelado e testemunhas de acusação (omissos, contraditórios, inconsistentes, frágeis) e objetos apreendidos.
V – Do Fundamentos de Direito:
“Uma condenação não pode estar alicerçada no solo movediço do possível ou do provável, mas apenas no terreno firme da certeza. Assim, em tema de comércio clandestino de entorpecentes, inadmissível a prolação de decreto condenatório com lastro em simples presunção, máxima quando haja interesse policial na incriminação do réu”. (TACRIM – AC – Rel. Silva Franco – JUTACRIM 53/373)
“Estabelecida a dúvida ou perplexidade, a solução é a absolvição do acusado” (RF, 134:526).
Ninguém pode ser condenado por simples presunção, por mais veemente que esta seja, porque, insistimos, a presunção não é prova, já que não leva à convicção.
A dúvida in poenalibus deve ser decidida pro libertate pois, “um culpado punido é exemplo para os delinqüentes, ao passo que um inocente condenado – como corretamente defendeu La Bruyére – constitui preocupação para todos os homens de bem” (JUTACRIM 3/460 – Rel. Azevedo Franceschini)
Sendo conflitante a prova e não se podendo dar prevalência a esta ou àquela versão, é prudente a decisão que absolve o réu (v. in Da Prova no Processo Penal, Adalberto José Q.T de Camargo Aranha, saraiva, 1983, p. 49).
A insegurança da prova não autoriza a prolação de decreto condenatório”. (A. Franceschini, Jurisprudência Penal e Processual Penal, vol. 8, EUD, 1981, p. 301, n 10023).
“A favor do réu é presumida a inocência, até que se demonstre o contrário. Assim, basta que a acusação não promova prova capaz de infundir certeza moral no espírito do julgador, para que obtenha daquela o decreto condenatório” (Idem, p. 306, n 10038).
“Sob pena de cometer possível erro judiciário, não pode o juiz criminal proferir condenação sem certeza total da autoria e da culpabilidade” ( Idem, p. 309, n. 10049)
A prova judiciária, para dar margem a um juízo seguro de reprovação da conduta endereçada a qualquer acusado, com a conseqüente aplicação de pena, há de ser conclusiva e certeira no atinente à autoria e à culpabilidade do agente delitivo. Em outras palavras: não basta um forte grau e probabilismo sobre ter determinada pessoa cometido o crime. Não se compraz, também, para um razoável édito condenatório, com a alta possibilidade de o sujeito incriminado ter sido o autor do fato típico. Tampouco é servível, para recomendar uma pena, um raciocínio presuntivo a respeito da autoria e da culpabilidade criminosas. Juízos tirados diferentemente dessas intelecções atinem ao campo da probabilidade, exteriorizando, quer se queria ou não, incertezas ou dúvidas. E, na dúvida, a melhor solução ainda é julgar-se a favor do réu, sob pena de, de quando em quando, cometerem-se as mais deslavadas injustiças.
Segundo os melhores fundamentos da Lógica, a verdade é demonstrada através de três teorias, a saber:
a) da correspondência; b) da coerência; e, c) da pragmática. A primeira assevera que uma proposição é verdadeira se existente algum fato ao qual corresponda. A segunda atesta que a verdade é atributo de certos sistemas. Uma proposição é verdadeira se estiver inserida como elemento necessário de um todo coerente. Com a terceira, afirma-se que uma proposição é verdadeira na medida em que funcione ou se revele satisfatória.
Pois bem, em se tratando de julgamento penal, vê-se, sem maiores elucubrações, que as referidas teorias não são suficientes para se pontificar à culpabilidade de certo agente. Todas, sem exceção representam um juízo de mera correlação entre determinado fato e um verdade possível, mas, nem sempre real. Às vezes a verdade será hipotética, e quase sempre não justa.
Aliás, diga-se, a propósito, que, sobre a justiça de um juízo, há lição doutrinária secular, saída da pena de Tomás de Aquino.
Para ele, um juízo só é justo quando nele estejam presentes três condições:
a) que advenha de uma inclinação de justiça; b) que proceda de autoridade competente; e, c) que seu pronunciamento tenha sido urdido com a retidão da razão. Na perspectiva, ainda , do propalado doutrinador, se faltante o primeiro desses endereçamentos, o juízo será injusto; se ausente o segundo, haverá usurpação do juízo; e, se omisso o terceiro, representará um juízo temerário.
Em relação à racionalidade do juízo, o conhecido pensador ensina que faltando a certeza racional, é o mesmo que se julgar alguém com base em coisas duvidosas ou ocultas, com absurda prevalência de ligeiras conjecturas (In Suma teológica).
Enfim, para que certo julgamento criminal esteja vinculado à justiça do razoável, é necessário exteriorizar, antes e acima de tudo, uma certeza racional sobre o que decidido a respeito da autoria do delito e acerca da culpabilidade do agente.
Fora disso, sempre representará uma insegurança jurídica ou mera possibilidade de exatidão, que não se aproxima, nem mesmo remotamente, à justiça real, como, decerto, foi idealizada para cobrir os destinos e objetos de Direito Penal.
Estando assim em consonância com a respeitável e valorosa sentença de primeiro grau que não merece ser reformada por argumentos fracos e esdrúxulos do Apelante não condizente com a verdade, doutrina, nem tão pouco com a jurisprudência para eventual acolhimento das razões de apelação.
VI – Dos Pedidos:
1) Pedido Preliminar
Seja acolhida a preliminar suscitada na contrarrazões de apelação interposta pelo Apelado com a ABSOLVIÇÃO FACE AO PRINCIPIO DA INSIGNIFICANCIA PROPRIA OU IMPROPRIA, ENSEJANDO NO NÃO CONHECIMENTO DA APELAÇÃO.
2) Pedido no mérito contrarrazões da apelação
Ante todo o exposto, requer-se caso conhecido o recurso lhe seja negado provimento, mantendo-se a r. sentença por seus jurídicos e legais fundamentos, caso não seja o entendimento de Vossas Excelências seja aplicado ao Apelado o Sursis, visto que preenche os requisitos do art. 77 do Código Penal para tanto.
Termos em que,
Pede deferimento,
Boituva, 25 de novembro de 2019.
XXXXXX
OAB/SP XXX