EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Apelação Criminal nº ………………….
…………….., já qualificado nos autos em referência, por intermédio de sua advogada in fine, vem, com a habitual vênia à presença de Vossa Excelência, opor EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ao v. Acórdão de fls. 3688-3703, nos termos dos artigos 619 e 620 do Código de Processo Penal.
I – DOS FATOS
Trata-se de processo proveniente da Comarca de Piracicaba, no qual o Embargante em epígrafe teve contra ele a acusação da prática do crime previsto no artigo 121, § 2º, incisos I, III e IV e no artigo 211, ambos do Código Penal e, pronunciado, fora submetido a Julgamento Popular e absolvido pelos fatos ocorridos em 06 de fevereiro de 2015.
A acusação narra que a testemunha Alfa – mãe da vítima – Sra. FÁTIMA (a qual dispensou a proteção como testemunha) ficou sabendo por comentários do bairro que ocorreu uma reunião em chácara situada no bairro Água Bonita, onde seria realizado um “debate” contra a vítima, sob a acusação de que ele teria sido “talarico” e, por tal razão, no local a vítima foi agredida e morta.
Após 07 anos para a realização da Sessão Plenária do Júri onde o Embargante foi absolvido, o Ministério Público inconformado com tal desfecho apelou pretendendo ser EDSON fosse submetido a novo Julgamento, alegando que a decisão dos jurados se revelou manifestamente contrária a prova produzida nos autos.
O v. Acórdão deu provimento ao recurso do Ministério Público, anulando a absolvição do Embargante, e determinando que ele seja submetido a novo julgamento pelo Tribunal do Júri.
Contudo, data vênia, o julgado incorre em omissões e contradições, sanáveis pela via dos embargos declaratórios.
II – DAS OMISSÕES E CONTRADIÇÕES
Resta omisso o v. acórdão quanto a declaração do prejuízo da prova oral colhida na fase judicial e que não estava disponível nos autos, “Vídeo 01”, como bem apontou a I. Procuradoria, já que tal prova obtida em plenário do júri não tinha áudio e requerido providências, sendo deferido por decisão às fls. 3.646/3.647.
Contudo, a solicitação em parte foi atendida com a importação de todos os arquivos de áudio para o E-SAJ às fls. 3.651/3.653, porém, justamente quanto ao “Vídeo 01” da prova colhida em Plenário do Júri, certificaram-se defeito na gravação e impossibilidade de recuperação do áudio conforme fls. 3.654.
Ainda que a Defesa não tenha se manifestado expressamente sobre tal vídeo, considerando a anulação do Julgamento do Embargante, resta nítido prejuízo para o Embargante devendo ser expressamente declarada a nulidade no v. acórdão atacado e sanada tal omissão.
Ademais, o v. acórdão é contraditório, pois não se manifesta que o Embargante não é integrante de facção criminosa e não há nada nas interceptações telefônicas que possa sugerir qualquer envolvimento com organização criminosa.
Na época dos fatos, o GAECO desenvolvia investigação criminal sobre crimes praticados pela facção criminosa “PCC – Primeiro Comando da Capital”, e durante o período de interceptação realizada em expediente investigatório próprio, flagrou-se conversas sobre os fatos da morte de Luís Matheus, mas nada vincula ou cita o Embargante ao ocorrido, restando omisso quanto ao não envolvimento do Embargante ao Crime Organizado.
Na transcrição comprovou-se que RONILSON conversou a Sra. FÁTIMA, mãe da vítima, e disse a ela que “Menor” teria agredido “Bicheira” e, por isso, foi “decretada sua morte”, sendo que a Sra. FÁTIMA disse que não queria nada, mas apenas o corpo de seu filho, o que repetiu em reportagem vinculada na mídia juntada às fls. 3235 [1].
Conforme narra a exordial RONILSON teria ordenado a morte da vítima, sem consultar as lideranças regionais da facção e que depois da morte da vítima, houve tentativa de reunião da facção para discutir sobre os fatos sem citação do Embargante EDSON nas interceptações.
Deste modo, o conjunto probatório acumulado nos autos, bem como as circunstancias que envolveram a prática do crime, conferem amplo suporte à deliberação do Conselho de Sentença, o qual escolheu em sua soberania por refutar a tese acusatória e acolher a tese defensiva para absolvição de EDSON, corroborada com a ausência de provas dos autos, da quais referido acórdão não se manifestou e restou omisso.
O Embargante apenas alugou a chácara e por tal razão seu nome foi vinculado como um dos possíveis envolvidos, ressalta-se, ainda, que conforme ata da Sessão Plenária, nota 04: “O doutor Promotor de Justiça e a Defesa de EDSON desistiram das oitivas das testemunhas Alfa, Beta e José Augusto dos Santos, todas presentes por videoconferência, o que foi homologado pelo MM Juiz de Direito” às fls. 3466, e o v. acórdão também não se manifestou sobre tais desistências, e mais uma vez é omisso.
A materialidade delitiva ainda que comprovada pelo laudo de exame necroscópico, resta certo que a autoria do Embargante não restou evidenciada através da prova oral coligida nos autos, especialmente pelas declarações das testemunhas que ainda em sede de inquérito – não narraram com detalhes à dinâmica do crime, diversas contradições ocorreram, que também não foram apreciadas pelo v. acórdão atacado.
O referido v. acórdão também não se manifestou quanto a testemunha BRUNA que diversas vezes citadas neste recurso de apelação, a menina que a vítima LUCAS estava interessado e por ter tido relacionamento com WELLIGNTON teria motivado o crime, contudo, a acusação desistiu de seu depoimento, conforme certidão de fls. 3631.
Ademais, restou omisso o v. acórdão quanto as testemunhas “Alpha” e “Delta” que declararam que não desejavam continuar sob a proteção do Provimento nº 32/2000, sabendo-se que a testemunha Alpha é a mãe da vítima – Sra. FÁTIMA, e a testemunha Delta – Amanda Cristina Santos de Souza, amiga da genitora da vítima (a qual o Ministério Público desistiu de ouvi-la), logo, o depoimento da genitora deve ser visto com ressalvadas já que nada presenciou quanto aos fatos apurados, ficou sabendo apenas por inúmeros boatos sobre o homicídio, conforme também se comprova do vídeo da reportagem juntada às fls. 3235 [2].
A decisão do Conselho de Sentença foi pela absolvição, podendo ser admitida já amparada pela ausência de provas produzidas contra o Embargante, e todas as demais provas produzidas durante a instrução processual não conectam com o crime EDSON.
É fato que algumas testemunhas ouvidas no inquérito policial mencionaram a presença do Embargante na chácara onde teria ocorrido o evento criminoso, entretanto, estas não estavam presentes dentro da casa não sendo apreciado isto no v. acórdão hostilizado, restando-o omisso, uma vez que na sala onde teria ocorrido a discussão que culminou na morte da vítima não visualizaram o que ocorria já que estavam distantes da casa na borda da piscina.
Ademais, tais depoimentos extrajudiciais não individualizaram a conduta de EDSON, deixando de apontar, também, qualquer ato ostensivo do Embargante, apenas foi mencionado sua presença na chácara e este mesmo confirmou que teria alugado a chácara em seu nome por ter sua moral ilibada, sendo certo também que inúmeras pessoas passaram pelo local, porquanto a chácara fora alugada para comemorar as festividades de carnaval naquele ano, o que também resta contraditório o v. acórdão atacado que em nada menciona que inúmeras pessoas passaram pela chácara todos os dias.
Ressalta-se que as testemunhas quando ouvidas sob o crivo do contraditório, não fizeram qualquer tipo de apontamento quanto a sua eventual participação no homicídio pelo Embargante EDSON.
A testemunha KAREN disse que esteve no local de terça a domingo, havia churrasco e bebida para os frequentadores, que estava sob efeito de álcool e drogas, disse que conhecia a vítima e confirmou sua presença na chácara, frisou que a chácara estava sendo grande frequência de pessoas, que havia cerca de quarenta a cinquenta pessoas. Disse que ouviu alguém perguntar se uma pessoa tinha dado um tapa na cara de outra, mas não soube identificá-la, ainda, esclareceu que o som da chácara estava bem alto e negou ter visto manchas de sangue no local dos fatos.
Ouvido em plenário, o Embargante confirmou realmente que esteve em data pretérita em tal chácara, onde a festa se arrastou por vários dias, afirmou que esteve presente junto ao proprietário para a locação da chácara e depois, mas que voltou embora cedo, negando veementemente qualquer participação no delito.
Os documentos juntados pelo próprio Órgão Ministerial que se referem a interceptações telefônicas pelo GAECO socorrem o Embargante, pois em tais interceptações não existem qualquer referência a seu nome ou vulgo como partícipe ou um dos autores do crime que vitimou Luís Matheus Freires da Silva, o que fora considerado pelo Conselho de Sentença e também não se manifestou o v. acórdão hostilizado.
E mais, os documentos juntados pelo Ministério Público que se referem à abordagem feita pela Polícia Militar em veículos que continham elementos que participariam de suposto um “tabuleiro” na cidade de Sumaré/SP, onde integrantes de uma facção criminosa julgariam a conduta de RONILSON, indivíduo este que fora o autor da morte de Luis Matheus sem o “aval” da facção, bem como relata pessoas envolvidas que deveriam estar presentes em tal “debate”, também socorre ao Embargante, e também o v. acórdão restou omisso quanto a isso, pois, como se pode notar, não estava presente em tal abordagem, demonstrando que não faz parte da tal facção e não tem nenhum envolvimento quanto ao crime em que foi julgado e absolvido pelo Tribunal do Júri.
A negativa do Embargante se coaduna com as provas sob o crivo do contraditório, a qual confere verossimilhança a seu depoimento com a verdade real e sendo certa e não provada sua participação pela acusação no crime em questão, sendo o Conselho de Sentença é dotado de soberania e sua decisão somente pode ser cassada nas hipóteses de ser arbitrária ou totalmente antagônica com as provas produzidas, o que não se verifica no presente caso sendo contraditório o v. acórdão quanto a garantia dos vereditos.
Como sabido, o veredito que acolhe qualquer das versões debatidas em plenário, com respaldo nos autos, não pode ser anulado, em respeito ao princípio constitucional da soberania dos vereditos do tribunal do júri (art. 5º, XXXVIII, c, da Constituição de 1988), sendo certo que a anulação do julgamento exige que a deliberação destoe flagrantemente dos fatos apurados, consoante o conjunto probatório produzido.
Ve-se, portanto, que a tese acolhida pelos jurados está amparada em elementos de prova produzidos tanto na fase inquisitorial quanto em juízo, razão por que não se pode falar em decisão manifestamente contrária ao que foi colhido nos autos.
Sobre o tema, é também esse o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo:
“TJSP: ALEGAÇÃO DE JULGAMENTO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIO À PROVA DOS AUTOS – LEGÍTIMA DEFESA – INOCORRÊNCIA – AUSÊNCIA DOS REQUISITOS Somente decide-se pela cassação da decisão emanada do Tribunal do Júri se esta for manifestamente contrária à prova dos autos, ou seja, quando o julgado é arbitrário, escandaloso e totalmente divorciado de todas as provas produzidas. (…) (2014.0000043297, Relator Desembargador Paulo Rossi, julgado em 29/01/2014)”. (g.n.)
Por fim, o v. acórdão atacado é omisso quanto a preliminar da intempestividade do recurso de apelação, pois conforme preconiza o artigo 593 do Código de Processo Penal, “caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias”.
Assim, tendo em vista que o Ministério Público saiu intimado da decisão no dia do Julgamento no dia 09/12/2021 (quinta feira) nos termos da ata de audiência de fls. 3465-3478, verifica-se intempestivo.
Vale lembrar que, no processo penal, além de não haver prazos em dias úteis (mas sim em dias corridos), a contagem do prazo se inicia com o ato em si (seja ele de citação, intimação ou publicação) e não com a juntada aos autos do respectivo mandado, nos termos do art. 798, § 5º a do CPP, alínea b- ou seja, da audiência ou sessão em que for proferida a decisão, se a ela estiver presente à parte. A saber, firmado pelo I. Promotor às fls. 3478.
Além disso, o Embargado às fls. 3532-3533 alegou para embasar sua tese pela tempestividade que de acordo com a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, constitui prerrogativa do seu representante, no exercício da função, além de outras, a de receber intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição tão somente com entrega dos autos com vista. Ora, o Ministério Público saiu intimado conforme assinatura em ata da Sessão de Julgamento do Tribunal do Júri acima, descabida tal alegação, e tal preliminar não foi apreciada no v. acórdão restando omisso quanto a intempestividade do recurso de Apelação do Embargado.
Portanto, o v. acórdão deve ser revisto para seguir um raciocínio coerente de maneira que os seus preceitos trilhem uma sequência lógica e ordenada para a correta conclusão, sem conter nenhum tipo de omissão e/ou contradição, logo, é indispensável que essa Colenda Corte emita um juízo de valor sobre as provas e ausências de provas indicadas pela Defesa, ainda que, se o caso, para refutar os argumentos ali expendidos.
III – PEDIDOS
Como se vê, o v. Acórdão foi omisso e contraditório nos tópicos acima citados, permissa vênia, dando azo ao presente recurso.
Assim, serve o presente instrumento processual para aperfeiçoar a prestação jurisdicional considerando que os demandantes têm direito à entrega da prestação jurisdicional de forma clara e precisa ( CF., art. 93, inc. IX).
Denota-se, na verdade, omissões e contradições quanto a fatores relevantes, devidamente debatidos nos autos e que necessariamente teriam a repercussão necessária para determinação da anulação do julgamento no Tribunal do Júri.
Há de haver exame dos fundamentados estipulados pelo Embargante, justificando, assim, por quais motivos foram desacolhidos, o que não foi feito no presente caso.
Diante do exposto, pleiteia o Embargante o recebimento e procedência destes Embargos de Declaração, a fim de que sejam superadas as omissões e contradições no v. Acórdão atacado, suprindo os vícios apontados, nos termos do artigos 619 e 620 do Código de Processo Penal.
Termos em que,
p. deferimento.
Piracicaba, 19 de setembro de 2022.
….
OAB/SP 329.604