EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 1º VARA CRIMINAL DA COMARCA DE SÃO PAULO– SP
Processo nº …
FULANO DE TAL, já devidamente qualificado nos autos supramencionado, através de seu advogado e procurador infra-assinado (procuração anexa), vem a honrosa presença de Vossa Excelência, interpor
em face da decisão de fls. …, com fundamento nos artigos 382 e 619 do CPP, pelas razões de fato e de direito a seguir aduzidas:
DOS FATOS
O recorrente foi denunciado pelo Ministério Público Estadual, que enquadrou o Sr. Fulano de Tal como traficante de drogas com espeque no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06, pela suposta prática da conduta delituosa descrita em um de seus verbos.
Trazemos à baila, que o magistrado determinou na data de 28 de abril de 2022, uma quinta-feira, a intimação da Defesa do recorrente para que apresentasse a peça processual cabível, perante a defesa preliminar o juiz recebeu a denúncia e determinou que fosse realizado a audiência de instrução e julgamento.
Na referida audiência o juiz tomou como norte as prerrogativas do artigo 57 da Lei nº 11.343/06, o magistrado iniciou as oitivas pelo acusado e na sequência ouviu as testemunhas de acusação e defesa, contrariando o princípio do contraditório e ampla defesa.
Finalizando os procedimentos da audiência de instrução o Ministério Público ofertou suas alegações finais expressa em forma de memoriais pedindo a condenação do acusado pelo crime do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06, na forma do art. 71, do Código Penal brasileiro, e refutou a nulidade por falta de laudo definitivo conforme determina a legislação em análise.
No tocante ao ato dos policiais em adentrar a residência do acusado sem mandado e sem que o mesmo tenha concedido de forma expressa, julgando que tal atitude não passa de mera irregularidade, não passivo de nulidade por parte do juízo.
O magistrado conclui que não é cabível a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º da Lei 11.343/06, devido a quantidade elevada de drogas que fora encontrado em posse do acusado, fixando pena de 5 anos de reclusão, sedo regime inicial fechado devido a equiparação do crime cometido a hediondo, na forma da Lei nº 8.072/90 em seu art. 2º, § 1º.
Perante o recurso de apelação, o magistrado julgou desprovido, o mesmo alegou que o crime de tráfico de drogas privilegiado não é cabível ao caso em análise, porém não se prestou a se quer exarar fundamentação básica para tal.
Diante da contestação no tocante a regime inicial fechado de cumprimento de pena determinado pelo magistrado, o mesmo alegou que este regime encontra-se previsto na legislação brasileira, sendo totalmente cabível a aplicação no julgado, e se portou de forma omissa perante aos demais pedidos impostos pela Defesa.
Sobre esta tese Vossa Excelência não fundamentou a respeito do não cabimento da acusação de crime de tráfico privilegiado apresentado pela defesa, bem como foi omisso na sentença no tocante a pedidos descritos na apelação, fato legalmente refutável, pois cabe ao Juiz apreciar todos os pedidos apresentados pela defesa.
DOS DIREITOS
Recorremos a prerrogativas expressas no art. 382, do Código de Processo Penal, que permite a qualquer das partes solicitar que o magistrado declara a sentença, no prazo de dois dias, nas situações que nela houver obscuridade, ambiguidade, contradição ou conforme verificamos no caso em analise a omissão.
Diante de todos os fatos expostos, e perante a demonstração da inegável violação de direitos constitucionais, apelamos ao princípio do contraditório e ampla defesa bem como o devido processo legal, cabendo ao réu reivindicar seus direitos e apresentar os devidos pedidos legais e contestar todas as acusações, e ter os mesmos analisados pelo juízo, este tem o dever de se pronunciar a respeito, não sendo parte de seu dever a omissão.
Como previsto no art. 93, inciso IX da CF/88, não é admitido a prolação velada de qualquer decisão, e a mesma deve fundamentadamente possuir requisitos mínimos de clareza, coerência, lógica e exaustividade, o não atendimento destes é passivo de impugnação pela parte através de Embargos Declaratórios, permitindo que o magistrado esclareça ou supra eventuais omissões.
Corroborando com a irrefutável necessidade legal de clareza e transparência por parte do juiz ao proferir sua sentença, recorremos ao jurista e professor Renato Marcão que bem coloca em sua doutrina o trecho a seguir descrito:
Toda decisão judicial deve ser clara e precisa. Daí a importância dos embargos de declaração, cuja interposição visa dissipar a dúvida e a incerteza criada pela obscuridade e imprecisão da decisão judicial. (BRASILEIRO, 2020, p. 1840)
Conforme disposto na legislação brasileira, é cabível a parte requerer mediante Embargos de Declaração que seja feito o enfrentamento de pontos qual o julgar foi omisso, para tal recorremos a legislação penal que no art. 619 e 620, § 1º e § 2º desvela o regramento especifico que atenda a situação em análise, como podemos verificar a seguir:
Art. 619. Aos acórdãos proferidos pelos Tribunais de Apelação, câmaras ou turmas, poderão ser opostos embargos de declaração, no prazo de dois dias contados da sua publicação, quando houver na sentença ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão.
Art. 620. Os embargos de declaração serão deduzidos em requerimento de que constem os pontos em que o acórdão é ambíguo, obscuro, contraditório ou omisso.
§ 1º O requerimento será apresentado pelo relator e julgado, independentemente de revisão, na primeira sessão.
§ 2º Se não preenchidas as condições enumeradas neste artigo, o relator indeferirá desde logo o requerimento. (BRASIL, 1941, [s. p.])
Como podemos verificar no artigo mencionado, o caminho legalmente correto para sanar a injusta de decisão exarada pelo magistrado, trata-se dos embargos de declaração, permeando assim ao julgado dentro das conformidades legais e perante a assunção do juiz de falha na decisão corrigindo a mesma.
Em conformidade com nosso entendimento, e salientando legislação aqui exposta, trazemos o acórdão do Superior Tribunal de Justiça que bem ilustra a matéria, in verbis:
PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. AVENTADA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL. PRESENÇA DE MATERIALIDADE E DE AUTORIA DELITIVA. PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA PELA NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA.
I – Nos termos do art. 619 do CPP, serão cabíveis embargos declaratórios quando houver ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão no julgado. Não constituem, portanto, recurso de revisão.
II – Os embargos de declaração poderão ser acolhidos, ainda, para correção de eventual erro material, consoante entendimento preconizado pela doutrina e jurisprudência, sendo possível, excepcionalmente, a alteração ou modificação do decisum embargado.
III – O trancamento da ação penal constitui medida de exceção, justificada apenas quando comprovadas, de plano, sem necessidade de análise aprofundada de fatos e provas, inépcia da exordial acusatória, atipicidade da conduta, presença de causa de extinção de punibilidade ou ausência de indícios mínimos de autoria ou de prova de materialidade.
IV – No caso, o eg. Tribunal de origem, ao analisar o habeas corpus originário, consignou existirem elementos suficientes para a continuidade da ação penal, salientando a presença, ao menos em tese, da materialidade e da autoria delitiva, bem como ausentes quaisquer causas que justificassem o trancamento da ação penal na via do mandamus.
V – Ausente abuso de poder, ilegalidade flagrante ou teratologia, o exame da existência de materialidade delitiva ou de indícios de autoria demanda amplo e aprofundado revolvimento fático-probatório, incompatível com a via estreita do habeas corpus, que não admite dilação probatória, reservando-se a sua discussão ao âmbito da instrução processual.
Embargos de declaração acolhidos, apenas para suprir omissão, nos termos acima delineados, sem efeitos infringentes.
Desta forma, basta que a decisão proferida pelo magistrado não enfrente a todas as teses e pedidos arguidos nos autos pela parte para que o ato se torne passível de embargos declaratório.
No tocante a prerrogativa de diminuição de pena que encontra-se previsto no art. 33, § 4º, deve ser tratado pelo juízo como regra nas situações quais os fatos não envolvam atividade criminosa reiterada, situação está inerente ao caso em análise, bem como a primariedade do acusado e pelos seus bons antecedentes, conforme jurisprudência a seguir transcrita fica bem claro que a quantidade de drogas como fator determinante para o não reconhecimento da minorante não prospera, segue julgado lavrado pelo STJ.
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS PRIVILEGIADO. RECURSO MINISTERIAL. DEDICAÇÃO A ATIVIDADES CRIMINOSAS NÃO DEMONSTRADA. QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA QUE NÃO EXTRAPOLAM O ÂMBITO DE PROTEÇÃO DA NORMA E NÃO PERMITE PRESUMIR QUE O PACIENTE INTEGRAVA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. 24,1G DE COCAÍNA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
- O agravado foi preso em flagrante portando 61 porções de cocaína, com massa líquida de 24,1g e R$ 80,00 (oitenta reais) em espécie.
Circunstâncias que, nos termos da jurisprudência citada, não permitem concluir que o paciente se dedicava a atividades criminosas ou que integrasse organização criminosa. - “A quantidade de droga apreendida não é, por si só, fundamento idôneo para afastamento da minorante do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006” (RHC 138117 AgR, Relator (a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 15/12/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-062 DIVULG /5/4/2021 PUBLIC 6/4/2021).
- Agravo Regimental desprovido. (AgRg no HC 713491, STJ)
Trazemos à baila que a legislação que trata dos regimes de cumprimento de pena, mesmo tratando-se de crime hediondo, mesmo sendo previsto no art. 2, § 1º da Lei nº 8.072/90, este dispositivo é considerado inconstitucional, desta forma o mesmo não tem mais aplicabilidade legal.
Diante da situação relatada, encontra-se pacificada que a individualização das penas é feita pelo Poder Judiciário, desta forma ao legislador não é permitido impor regime de cumprimento de pena, em conformidade com as determinações do art. 2º da CF/88 que determina a separação de poderes.
A Suprema Corte possui entendimento pacificado a respeito da inconstitucionalidade do dispositivo em análise, como podemos verificar no julgado a seguir:
EMENTA Habeas corpus. Penal. Tráfico de entorpecentes. Crime praticado durante a vigência da Lei nº 11.464/07. Pena inferior a 8 anos de reclusão. Obrigatoriedade de imposição do regime inicial fechado. Declaração incidental de inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90. Ofensa à garantia constitucional da individualização da pena (inciso XLVI do art. 5º da CF/88). Fundamentação necessária ( CP, art. 33, § 3º, c/c o art. 59). Possibilidade de fixação, no caso em exame, do regime semiaberto para o início de cumprimento da pena privativa de liberdade. Ordem concedida.
- Verifica-se que o delito foi praticado em 10/10/09, já na vigência da Lei nº 11.464/07, a qual instituiu a obrigatoriedade da imposição do regime inicialmente fechado aos crimes hediondos e assemelhados.
- Se a Constituição Federal menciona que a lei regulará a individualização da pena, é natural que ela exista. Do mesmo modo, os critérios para a fixação do regime prisional inicial devem-se harmonizar com as garantias constitucionais, sendo necessário exigir-se sempre a fundamentação do regime imposto, ainda que se trate de crime hediondo ou equiparado.
- Na situação em análise, em que o paciente, condenado a cumprir pena de seis (6) anos de reclusão, ostenta circunstâncias subjetivas favoráveis, o regime prisional, à luz do art. 33, § 2º, alínea b, deve ser o semiaberto.
- Tais circunstâncias não elidem a possibilidade de o magistrado, em eventual apreciação das condições subjetivas desfavoráveis, vir a estabelecer regime prisional mais severo, desde que o faça em razão de elementos concretos e individualizados, aptos a demonstrar a necessidade de maior rigor da medida privativa de liberdade do indivíduo, nos termos do § 3º do art. 33, c/c o art. 59, do Código Penal.
- Ordem concedida tão somente para remover o óbice constante do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/07, o qual determina que “[a] pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado”. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da obrigatoriedade de fixação do regime fechado para início do cumprimento de pena decorrente da condenação por crime hediondo ou equiparado. (HC 111840, STF)
Diante do exposto fica claro que cabe ao juiz fixar o regime inicial de cumprimento de pena, atendendo as prerrogativas colocadas pelo art. 59 do Código Penal que especifica a respeito do principio da individualização das penas.
Por tratar-se de sentença omissa, conforme pode se verificar nos fatos e legislações expostos anteriormente, ficou bem claro que não houve nenhuma manifestação a respeito da fundamentação na decisão referente ao enquadramento no crime de tráfico privilegiado, a irregularidade ao aplicar o regime de pena com base em legislação inconstitucional demonstrado por jurisprudência pacificada pelo STJ, e perante as omissões em relação aos pedidos impostos pela Defesa.
Perante a tempestividade deste instrumento legal em conformidade com as normativas do Código de Processo Penal, e diante das incontestáveis falhas processuais e materiais, cabe a esta defesa solicitar a este magistrado que atenda as solicitações a seguir descritas.
DOS PEDIDOS
Ex positis, são os presentes embargos de declaração para exorar a Vossa Excelência que se digne conhecê-los, porque tempestivos para, empós intimada a parte adversa para contrarrazoar, dar-lhes integral provimento a fim de sanar os vícios apontados de:
a) Omissão em relação aos pedidos impostos pela Defesa;
b) Omissões quanto fundamentação da dosimetria da pena, em que pede esclarecimentos;
c) Requer sejam conhecidos e providos os presentes embargos com a manifestação a respeito do tema objeto da omissão alegada, bem como a modificação da sentença primeva com vistas à absolvição do embargante.
Requer ainda que sejam empregados efeitos aclaratórios, para que no cabível seja modificado o julgado condenatório em benefício do apenado.
Nestes termos,
Pede deferimento
Local, Data
Advogado/OAB…