Resposta do acusado – estupro de vulnerável, atos preparatórios

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 00ª VARA CRIMINAL DA CIDADE – CE.

FORMULA PEDIDO DE JULGAMENTO ANTECIPADO

ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA – CPP, art. 397, inc. III

ATIPICIDADE DA CONDUTA

Ação Penal

Proc. nº.  ……………………………………

Autor: Ministério Público Estadual

Acusado: Francisco das Quantas

                                                Intermediado por seu mandatário ao final firmado, causídico inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Ceará, sob o nº. 112233, comparece o Acusado, tempestivamente (CPP, art. 396, caput), com todo respeito à presença de Vossa Excelência, para apresentar, com abrigo no art. 396-A da Legislação Adjetiva Penal, a presente

RESPOSTA À ACUSAÇÃO,

evidenciando fundamentos defensivos em razão da presente Ação Penal agitada em desfavor de FRANCISCO DAS QUANTAS, já qualificado na exordial da peça acusatória, consoante abaixo delineado.

1 – SÍNTESE DOS FATOS 

                                                Consta da denúncia que o Acusado, no dia 00 de maio do ano em curso, por volta das 16:45h, abordara sua enteada, com idade de 13 anos e 5 meses, com o propósito de praticar ato sexual. Destaca ainda a peça acusatória que o Réu fora encontrado pela mãe da infante, seminu, na frente dessa, somente de cueca.

                                               Observa mais a peça acusatória que a mãe da vítima já percebia condutas estranhas do Réu. É que esse, rotineiramente, passou a indagar que horas a mesma retornaria do trabalho. Esse comportamento fizera aquela desconfiar da possibilidade de encontro sexual com a filha.

                                               Em conta disso, na data acima mencionada, a mãe da vítima retornara do trabalho mais cedo, justamente com o intento de saber se, verdadeiramente, tal desiderato acontecia. Para sua surpresa e espanto, ao adentrar na casa, chegando ao quarto do casal, encontrou sua filha sentada na cama e o Acusado seminu na frente dessa. De pronto a mesma gritou por socorro. Diante disso, o Réu procurou evadir-se do local. Todavia, não logrou êxito no intento. Populares contiveram-no e, posteriormente, chamaram uma guarnição militar.

                                               Levado à Delegacia, o Acusado fora preso em flagrante delito.                   

                                               Diante disso, o Ministério Público denunciou o Acusado como incurso na pena descrita no art. 217-A c/c art. 14, inc. II, ambos do Estatuto Repressivo.(Prática de ato libidinoso com menor vulnerável, na forma tentada)

2  – NO ÂMAGO DA DEFESA

2.1. Atipicidade da conduta descrita – Ausência de Crime (CP, art. 17)

                                               A peça acusatória delimita que o Acusado encontrava-se “seminu, na frente da infante.” Mais a frente narra que, nesse momento, o mesmo fora surpreendido pela mãe da menor, situação essa que evitou a consumação do crime de ato libidinoso com menor vulnerável.

                                               A conduta do Réu, narrada no quadro fático da peça acusatória, todavia, não traz à tona qualquer tipo legal punível.

                                               É consabido que o ato delituoso tentado reclama ao menos o início da sua execução. Não foi o que aconteceu, certamente. A narrativa acusatória não demonstra minimamente qualquer contato com a infante, muito menos beijos, carícias etc. Nada, absolutamente nada faz crer o início da execução do suposto crime. É dizer, o fato de o Acusado ter sido visto “seminu”, apenas de cueca, nem de longe representa o preâmbulo da perpetração do ato delituoso imputado.

                                               Para a doutrina, e até mesmo para a jurisprudência, a hipótese em estudo é atípica. Os atos meramente preparatórios não são puníveis.

                                               Com esse enfoque, urge salientar o Magistério de Cezar Roberto Bitencourt, in verbis:

“O passo seguinte é a preparação da ação delituosa que constitui os chamados atos preparatórios, os quais são externos ao agente, que passa da cogitação à ação objetiva; arma-se dos instrumentos necessários à prática da infração penal, procura o local mais adequado ou a hora mais favorável para a realização do crime etc. De regra, os atos preparatórios também não são puníveis, apesar de opiniões dos positivistas que reclamam a punição como medida de prevenção . . . “ (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 16ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011, vol. 1, p. 466)

( itálico do texto original )

                                               Com o mesmo sentir, adverte Guilherme de Souza Nucci que:

preparação: é a fase de exteriorização da ideia do crime, através de atos que começam a materializar a perseguição ao alvo idealizado, configurando uma verdadeira ponte entre a fase interna e a execução. O agente ainda não ingressou nos atos executórios, daí por que não é punida a preparação no direito brasileiro (ver nota 29-A supra). “ (NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 13ª Ed. São Paulo: RT, 2013, p. 189)

(sublinhamos)

                                               Imperioso evidenciar a ementa de julgado nesse sentido:

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. SENTENÇA QUE NÃO ANALISOU A POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA. OMISSÃO QUE PODE SER SUPRIDA PELO TRIBUNAL. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DEPOIMENTOS DE POLICIAIS PRESTADOS SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO. VALOR PROBANTE. CONDENAÇÃO MANTIDA. POSSE DE DROGAS PARA USO PRÓPRIO. ABSOLVIÇÃO POR ATIPICIDADE DA CONDUTA. POSSIBILIDADE. 1º RECURSO NÃO PROVIDO, MAS, DE OFÍCIO, ISENTA O APELANTE DAS CUSTAS PROCESSUAIS. 2º RECURSO PROVIDO, COM EXTENSÃO DE EFEITOS AO CORRÉU NÃO APELANTE.

O fato de o julgador singular não ter se manifestado quanto à possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos não acarreta, necessariamente, o reconhecimento da nulidade da decisão, pois o Tribunal pode suprir tal omissão. Não falar em absolvição do acusado, se o material incriminatório constante dos autos é robusto, apresentando-se apto a ensejar a certeza autorizativa para o juízo condenatório. A palavra firme e coerente de policiais militares é reconhecidamente dotada de valor probante, prestando-se à comprovação dos fatos narrados na denúncia sempre que isenta de qualquer suspeita e em harmonia com o conjunto probatório apresentado. Precedentes do STJ. O crime previsto no art. 28, da Lei nº 11.343/06 não admite a forma tentada, isto é, se o apelante pretendia adquirir droga, mas tal pretensão foi impedida pelos policiais, estamos na esfera da cogitação ou, no máximo, restou caracterizado ato meramente preparatório, os quais, como sabido, são impuníveis. Preliminar rejeitada. 1º recurso não provido, mas, de ofício, isenta o recorrente das custas processuais. 2º recurso provido e, em habeas corpus de ofício, estende os efeitos do julgado ao corréu não apelante. (Des. Agostinho Gomes De Azevedo) V.V.P. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. REDUÇÃO DA PENA-BASE. CABIMENTO. INCIDÊNCIA DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 33, §4º, DA Lei DE DROGAS. MODIFICAÇÃO DO REGIME PRISIONAL PARA SEMIABERTO. ADMISSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO EM PARTE. Sendo o réu primário, portador de bons antecedentes e não integrante de organização criminosa, pode ser aplicada a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06.. De acordo com o que foi decidido pela Corte Superior no incidente de uniformização de jurisprudência nº 1.0145.09.558174-3/003, em se tratando do chamado “tráfico privilegiado” (art. 33, § 4º, Lei nº 11.343/06) é possível a fixação de regime mais brando que o fechado para o cumprimento da pena. (Des. Sálvio Chaves) (TJMG – APCR 1.0317.11.017720-9/001; Rel. Des. Agostinho Gomes de Azevedo; Julg. 13/02/2014; DJEMG 21/02/2014)

                                               Além disso, são altamente ilustrativos os julgados abaixo evidenciados, esses tratando especificamente de crime sexual:

APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL ART. 217- A C/C ART. 14, INCISO II E ART. 69, AMBOS DO CÓDIGO PENAL SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DO RÉU. TESE ABSOLUTÓRIA PELA AUSÊNCIA DE PROVAS. PLEITO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO. CABIMENTO. PRÁTICA APENAS DE ATOS PREPARATÓRIOS NÃO PUNÍVEIS. ART. 386, INCISO III DO CP. INEXISTÊNCIA SEQUER DE TENTATIVA DA PRÁTICA DE ATO LIBIDINOSO OU CONJUNÇÃO CARNAL RÉU QUE FEZ CONVITES PARA AS MENINAS MEDIANTE PAGA EM DINHEIRO PARA QUE O ENCONTRASSEM NO RIO E NO MATO. CONVITE NÃO ACEITO. EM UM SEGUNDO MOMENTO CONVIDOU AS VÍTIMAS PARA IREM ATÉ SUA CASA, MOSTRANDO-LHES A GELADEIRA E CONVIDANDO-AS PARA MORAR COM ELE. DEPOIMENTOS DAS VÍTIMAS COERENTES E UNÍSSONOS, NO SENTIDO DE QUE NÃO HOUVE QUALQUER TENTATIVA DE CONTATO FÍSICO DE CARÁTER SEXUAL. RECURSO PROVIDO.

1. Diversas teorias tentam explicar o marco divisório entre atos preparatórios e atos executórios. Há uma linha tênue entre os atos meramente preparatórios (não puníveis) e atos executórios (puníveis). Para fragoso, os atos de execução são aqueles que iniciam o ataque ao bem jurídico tutelado, ou seja, formalmente, é o início de realização da ação típica. Já os atos preparatórios é o que possibilita a prática do crime, mas não constitui, ainda, a execução. 2. Embora haja países que punem os atos desde sua preparação, o ordenamento jurídico pátrio determina que atos meramente preparatórios não são puníveis. Somente merecem sanção os executórios, que, ao não produzirem o resultado, configurarão a tentativa. 3. Atos preparatórios: preparação é aquela forma de atuar que cria as condições prévias adequadas para a realização do delito planejado. 1 4. Autor praticou atos meramente preparatórios ao convidá- las ao rio e ao mato e chamando-as para morar com ele. Não houve aceitação por parte das vítimas, mesmo não compreendendo suas reais intenções. Não houve prática de atos executórios visto que não há qualquer indício de contato físico entre o apelante e as meninas, bem como elas próprias afirmam não terem sido tocadas nem mesmo forçadas a tocá-lo. (TJPR – ApCr 1065865-0; Campina da Lagoa; Terceira Câmara Criminal; Relª Juíza Conv. Simone Cherem Fabrício de Melo; DJPR 14/08/2013; Pág. 587)

APELAÇÃO CRIME. CRIMES SEXUAIS CONTRA VULNERÁVEL. TENTATIVA DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ITER CRIMINIS PERCORRIDO. ATOS MERAMENTE PREPARATÓRIOS. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ABSOLVIÇÃO.

Os elementos de convicção constantes dos autos demonstram que o réu encontrou as vítimas – Com 11 e 14 anos de idade à época do fato – E com estas combinou programa de cunho sexual. Posteriormente, dirigiram-se a motel da cidade e, após o acusado despir-se na frente das ofendidas, foi abordado e preso em flagrante por policiais militares e conselheiro tutelar que, avisados acerca do ocorrido, dirigiram-se até o local. Evidenciado, portanto, que em momento algum foi dado início à execução de delito contra a liberdade sexual das menores, senão que praticados atos meramente preparatórios ao estupro, em qualquer de suas vertentes. Tais, porquanto atípicos, conduzem à absolvição nos termos do inciso III, do artigo 386, do CPP. Precedentes doutrinários no sentido de que os atos executórios, com a adoção da teoria objetivo-formal, são apenas aqueles que iniciam o ataque ao bem jurídico tutelado e põem em andamento a ação típica prevista em Lei, o que inocorre na espécie. Demonstração da existência de consentimento por parte das vítimas à prática de atos libidinosos. Relativização do conceito de vulnerabilidade. Caso em que uma das vítimas revelou, durante oitiva judicializada, que na companhia de suas amigas voluntariamente propuseram ao denunciado fossem para motel, ao que tudo indica atraídas pela curiosidade, para com ele praticar atos libidinosos diversos da conjunção carnal. Declaração que encontra amparo nas palavras do denunciado que confirmou ter sido convidado ao referido programa de cunho sexual. Relativização da vulnerabilidade da adolescente, restando impossível responsabilizar o réu por conduta que, inobstante repulsiva à sociedade, adveio de união de vontades e desígnios entre os envolvidos. Particularidade do caso concreto que, somada à impossibilidade de se analisar a vulnerabilidade pelo critério exclusivamente etário, igualmente impõe absolvição por atipicidade do fato. Apelação provida. (TJRS – ACr 411618-47.2012.8.21.7000; São Francisco de Paula; Sétima Câmara Criminal; Relª Desª Naele Ochoa Piazzeta; Julg. 20/06/2013; DJERS 22/07/2013)

                                               Nesse diapasão, imperiosa a absolvição do Acusado, mais precisamente em razão da ausência de tipicidade penal na conduta visualizada pela acusação. (CPP, art. 386, inc. III)

2.2. Negativa de autoria

                                               Sem sombra de dúvidas inexistiu a conduta delitiva situada pela peça acusatória. Todavia, por desvelo ardente da defesa, sob outro ângulo a acusação não pode prosperar.

                                               É imaginária a hipótese levantada pela Parquet. O fato de o Acusado encontrar-se “seminu”(termo empregado pelo mesmo), nem de longe importa no crime tentado em análise. O Ministério Público parte apenas de deduções. Na verdade, o Acusado encontrava-se somente de cuecas justamente pelo motivo de achar-se no seu ambiente de repouso, no seu lar. A infante, sim, adentrou ao quarto na ocasião que o mesmo estava somente de cueca. Infelizmente a porta do quarto encontrava-se aberta naquele momento.

                                               Ademais, por esse norte, é sensato estipular que o crime em espécie somente admite a forma dolosa.  É dizer, ainda que por descuido o Réu tenha deixado a porta aberta e, por isso, a menor tenha adentrado, esse quadro não representa culpa daquele. E mesmo que fosse um agir com culpa, ainda assim, como ante disto, não haveria crime a imputar.

                                               Em arremate, por mais esse motivo, não assiste razão ao Ministério Público.

3  – EM CONCLUSÃO

                                               Espera-se, pois, o recebimento desta Resposta à Acusação, onde, com supedâneo no art. 397, inc. III, do Código de Ritos, pleiteia-se a ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA do Acusado, em face da atipicidade da conduta delitiva. Não sendo esse o entendimento, o que se diz apenas por argumentar, reserva-se ao direito de proceder em maiores delongas suas justificativas defensivas nas considerações finais, protestando, de logo, provar o alegado por todas as provas em direito processual penal admitidas, valendo-se, sobretudo, dos  depoimentos das testemunhas infra-arroladas.

                                                Sucessivamente, é de se esperar, após a colheita das provas em destaque, o julgamento direcionado a acolher os argumentos da defesa, findando em decisão de mérito absolutória (CPP, art. 386, inc. III).

              Respeitosamente, pede deferimento.

Cidade (CE), 00 de março do ano de 0000.

                       Fulano(a) de Tal

                                               Advogado(a)

ROL TESTEMUNHAL (CPP, art. 401)

01) FULANO .X.X., residente e domiciliado em Cidade (CE), na Av. Des. Moreira, nº. 000, apto. 333;

02) FULANO .X.X., residente e domiciliado em Cidade (CE), na Av. Des. Moreira, nº. 000, apto. 333;

03) FULANO .X.X., residente e domiciliado em Cidade (CE), na Av. Des. Moreira, nº. 000, apto. 333;

04) FULANO .X.X., residente e domiciliado em Cidade (CE), na Av. Des. Moreira, nº. 000, apto. 333;

                                                           Data Supra.                                      

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