Introdução
A Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984), mais conhecida como LEP, é um dos pilares do sistema jurídico brasileiro voltado à efetivação da pena privativa de liberdade. Diferente da fase processual penal, que se concentra na apuração do crime e na responsabilização do acusado, a execução penal se preocupa com a forma como a pena será cumprida, assegurando direitos e impondo deveres ao condenado.
Entre seus diversos dispositivos, o Artigo 21 da LEP estabelece a obrigatoriedade de cada estabelecimento prisional contar com uma biblioteca equipada com livros instrutivos, recreativos e didáticos, para uso de todas as categorias de reclusos. Essa previsão legal, muitas vezes negligenciada, reflete uma das faces mais humanizadoras da legislação: o reconhecimento do acesso à educação e à cultura como instrumentos de ressocialização.
Neste artigo, vamos explorar a fundo o significado do Artigo 21 da LEP, seu contexto histórico, os desafios de sua implementação, sua importância na redução da reincidência, além de trazer exemplos práticos, jurisprudência e um FAQ detalhado.

O Texto Legal
Art. 21. Em atendimento às condições locais, dotar-se-á cada estabelecimento de uma biblioteca, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos.
A leitura do dispositivo deixa claro que a existência de uma biblioteca é uma obrigação legal. Ainda que o texto mencione “em atendimento às condições locais”, essa expressão deve ser compreendida como uma forma de flexibilização do modelo da biblioteca, e não como uma justificativa para a sua ausência.
Em outras palavras, a biblioteca deve existir em todo e qualquer estabelecimento prisional, adaptando-se apenas às condições físicas e estruturais do local.
Contexto Histórico do Artigo 21 da LEP
Na década de 1980, o Brasil enfrentava um período de redemocratização após o regime militar. A promulgação da LEP, em 1984, foi uma das respostas jurídicas a um anseio social de maior respeito aos direitos humanos.
O legislador buscou alinhar a execução da pena ao princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, III, da Constituição Federal de 1988. Assim, incluiu dispositivos que tratam não apenas de segurança e disciplina, mas também de educação, saúde, trabalho e cultura.
O Artigo 21 nasceu nesse contexto: reconhecer que o preso, ainda que privado da liberdade, continua sendo titular de direitos fundamentais, entre eles o de ter acesso ao conhecimento.
A Biblioteca como Instrumento de Ressocialização
1. A Educação como Direito Fundamental
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 205, dispõe que a educação é direito de todos e dever do Estado. Isso inclui a população carcerária. A biblioteca é a materialização desse direito no âmbito prisional.
2. Leitura e Ressocialização
Estudos da UNESCO e do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) demonstram que a leitura é uma ferramenta poderosa de transformação social. Ela contribui para:
- Redução da reincidência;
- Aumento da autoestima do apenado;
- Fortalecimento do senso crítico;
- Melhoria da comunicação e reintegração social.
3. Remição da Pena pela Leitura
A Lei nº 12.433/2011 trouxe a possibilidade da remição da pena pelo estudo e pela leitura. Cada obra lida, acompanhada de resenha ou relatório, pode reduzir a pena em até 4 dias, limitado a 48 dias por ano.
Essa medida transformou a biblioteca em um espaço não apenas cultural, mas também de incentivo prático à leitura, uma vez que pode resultar na diminuição do tempo de prisão.
Obstáculos à Efetividade do Artigo 21

Apesar de sua importância, a realidade mostra que o dispositivo é pouco efetivado no Brasil. Entre os principais desafios estão:
- Superlotação carcerária: segundo o INFOPEN (2023), o Brasil tem mais de 830 mil presos, com estabelecimentos superlotados e sem espaço adequado para bibliotecas.
- Falta de recursos: muitas unidades não recebem investimentos suficientes para montar ou manter bibliotecas.
- Desinteresse político: a educação prisional ainda não é prioridade nas políticas públicas.
- Acervos desatualizados: onde existem, as bibliotecas contam, muitas vezes, apenas com doações desorganizadas.
- Gestão precária: a falta de bibliotecários ou educadores especializados compromete o uso do espaço.
Jurisprudência e Entendimento dos Tribunais
O Judiciário brasileiro já reconheceu a importância do direito à leitura no cárcere. Alguns precedentes relevantes:
- STJ – HC 365.184/SP: reconheceu que o direito à remição pela leitura é uma garantia legal e não pode ser negado arbitrariamente pela administração prisional.
- TJSP – Apelação Criminal nº 000XXXX-94.2017.8.26.0050: entendeu que a falta de estrutura adequada para a biblioteca não pode ser utilizada para negar ao preso o direito à remição.
Essas decisões reforçam que a biblioteca é parte integrante do sistema de execução penal e não um benefício facultativo.
Experiências Bem-Sucedidas
Apesar dos desafios, algumas iniciativas merecem destaque:
- Projeto Remição pela Leitura (PRL) – implementado em diversos estados, como Minas Gerais e São Paulo, em parceria com universidades e ONGs.
- Clube de Leitura em Presídios – em Santa Catarina e Paraná, promove encontros literários entre detentos e professores.
- Bibliotecas itinerantes – iniciativas em que voluntários e instituições levam livros para unidades sem espaço físico adequado.
Essas experiências comprovam que o cumprimento do Artigo 21 é viável e traz resultados positivos.
A Visão Crítica da Sociedade

Parte da sociedade, ainda influenciada por um viés punitivista, questiona a necessidade de bibliotecas em presídios, alegando que o condenado deveria apenas “pagar pelo crime”.
Contudo, a execução penal moderna não se limita à punição. A LEP foi criada sob a ótica da ressocialização. O preso, ao ter acesso à leitura, pode reconstruir sua identidade e se preparar para a vida em liberdade.
Portanto, investir em bibliotecas não é “benefício ao criminoso”, mas uma medida de segurança pública preventiva, que reduz reincidência e promove a paz social.
FAQ – Perguntas Frequentes
1. Todo presídio precisa ter uma biblioteca?
Sim. O Artigo 21 da LEP obriga cada unidade a contar com uma biblioteca, adaptada às condições locais.
2. Quem pode usar a biblioteca?
Todos os presos, independentemente do regime (fechado, semiaberto ou aberto) ou do crime cometido.
3. O que acontece se a unidade não tiver biblioteca?
A ausência da biblioteca representa descumprimento da lei. Em alguns casos, a Defensoria Pública e o Ministério Público podem acionar a Justiça para garantir o direito.
4. Como funciona a remição pela leitura?
O preso lê um livro e elabora uma resenha ou relatório. Após avaliação por comissão, pode ter sua pena reduzida em até 4 dias por obra, respeitado o limite de 12 livros por ano.
5. Quem escolhe os livros disponíveis?
A administração prisional, muitas vezes em parceria com educadores, universidades ou ONGs. Os livros devem ser instrutivos, recreativos e didáticos.
6. É possível doar livros para presídios?
Sim. Muitos presídios aceitam doações, desde que os livros estejam em bom estado e não apresentem conteúdo proibido.
7. A biblioteca pode ser usada para cursos e oficinas?
Sim. Além da leitura individual, a biblioteca pode ser utilizada para atividades educativas, oficinas de escrita e clubes de leitura.
8. O preso é obrigado a usar a biblioteca?
Não. O acesso é um direito, não uma obrigação. Contudo, ao utilizá-la, pode obter benefícios como a remição da pena.
9. Quem fiscaliza a existência de bibliotecas nos presídios?
O Ministério Público, a Defensoria Pública, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e órgãos de fiscalização penitenciária.
10. A biblioteca realmente ajuda na ressocialização?
Sim. Pesquisas mostram que presos que estudam e leem no cárcere têm menores índices de reincidência e maior chance de reinserção social.
Conclusão
O Artigo 21 da LEP reafirma que a execução da pena deve ir além da punição, garantindo ao condenado oportunidades reais de transformação.
A biblioteca no presídio não é apenas um espaço físico com livros, mas um instrumento de dignidade, esperança e ressocialização. Sua implementação efetiva contribui para:
- Reduzir a reincidência criminal;
- Ampliar as perspectivas de reinserção social;
- Cumprir o dever constitucional do Estado em garantir educação e cultura.
Portanto, a aplicação do Artigo 21 deve ser prioridade nas políticas públicas. Afinal, um preso que lê pode se tornar um cidadão que não volta a delinquir.
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