Defesa prévia – art.33 e art. 35

AO MM. JUÍZO DE DIREITO DA 00ª VARA DA COMARCA DE CIDADE/UF

PROCESSO Nº 0000

NOME DO CLIENTE, nacionalidade, estado civil, profissão, portador do CPF/MF nº 0000000, com Documento de Identidade de n° 000000, residente e domiciliado na Rua TAL, nº 00000, bairro TAL, CEP: 000000, CIDADE/UF, vem, respeitosamente, por meio de seu advogado, infra-assinado, devidamente constituído (procuração anexa), apresentar sua

DEFESA PRÉVIA

com fulcro no art. 5º, LV, da Constituição Federal c/c art. 55, § 1º, da Lei nº. 11.343/06, pelo que faz nos seguintes termos:

SÍNTESE DA DENÚNCIA

A inicial acusatória narra que no período compreendido entre MÊS/ANO a MÊS/ANO os corréus – que totalizam dezessete pessoas – teriam se associado para a prática do comércio de substâncias entorpecentes.

Com relação ao ora acusado – FULANO DE TAL -, este supostamente seria o responsável pelo armazenamento do entorpecente.

Ao final, a acusação pede a condenação do acusado nas penas do art. 33, caput, e art. 35 c/c art. 40, incisos III, IV e VI, da Lei 11.343/06.

PRELIMINARMENTE

DA INÉPCIA DA DENÚNCIA

Numa análise preliminar da peça exordial acusatória, tem-se que a mesma é completamente inepta, vez que desobedece o comando insculpido no art. 41 do Código de Processo Penal, pois claramente deixa de expor todas as circunstâncias do suposto fato criminoso.

Código de Processo Penal:

Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas. (destacamos)

Isto porque em relação ao acusado FULANO DE TAL, a acusação o aponta como traficante (art. 33, caput) e associado para o tráfico (art. 35), entretanto, em momento algum traz narrativa e elementos que sustentem essas afirmações, o que dificulta o exercício da ampla defesa e do contraditório.

De forma inaceitável, a denúncia formulada omite ou deixa de indicar diversas informações e circunstâncias que são relevantes, pois apesar de se ter formulado acusação envolvendo os crimes de tráfico e associação ao tráfico, em nenhum momento o parquet narra sequer qual tipo de droga seria comercializada, nem onde seria o local da comercialização, e muito menos indica ao menos alguma pessoa que teria adquirido as prováveis substâncias proscritas pertencentes à inverossímil “associação”.

Nesse sentido, ensina o doutrinador Eugênio Pacelli (Curso de Processo Penal, p. 102, 2017) que “Inepta é a acusação que diminui o exercício da ampla defesa, seja pela insuficiência na descrição dos fatos, seja pela ausência de identificação precisa de seus autores.”

Na mesma linha de se reconhecer a inépcia da denúncia ante a ausência de cumprimento dos requisitos previstos no art. 41 do CPP, colaciona-se o seguinte julgado do STJ:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. INÉPCIA. TRANCAMENTO.

1. É inepta a denúncia que não expõe os fatos imputados ao denunciado que conduziriam ao resultado danoso, pena de responsabilização penal objetiva.

2. Recurso provido para trancar a ação penal em relação ao recorrente.

(Processo RHC 41205 RJ 2013/0328927-1, Orgão JulgadorT6 – SEXTA TURMA

Publicação DJe 14/05/2014, Julgamento6 de Maio de 2014, Relator Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

Portanto, diante dos argumentos supramencionados, conclui-se que a r. Denúncia padece de inépcia, merecendo rejeição por este douto Juízo, nos termos do art. 395, I, do CPP.

DA FALTA DE JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR

Data vênia, inexiste interesse de agir, e por consequência, carece de justa causa a presente ação, ao menos no que tange à denúncia pelo suposto delito de tráfico de drogas (art. 33, caput), pois após longa investigação na esfera da polícia judiciária, a própria autoridade policial não indiciou o acusado pela prática daquele crime, e sim, tão-somente o indiciou pela suposta prática do crime de associação para o tráfico (art. 35).

No relatório do inquérito, a autoridade policial aduz: “Ante o exposto, a autoridade policial apurou que, com suas condutas, ….. , qualificados nos autos, incorreram na prática de fato típico inscrito no art. 35 da Lei 11.343/06.”

Sobre o interesse de agir no processo penal, ensina Norberto Avena (Processo Penal, p. 168. 2017):

“O interesse de agir concerne à presença dos elementos mínimos que permitam ao juiz, ao refletir sobre o recebimento da denúncia ou queixa, concluir no sentido de que se trata de acusação factível.Tais elementos consistem nos indícios de autoria de  que o imputado realmente é autor ou partícipe do fato descrito, bem como na prova da existência do crime imputado. No âmbito da ação penal, este lastro probatório mínimo constitui o fumus boni iuris – aparência do direito à condenação invocado pelo titular da ação penal ao deduzi-la em juízo com vistas a desencadear o jus puniendi do Estado. Ausente a sua demonstração, não será possível ao magistrado verificar a plausibilidade da acusação, devendo, também neste caso, rejeitar a inicial acusatória com fundamento no art. 395, III, do CPP (falta de justa causa para a ação penal).”

Destarte, a denúncia também merece rejeição por ausência de justa causa, desta vez com espeque no art. 395, III, do CPP.

MÉRITO

A acusação que pesa sobre o réu é completamente improcedente, sendo que o objeto ilícito apreendido em sua residência não lhe pertence. Em nenhum momento o réu se associou com quem quer que seja para cometer o crime de tráfico de drogas.

Em verdade, o réu foi vítima dos verdadeiros traficantes da localidade onde aquele reside com sua família, que o obrigaram a permitir que em sua residência fosse guardado material que o acusado sequer tinha conhecimento de que se tratava de drogas e de objetos utilizados para o comércio de entorpecente, só tomando ciência do conteúdo apreendido quando espontaneamente se apresentou à autoridade policial para saber do que estava sendo até então investigado contra a sua pessoa.

O acusado, diante das investidas e imposições dos traficantes da região onde reside, não tinha condições de recusar a ordem, pois tanto a sua vida quanto a de toda a sua família corria o risco de ser ceifada violentamente e a qualquer momento caso a ordem não fosse cumprida.

Falta o elemento subjetivo do tipo, que é o dolo, a consciência de livremente praticar alguma das condutas descritas no tipo penal do art. 33, caput, da Lei de Drogas, sendo que o mesmo vale para o delito de associação para o tráfico, que só pode recair a conduta ao réu que age dolosamente, o que não é o caso do acusado FULANO DE TAL, vez que esse foi intimidado pelos traficantes da localidade para guardar o material ilícito que aquele sequer tinha conhecimento do que seria.

Sobre a necessidade de demonstração do dolo na conduta, ensina Renato Brasileiro de Lima (Legislação Criminal Especial Comentada, p. 729, 2014):

“Os crimes de tráfico de drogas previstos no art. 33 da Lei de Drogas são punidos exclusivamente a título de dolo, ou seja, deve o agente ter consciência e vontade de praticar qualquer dos núcleos verbais constantes do art. 33, ciente de que o faz sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.”

Diante da situação vivida pelo acusado, não restou outra saída a não ser de se submeter à coação moral dos traficantes da localidade onde reside, vez que por diversas vezes foi ameaçado de morte, bem como teve ameaças contra a sua família, caso não cumprisse as determinações de guardar material em sua residência, o que afasta o dolo de sua conduta.

Diante das ameaças, era impossível procurar as autoridades para providências, vez que a periculosidade dos traficantes, somado a completa ineficiência do estado de preservar a vida dos seus cidadãos, poderia ter como consequência a morte do acusado ou a morte de pessoas de sua família como represália, o que infelizmente é comum no mundo da criminalidade, principalmente em locais onde sequer os policiais costumam adentrar, tamanha a violência desses locais.

A coação irresistível está prevista no art. 22 do Código Penal, in verbis:

Art. 22 – Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.

Destarte, no presente caso, merece o acusado ser absolvido sumariamente, com fulcro no art. 397, II, do CPP, que trata da absolvição ante a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente.

Outrossim, em caso de não acolhimento do pedido de absolvição sumária, que ao final da instrução processual, que seja o acusado absolvido, com fulcro no art. 386, VI do Código de Processo Penal.

DOS PEDIDOS

DIANTE DO EXPOSTO, requer:

1) A rejeição da denúncia, com fulcro no art. 395, I e III do CPP;

2) Caso o pedido retro não seja acolhido, requer a absolvição sumária do réu FULANO DE TAL, com fulcro no art. 397, II, do CPP;

3) Caso o pedido retro não seja acolhido, que ao final seja o réu ABSOLVIDO, com fulcro no art. 386, VI, do CPP.

Protesta pela produção de todos os meios de prova admitidos, juntada de documentos e especial para a oitiva das seguintes testemunhas, que deverão ser previamente intimadas:

(…)

Termos em que,

Pede Deferimento.

CIDADE, 00, MÊS, ANO

ADVOGADO
OAB

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