1. Introdução
O direito à privacidade é um dos pilares da liberdade individual em qualquer Estado Democrático de Direito. No Brasil, esse direito é protegido não apenas pela Constituição Federal, mas também por normas infraconstitucionais, como o Artigo 151 do Código Penal, que tipifica a conduta de violar correspondência ou comunicações dirigidas a terceiros.
O Código Penal Brasileiro, instituído pelo Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, é o instrumento central de repressão e prevenção a condutas criminosas. Dentro de seu Título II, que trata dos Crimes Contra a Liberdade Individual, encontra-se a proteção ao sigilo das comunicações e correspondências. Essa previsão não é meramente formal: ela garante que cada indivíduo tenha preservada sua intimidade e sua vida privada, evitando que informações pessoais e sensíveis sejam indevidamente expostas.
A violação de correspondência e comunicações pode ocorrer de diversas formas: abrir carta destinada a outrem, ler mensagens digitais sem autorização, interceptar ligações telefônicas ou instalar equipamentos clandestinos de transmissão. Em todos esses casos, o objetivo é o mesmo: coibir práticas que invadam a esfera íntima da pessoa.
O presente artigo visa explicar em profundidade o Art. 151 do Código Penal, apresentar suas conexões com outros dispositivos legais, destacar a jurisprudência e responder às dúvidas mais comuns, oferecendo uma análise útil tanto para profissionais do direito quanto para o público em geral.

2. Fundamento Constitucional
A Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, XII, estabelece de forma clara a inviolabilidade das comunicações:
“é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.”
Essa norma constitucional deixa evidente que:
- Correspondência e comunicações telegráficas ou de dados são invioláveis em qualquer circunstância, sem exceção.
- Comunicações telefônicas podem ter o sigilo quebrado somente com autorização judicial e para fins de investigação criminal ou instrução penal.
O Art. 151 do CP é, portanto, a concretização penal dessa garantia constitucional, criando sanções específicas para quem violar tais direitos.
3. Texto Legal e Análise Detalhada
O Art. 151 do Código Penal prevê:
Caput – Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem:
Pena – detenção, de 1 a 6 meses, ou multa.
O verbo devassar significa violar, abrir ou tomar conhecimento de algo reservado. A lei exige que a correspondência esteja fechada e endereçada a outra pessoa, para que se configure o crime. Se a carta estiver aberta ou for destinada ao próprio agente, não há crime.
§ 1º – Condutas Equiparadas
O § 1º amplia a tipificação para outras condutas:
I – Sonegação ou destruição de correspondência
Quem se apossa indevidamente de correspondência alheia, mesmo não fechada, e a sonega ou destrói, incorre na mesma pena.
II – Violação de comunicação telegráfica, radioelétrica ou telefônica
Divulgar, transmitir a outrem ou utilizar abusivamente comunicação dirigida a terceiro, ou conversação telefônica entre outras pessoas.
III – Impedimento de comunicação
Impedir que a comunicação ou conversação se realize.
IV – Instalação ou uso irregular de estação/aparelho radioelétrico
Instalar ou utilizar estação ou aparelho radioelétrico sem observância das normas legais.
§ 2º – Causa de Aumento de Pena
Se houver dano para outrem, as penas aumentam-se de metade.
§ 3º – Abuso de Função
Se o crime é cometido com abuso de função em serviço postal, telegráfico, radioelétrico ou telefônico:
Pena – detenção, de 1 a 3 anos.
§ 4º – Procedimento Processual
O crime, em regra, depende de representação da vítima para ser processado, exceto:
- No § 1º, inciso IV (uso irregular de estação/aparelho radioelétrico)
- No § 3º (abuso de função)
4. Importância Jurídica
A norma do art. 151 CP garante:
- Proteção à intimidade e à vida privada
- Segurança nas comunicações
- Confiança no sistema postal e de telecomunicações
- Repressão a abusos no exercício de funções públicas ou privadas
Sem essa proteção, a sociedade ficaria vulnerável a práticas de espionagem, chantagem e fraude.

5. Diferenças Entre Violação de Correspondência e Interceptação Telefônica
Violação de correspondência → Envolve acesso indevido a comunicações já enviadas ou recebidas (cartas, e-mails impressos, documentos).
Interceptação telefônica → Regida pela Lei nº 9.296/1996, consiste na captação de comunicação telefônica em tempo real, com autorização judicial.
6. Exemplos Práticos
- Abrir correspondência bancária de outra pessoa
- Ler cartas de familiares sem consentimento
- Divulgar gravação de telefonema alheio
- Instalar escuta clandestina no trabalho
- Impedir propositalmente a entrega de um telegrama
7. Aspectos Processuais
- Em regra, é crime de ação penal pública condicionada à representação.
- Pode tramitar nos Juizados Especiais Criminais, quando pena máxima não superar 2 anos.
- Cabe transação penal ou suspensão condicional do processo, conforme requisitos da Lei nº 9.099/1995.
8. Jurisprudência Selecionada
- STJ – RHC 51.531/SP: Reconheceu crime de violação de correspondência em abertura de carta bancária destinada a outrem.
- STF – HC 91.867: Reforçou que interceptações telefônicas sem autorização judicial são ilícitas.
9. Conexão com Outras Normas
- Lei nº 9.296/1996 – interceptações telefônicas
- Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) – proteção de comunicações online
- LGPD (Lei nº 13.709/2018) – tratamento e proteção de dados pessoais
10. Conclusão
O Art. 151 do Código Penal é essencial para garantir a inviolabilidade das comunicações e preservar a privacidade. Ele se articula com normas constitucionais e leis específicas, protegendo a sociedade contra práticas abusivas.
Qualquer pessoa que se sinta vítima dessa violação deve buscar orientação jurídica e acionar os mecanismos legais disponíveis.

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11. FAQ – Perguntas Frequentes
1. Ler mensagens de WhatsApp de outra pessoa é crime?
Sim, se for feito sem consentimento e com intuito de devassar a intimidade, pode configurar violação de correspondência ou de comunicação.
2. E-mails também são protegidos pelo Art. 151 CP?
Sim, desde que se trate de correspondência eletrônica privada, equiparada à carta.
3. Quando a polícia pode interceptar ligações?
Somente com autorização judicial e para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
4. É crime impedir que alguém receba sua carta?
Sim, se houver sonegação ou destruição indevida.
5. A violação de correspondência é sempre punida?
Depende de representação da vítima, salvo nas hipóteses do § 1º, IV, e do § 3º.
6. O que é abuso de função?
Quando o agente usa seu cargo em serviços postais ou de telecomunicações para cometer o crime.
7. Cabe prisão preventiva nesses casos?
Geralmente não, pois são crimes de menor potencial ofensivo, mas pode haver prisão em flagrante.
8. Posso processar civilmente quem violou minha correspondência?
Sim, é possível pedir indenização por danos morais e materiais.
9. Cartas abertas também são protegidas?
Sim, se forem sonegadas ou destruídas.
10. A gravação de conversa sem consentimento é crime?
Depende: se o gravador participa da conversa, não é crime; se é terceiro, sem autorização judicial, é ilícito.