Introdução
O Acordo de Não-Persecução Penal (ANPP), introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei nº 13.964/2019, conhecida como “Pacote Anticrime”, trouxe uma nova perspectiva para a resolução de conflitos na seara criminal. Esse instituto permite que o Ministério Público, antes do oferecimento da denúncia, proponha um acordo ao investigado, desde que este confesse formal e circunstancialmente a prática do delito e cumpra certas condições. Nesse contexto, o papel do advogado ganha especial relevância como garantidor dos direitos fundamentais do investigado e como negociador das cláusulas do acordo.
O Advogado como Orientador e Protetor dos Direitos do Investigado
Desde o início das tratativas para um possível Acordo de Não-Persecução Penal, o advogado desempenha um papel crucial como orientador e protetor dos direitos do investigado. A presença do advogado é indispensável para assegurar que o investigado tenha pleno conhecimento das implicações do acordo, dos direitos que está disposto a abrir mão e das obrigações que assumirá.
O art. 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal, garante ao preso o direito à assistência de advogado, princípio que se estende ao investigado no ANPP. O Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994), em seu art. 7º, estabelece como direito do advogado a comunicação com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis.
Assim, o advogado deve estar presente em todas as etapas da negociação do acordo, garantindo que o investigado não seja coagido ou pressionado a aceitar condições desfavoráveis ou desproporcionais. Cabe ao advogado esclarecer as consequências do acordo, os direitos que estão sendo negociados e as vantagens e desvantagens de sua celebração.
O Advogado como Negociador das Cláusulas do Acordo
Além de orientar e proteger os direitos do investigado, o advogado desempenha um papel fundamental como negociador das cláusulas do Acordo de Não-Persecução Penal. O art. 28-A do Código de Processo Penal, introduzido pela Lei nº 13.964/2019, estabelece as condições que podem ser estipuladas no acordo, como a reparação do dano, a prestação de serviços à comunidade, o pagamento de prestação pecuniária e a renúncia voluntária a bens e direitos.
Cabe ao advogado, em conjunto com o investigado, analisar a proposta apresentada pelo Ministério Público e negociar cláusulas mais favoráveis e adequadas à situação concreta. O advogado deve buscar um equilíbrio entre os interesses do investigado e as exigências legais, sempre pautado pela proporcionalidade e pela razoabilidade.
Nessa negociação, o advogado pode propor alterações nas condições sugeridas, como a redução do valor da prestação pecuniária, a substituição da prestação de serviços à comunidade por outras medidas, a delimitação dos bens a serem renunciados, entre outras. O objetivo é alcançar um acordo justo e adequado, que atenda aos anseios do investigado e esteja em conformidade com os princípios do Estado Democrático de Direito.
O Advogado como Fiscal do Cumprimento do Acordo
Celebrado o Acordo de Não-Persecução Penal e homologado pelo juízo competente, o advogado passa a desempenhar o papel de fiscal do cumprimento das cláusulas pactuadas. Cabe ao advogado acompanhar o investigado no adimplemento das obrigações assumidas, orientando-o e auxiliando-o sempre que necessário.
O advogado deve estar atento aos prazos estabelecidos no acordo e às condições impostas, zelando pelo seu cumprimento integral. Em caso de descumprimento, o advogado deve ser prontamente comunicado para que possa tomar as medidas cabíveis, seja para renegociar as cláusulas, seja para apresentar justificativas ao Ministério Público e ao juízo competente.
Além disso, o advogado deve fiscalizar a atuação do Ministério Público, garantindo que este também cumpra com as obrigações assumidas no acordo, como a não propositura da ação penal em caso de cumprimento integral das condições pactuadas.
O Advogado como Defensor dos Direitos Fundamentais
Em todo o processo de negociação e cumprimento do Acordo de Não-Persecução Penal, o advogado atua como defensor dos direitos fundamentais do investigado. Isso significa que o advogado deve zelar pela observância dos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório, da presunção de inocência, da individualização da pena, entre outros.
O advogado deve estar atento a eventuais abusos ou excessos por parte do Ministério Público, questionando cláusulas desproporcionais ou que violem direitos fundamentais do investigado. Caso o acordo proposto seja manifestamente ilegal ou abusivo, cabe ao advogado orientar o investigado a não aceitá-lo e a buscar outras alternativas de defesa.
Além disso, o advogado deve assegurar que o investigado tenha plena consciência dos efeitos do acordo, especialmente no que tange à renúncia ao direito de não autoincriminação e à impossibilidade de propositura de ação civil para discussão dos fatos objeto do acordo. O advogado deve esclarecer que a confissão é requisito para a celebração do ANPP e que, uma vez homologado pelo juízo competente, o acordo terá valor de título executivo judicial, não podendo ser questionado em outras esferas.
O Advogado como Garantidor da Voluntariedade do Acordo
Um dos aspectos mais importantes do Acordo de Não-Persecução Penal é a voluntariedade do investigado em sua celebração. O art. 28-A, § 4º, do Código de Processo Penal, estabelece que o juiz só poderá homologar o acordo se verificar sua legalidade, regularidade e voluntariedade.
Nesse contexto, o advogado desempenha um papel crucial como garantidor da voluntariedade do investigado. Cabe ao advogado certificar-se de que o investigado está celebrando o acordo de livre e espontânea vontade, sem qualquer tipo de coação, pressão ou ameaça. O advogado deve assegurar que o investigado compreende plenamente as implicações do acordo e que está disposto a assumir as obrigações pactuadas.
Caso o advogado perceba qualquer indício de que a vontade do investigado está sendo viciada ou que este está sendo induzido a aceitar um acordo desfavorável, deve orientá-lo a não prosseguir com a celebração do ANPP e buscar outras estratégias de defesa.
Conclusão
O Acordo de Não-Persecução Penal, introduzido pela Lei nº 13.964/2019, trouxe uma nova dinâmica para a resolução de conflitos na esfera criminal, permitindo que investigados confessem a prática de delitos e cumpram condições estabelecidas em troca da não propositura da ação penal. Nesse contexto, o advogado desempenha um papel fundamental como garantidor dos direitos fundamentais do investigado e como negociador das cláusulas do acordo.
Desde a orientação inicial sobre as implicações do ANPP até a fiscalização do cumprimento das obrigações pactuadas, o advogado atua como defensor dos interesses do investigado, zelando pela observância dos princípios constitucionais e pela voluntariedade do acordo. Cabe ao advogado analisar criticamente a proposta apresentada pelo Ministério Público, negociar cláusulas mais favoráveis e adequadas, e assegurar que o investigado tenha plena consciência dos efeitos do acordo.
Somente com a atuação diligente e comprometida do advogado é que o Acordo de Não-Persecução Penal pode se concretizar como um instrumento de justiça negocial, capaz de trazer benefícios para o investigado, para a vítima e para a sociedade como um todo. O advogado, como indispensável à administração da justiça (art. 133 da Constituição Federal), assume um papel de protagonismo na construção de uma justiça criminal mais célere, eficiente e garantista.
Referências:
Constituição Federal de 1988
Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689/1941)
Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime)
Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia)
ARAS, Vladimir. O acordo de não persecução penal após a lei 13.964/2019. In: CAVALCANTE, André Clark Nunes et al. (Org.). Lei anticrime comentada. LEME: JH Mizuno, 2020.
SOUZA, Renee do Ó. Acordo de não persecução penal: o papel do advogado na defesa dos direitos fundamentais do investigado. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 28, n. 171, p. 253-283, set. 2020.
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