Artigo 6º do Código de Processo Penal Militar Estudo da Aplicação na Justiça Militar Estadual1

Artigo 6º do Código de Processo Penal Militar: Estudo da Aplicação na Justiça Militar Estadual

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Introdução

O Código de Processo Penal Militar (CPPM), instituído pelo Decreto-Lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969, estabelece o conjunto de normas processuais aplicáveis aos crimes militares definidos na legislação penal castrense. No contexto federativo brasileiro, onde coexistem estruturas de Justiça Militar da União e dos Estados, torna-se imprescindível definir o alcance do CPPM em relação à Justiça Militar Estadual.

É nesse cenário que se insere o artigo 6º do CPPM, que disciplina a aplicação subsidiária do código aos processos da Justiça Militar Estadual, fixando critérios claros para essa aplicação, bem como as exceções quanto à organização da justiça, aos recursos e à execução de sentença.

O presente artigo tem como objetivo analisar de forma aprofundada a redação, o alcance e a importância do artigo 6º, destacando suas implicações práticas, sua compatibilidade com os princípios constitucionais e os efeitos sobre a atuação da Justiça Militar dos Estados no julgamento de crimes praticados por policiais militares e bombeiros militares.


1. Texto do Artigo 6º do CPPM

Art. 6º. Obedecerão às normas processuais previstas neste Código, no que forem aplicáveis, salvo quanto à organização de Justiça, aos recursos e à execução de sentença, os processos da Justiça Militar Estadual, nos crimes previstos na Lei Penal Militar a que responderem os oficiais e praças das Polícias e dos Corpos de Bombeiros, Militares.


2. Estrutura Dual da Justiça Militar no Brasil

2.1. Justiça Militar da União e dos Estados

A Constituição Federal de 1988 prevê, em seu artigo 124, que compete à Justiça Militar da União julgar os crimes militares definidos em lei e que envolvam os integrantes das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica). Já o artigo 125, §4º, trata da Justiça Militar dos Estados, atribuindo-lhe a competência para processar e julgar os militares estaduais (policiais militares e bombeiros militares) nos crimes militares definidos em lei.

Dessa forma, há duas esferas distintas da Justiça Militar no Brasil:

  • Justiça Militar da União: vinculada à estrutura da União e dirigida pelo Superior Tribunal Militar (STM).
  • Justiça Militar Estadual: vinculada aos Tribunais de Justiça dos Estados, composta por juízes de direito e, nos tribunais, por juízes militares.

2.2. A lacuna normativa na Justiça Militar Estadual

Ao contrário da Justiça Militar da União, que possui legislação própria e sistematizada (como o CPPM), a Justiça Militar Estadual não possui um código de processo penal militar próprio. Por isso, o legislador optou por prever a aplicação subsidiária do CPPM federal aos processos da Justiça Militar dos Estados, conforme se observa no artigo 6º.


3. Aplicação Subsidiária do CPPM na Justiça Militar Estadual

3.1. Alcance da expressão “no que forem aplicáveis”

O artigo 6º determina que as normas do CPPM devem ser obedecidas pela Justiça Militar Estadual, no que forem aplicáveis. Essa expressão revela o caráter subsidiário e adaptável da norma, permitindo a adequação da disciplina processual à realidade estadual.

Ou seja, as regras processuais do CPPM servem de parâmetro principal, salvo nos aspectos em que a própria Constituição Federal, a legislação estadual ou a realidade institucional dos Estados determinem outro regime.

3.2. A exceção quanto à organização de justiça, aos recursos e à execução

A parte final do artigo 6º delimita o campo de incidência do CPPM ao excluir três aspectos da sua aplicação automática na Justiça Militar Estadual:

  • Organização de Justiça: refere-se à composição dos órgãos judicantes, à nomeação e investidura de magistrados, e à estrutura funcional dos tribunais estaduais. Cada Estado organiza sua Justiça Militar conforme sua legislação e Constituição Estadual.
  • Recursos: a sistemática recursal da Justiça Militar Estadual pode seguir as regras do Código de Processo Penal comum ou do regimento interno dos tribunais estaduais.
  • Execução de Sentença: a forma de execução penal nos Estados pode seguir a Lei de Execução Penal (LEP) e os procedimentos estaduais, especialmente diante da inexistência de presídios militares estaduais próprios.

4. Importância da Norma para o Sistema de Justiça Militar Estadual

4.1. Uniformização procedimental

A aplicação do CPPM pela Justiça Militar Estadual contribui para a uniformização dos procedimentos em todo o território nacional, evitando discrepâncias processuais entre Estados da Federação.

Essa uniformidade é importante não apenas para garantir segurança jurídica, mas também para manter um padrão de garantias processuais para os militares estaduais acusados de crimes militares.

4.2. Preenchimento de lacunas legislativas

A ausência de legislação processual penal militar estadual específica poderia gerar um vácuo normativo, comprometendo o devido processo legal. O artigo 6º supre essa lacuna, permitindo que o CPPM seja usado como legislação supletiva, garantindo a continuidade do exercício da jurisdição militar estadual.


5. Natureza Jurídica da Aplicação “No Que For Aplicável”

5.1. Interpretação conforme as peculiaridades estaduais

A expressão “no que forem aplicáveis” admite interpretação conforme as peculiaridades administrativas, institucionais e jurídicas de cada Estado. Assim, a aplicação do CPPM é adaptável, desde que respeitado o núcleo essencial do devido processo legal e das garantias fundamentais.

5.2. Princípio da subsidiariedade

A natureza subsidiária do artigo 6º revela que, na ausência de norma específica estadual ou conflito de normas, deve-se aplicar o CPPM. Essa diretriz evita omissões e oferece uma fonte segura de regras procedimentais.


6. Crimes Militares de Competência da Justiça Militar Estadual

6.1. Crimes previstos na Lei Penal Militar

O artigo 6º delimita a aplicação do CPPM aos crimes previstos na Lei Penal Militar, ou seja, ao Decreto-Lei nº 1.001/1969 (Código Penal Militar). A Justiça Militar Estadual julga os crimes militares definidos nessa legislação quando cometidos por:

  • Oficiais da Polícia Militar
  • Praças da Polícia Militar
  • Bombeiros Militares

6.2. Jurisprudência sobre o tema

O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça reconhecem a aplicação do CPPM à Justiça Militar Estadual em caráter supletivo, desde que respeitadas as normas constitucionais estaduais e os princípios fundamentais do processo penal.


7. Autonomia da Organização Judiciária dos Estados

7.1. Princípio federativo

Cada Estado da Federação tem autonomia para organizar sua Justiça Militar conforme as suas necessidades, estrutura e legislação local, o que justifica a exceção expressa do artigo 6º quanto à “organização da justiça”.

7.2. Constituição Estadual e Leis Orgânicas

A Justiça Militar Estadual deve observar as normas contidas na Constituição Estadual e na respectiva Lei de Organização Judiciária, inclusive quanto à criação de cargos, composição de tribunais e competências dos juízes militares e civis.


8. Sistema Recursal e Execução Penal nos Estados

8.1. Recursos: uso do CPP subsidiário ou do CPP comum?

Em muitos Estados, a sistemática recursal da Justiça Militar Estadual segue o Código de Processo Penal comum (Decreto-Lei nº 3.689/1941), por ser mais amplo e detalhado quanto aos recursos. Em outros casos, são criadas normas locais ou adotadas soluções híbridas.

O artigo 6º permite essa variação, ao excluir os recursos da aplicação automática do CPPM.

8.2. Execução penal militar estadual

A execução da pena, especialmente a privativa de liberdade, enfrenta obstáculos logísticos nos Estados, que muitas vezes não possuem estabelecimentos penais militares próprios. Por isso, os condenados cumprem pena em estabelecimentos civis, conforme a LEP e regras estaduais.

A exclusão da execução do alcance do CPPM, prevista no artigo 6º, visa respeitar essa realidade administrativa.


9. Críticas e Desafios

9.1. Ausência de codificação estadual

Embora a aplicação do CPPM na Justiça Militar Estadual seja funcional, a ausência de um código processual estadual específico gera críticas quanto à insuficiência normativa e à dependência excessiva da norma federal.

9.2. Dificuldades interpretativas

A interpretação do que é “aplicável” ou não pode gerar insegurança jurídica, especialmente em Estados com maior complexidade ou volume de processos militares. Julgadores e advogados precisam recorrer à jurisprudência para interpretar corretamente os limites do artigo 6º.


10. Considerações Finais

O artigo 6º do Código de Processo Penal Militar representa uma solução legislativa inteligente e pragmática, ao permitir a aplicação do CPPM aos processos da Justiça Militar Estadual, de forma subsidiária, adaptável e respeitosa às autonomias estaduais.

Ao mesmo tempo, estabelece as devidas exceções, preservando a organização judiciária, o sistema recursal e a execução da pena conforme as peculiaridades locais. Trata-se de uma norma que garante coerência, segurança jurídica e efetividade ao exercício da jurisdição militar estadual, mesmo diante das diferenças regionais e institucionais existentes no país.

Sua correta interpretação e aplicação são essenciais para o equilíbrio entre o respeito à autonomia dos Estados e a necessidade de uniformização procedimental, contribuindo para a consolidação de uma justiça militar mais eficiente, justa e respeitadora dos direitos fundamentais dos militares estaduais.


FAQ – Perguntas Frequentes sobre o Artigo 6º do CPPM

1. O Código de Processo Penal Militar é aplicado integralmente na Justiça Militar Estadual?

Não. Ele é aplicado subsidiariamente, “no que for aplicável”, exceto nas questões relativas à organização da justiça, aos recursos e à execução da sentença.


2. O que significa “no que for aplicável”?

Significa que o CPPM deve ser usado como referência principal, mas pode ser adaptado ou substituído por normas estaduais específicas ou normas do processo penal comum, quando necessário.


3. Quais militares são julgados pela Justiça Militar Estadual?

Oficiais e praças das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares, quando cometem crimes previstos na Lei Penal Militar (CPM).


4. A organização da Justiça Militar Estadual pode ser diferente da Justiça Militar da União?

Sim. Cada Estado possui autonomia para definir sua organização judiciária, conforme a Constituição Estadual e suas leis orgânicas. Essa autonomia é respeitada pelo artigo 6º.


5. Os recursos em processos militares estaduais seguem o CPPM?

Não necessariamente. Os recursos não estão sujeitos à aplicação automática do CPPM. Os Estados podem adotar o CPP comum ou normas próprias para o sistema recursal.


6. E a execução da sentença? Segue o CPPM?

Não. A execução penal na Justiça Militar Estadual segue a Lei de Execução Penal (LEP) e a realidade administrativa de cada Estado, especialmente em razão da ausência de presídios militares em muitos locais.


7. O artigo 6º viola o princípio do devido processo legal?

Não. Ao contrário, ele assegura o devido processo legal, ao evitar lacunas normativas e garantir que os militares estaduais tenham um procedimento regulado e seguro, respeitando a Constituição e as peculiaridades locais.

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