EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA XX VARA CÍVEL DA COMARCA DE XXX
Processo nº xxxxxx
XXXX, já qualificado nos autos em epígrafe, neste ato representado por sua genitora, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, por sua advogada que esta subscreve, conforme procuração em anexo, apresentar sua DEFESA PRÉVIA nos termos da Lei nº 8.069/1990 ( ECA), art. 186, § 3º, pelas razões de fato e fundamentos: que passa a dispor.
DOS FATOS
Trata-se de suposta prática dos atos infracionais de homicídio doloso e tráfico de drogas, previstos nos art. 121, do Código Penal e art. 33, da Lei nº 11.343/2006
Segundo consta na representação, o jovem teria participado da prática de atos infracionais análogos aos crimes de homicídio qualificado e tráfico de drogas juntamente com outros dois adultos, quais sejam, XXXXX e XXXX, uma vez que, em 06/05/2022, teria efetuado diversos disparos de arma de fogo contra XXXXX, vítima fatal.
O representado foi detido em flagrante juntamente com os dois adultos, acima mencionados. Em sede de oitiva policial, O ADOLESCENTE confessou que os entorpecentes encontrados eram sua propriedade, confirmando, ainda, em sede de audiência de apresentação que todas as substâncias ilícitas eram para o seu consumo pessoal, sendo ele o possuidor.
Após realizados todos os procedimentos padrões para este caso, o Ministério Público ofereceu representação contra o adolescente ocasião em que foi solicitado a decretação da sua internação provisória, sendo esta recebida pelo juízo do XXX Núcleo Regional.
Ato contínuo, o adolescente foi encaminhado para internação provisória a qual se deu no XXXXXX, localizado na cidade de XXXX, onde lá ficou durante o período de 45 (quarenta e cinco) dias, sendo, pois, liberado, ante a ausência do Membro do Ministério Público (fls. XX) na data da audiência de representação designada para o dia XX/XX/XX.
DA VERACIDADE DOS FATOS
O ADOLESCENTE, é menor, com XX anos de idade que possui uma família bem constituída, reside com sua mãe que trabalha como empregada doméstica. O adolescente está devidamente matriculado na XXXXX, situada na XXXXX, cursando o X ano do Ensino Fundamental no turno da manhã, conforme Declaração em anexo.
É importante mencionar que, após a apreensão em flagrante, o adolescente foi conduzido na mesma viatura com os outros dois supostos autores do ato infracional acima tipificado ocasião em que, todos os envolvidos tinham ciência de que O ADOLESCENTE é menor de idade.
Ainda na fase inquisitorial, o representado nega a autoria do homicídio e, conforme depoimento da testemunha XXXXX (fls. XX), após a apreensão, ainda quando eles estavam na viatura, ouviu quando o “FULANO” pediu para que o menor assumisse o homicídio senão iria ficar ruim para ele”.
Tal fala, Excelência, carrega um cunho de ameaça uma vez que, por ser o único menor apreendido em flagrante e, por ele ser amparado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, teoricamente, seria “beneficiado” com uma pena menor do que os adultos envolvidos.
Pois, como de ciência de muitos, a conduta de usar o menor como “bode expiatório” de um grupo é costumeiramente empregada com o intuito de diminuir ou até eximir a responsabilização penal dos demais envolvidos que já tenham atingido a maioridade penal.
Ressalta, ainda, que o ADOLESCENTE não possui nenhuma anotação criminal, sendo primário e de bons antecedentes, portanto, não havendo em seu desfavor qualquer indício de envolvimento em organizações criminosas ou dedicação à prática de atos infracionais.
Com a devida vênia, os pedidos pleiteados na representação não devem prosperar pelos motivos de fato e direito que passa a expor.
DAS PRELIMINARES
DA DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES
Em sede de representação, ao adolescente está sendo imputada a prática de ato infracional análogo a tráfico de drogas, previsto no art. 33, da Lei nº 11.343/2006.
Inicialmente, importante salientar que os elementos coligidos aos autos demonstram, sem margem à dúvida, que o caso trata-se tão somente de um usuário de entorpecentes, senão, vejamos.
Na fase de oitiva policial e em sede de audiência de apresentação o representado afirma que as substâncias encontradas são de sua propriedade, pois confirma ser usuário de maconha e cocaína.
Como já salientado, as substâncias entorpecentes encontravam-se na residência onde o menor estava, juntamente com os demais envolvidos, fato esse que não configura qualquer tipo de comercialização.
Nesse contexto, ainda que o art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06 tenha sido imputado ao adolescente, é importante mencionarmos que, nos moldes do art. 28, § 2º da mesma lei temos que:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
(…)
§ 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
Assim, analisando o caso em tela, ainda que as substâncias tenham sido encontradas sob a posse do adolescente, não há se falar em tráfico de drogas, já que estas eram usadas para consumo pessoal.
Por último, nos termos do art. 28, § 2º, cabe ao magistrado averiguar a conduta social do agente, sem prejuízos dos seus antecedentes. Nesse contexto, se faz oportuno mencionar que o adolescente não possui qualquer tipo de antecedente relacionado a tal ato infracional que se faça presumir a conduta diversa do que foi relatado, qual seja, uso pessoal dos entorpecentes.
Dito isso, a desclassificação do ato infracional de tráfico de drogas para consumo pessoal é medida que se impõe e, por tratar-se de uma infração de menor potencial ofensivo, a medida de internação deve ser revista uma vez que a internação é uma medida excepcional sendo esta cabível diante de existência de outra medida adequada conforme dispõe o art. 121, caput e art. 122, § 2º, ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Colocar o menor privado de sua liberdade é medida totalmente contrária ao entendimento já consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça acerca das questões que versem a respeito de adolescente com indícios de envolvimento com o tráfico de drogas, conforme prevê a Súmula n.º 492:
O ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação do adolescente.
No mesmo sentido do entendimento sumulado, são precedentes sobre o tema:
APELAÇÃO CÍVEL. ATO INFRACIONAL. ECA. TRÁFICO DE DROGAS. 1. PRELIMINAR. AUSÊNCIA DE LAUDO INTERDISCIPLINAR. NÃO CABIMENTO. 2. MÉRITO. AUTORIA E MATERIALIDADE EVIDENCIADAS. 3. DESCLASSIFICAÇÃO PARA POSSE DE DROGAS. NÃO CABIMENTO. 4. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA APLICADA.PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. ADEQUAÇÃO. 1. A ausência de laudo técnico interdisciplinar não gera nulidade, pois sua produção constitui faculdade do juízo, que é destinatário das provas. Conclusão nº 43 do Centro de Estudos do TJRS. 2. A quantidade de droga apreendida em posse do adolescente e as circunstâncias em houve a apreensão, autorizam o enquadramento do fato como tráfico. 3. Deve ser rechaçada a pretensão de desclassificação para o ato infracional de posse de substância entorpecente para uso pessoal, ponderando a significativa quantidade de entorpecente apreendida e que a apreensão do adolescente se deu em conhecido ponto de tráfico. 4. Merece parcial acolhida a pretensão recursal defensiva, no que diz com a dosimetria da MSE. Isto porque, embora se trate de ato infracional grave, o representado tecnicamente não possui antecedentes formais (certidão de fl. 122), e além disso, se faz necessária a observância da progressividade na aplicação das medidas socioeducativas. Aplicada MSE de liberdade assistida, cumulada com PSC, esta por 6 meses durante 4 horas semanais. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DO MP E DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO DA DEFESA. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70081240053, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 12/06/2019, #16228016)
Diante do exposto, esta defesa pede que a medida socioeducativa a ser aplicada não seja a de maior gravidade, já que o adolescente, por apresentar-se usuário de entorpecentes precisa de uma maior proteção estatal no sentido de que lhe seja garantido um tratamento adequado para livrar-se do vício.
Nessa conjectura, se faz importante mencionar a visão completa de José Barros Filho em relação à abordagem pedagógica que deve ser feita ao adolescente acusado da prática de algum ato infracional.
Importante é que tenhamos consciência de que tratar e recuperar o adolescente infrator implica, necessariamente, em tratar e recuperar a família deste jovem, para que possamos resgatá-lo como elemento útil à sociedade. De todos esses considerados, forçosa é a constatação de que o Estado, em verdade é co-autor de boa parte das infrações cometidas, pois sua inação em projetos sociais conduz muitos ao desespero, infectando-os com o delito. Vale ressaltar: A economia que se faz em educação, saúde e habitação implica em gastos redobrados com segurança pública. Assim, a melhor resposta que se pode dar ao ato infracional é tratar o agente de maneira mais conveniente, no sentido de que a sociedade possa ganhar um cidadão e não um marginal [1].
Portanto, importante salientar que o menor não é pessoa abandonada, não é traficante, é pessoa de boa índole, não tem condenação alguma, ostenta bons antecedentes, frequenta escola com regularidade e em liberdade não ficará desamparado, eis que tem sua genitora que dará a ele todo acompanhamento necessário para que o mesmo não volte para o nefasto mundo das drogas, vez que assumiu ser usuário.
DA REMISSÃO
A remissão é o perdão concedido pelo Ministério Público ou pela autoridade judiciária ao adolescente, como forma de exclusão, suspensão ou extinção do procedimento judicial de apuração de ato infracional.
Trata-se de um instituto próprio do Direito da Criança e do Adolescente que se encontra previsto no art. 126 do Estatuto da Criança e do Adolescente, in verbis:
Art. 126. Antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do processo, atendendo às circunstâncias e consequências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional.
Parágrafo único. Iniciado o procedimento, a concessão da remissão pela autoridade judiciária importará na suspensão ou extinção do processo.
Em face do caráter pedagógico da medida socioeducativa, afastando seu cunho punitivo, o instituto da remissão possibilita ao menor o seu arrependimento pela prática do ato infracional, a tomada consciência pelo erro cometido, mas sem que, ao final do processo, seja submetido ao cumprimento das medidas socioeducativas em regime de semiliberdade ou de internação.
O perdão deve ser interpretado como a regra, não como exceção. É sabido que as condições atuais dos estabelecimentos educacionais são precárias, não cumprindo a função pedagógica da medida socioeducativa.
Sobre o tema, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios teve o seguinte entendimento:
Adolescente. Remissão. Ato infracional análogo ao crime de roubo. 1 – Ainda que se trate de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa – roubo -, se as circunstâncias pessoais do adolescente são favoráveis, não registra passagens pela VIJ e não lhe foram anteriormente impostas medidas socioeducativas, a internação não é adequada ao menor. 2 – Considerando que as condições sociais e familiares do adolescente contribuem favoravelmente à sua ressocialização e reeducação, a remissão pode representar medida mais benéfica ao menor, sobretudo porque poderá ser revista a qualquer tempo. 3 – Apelação não provida. (TJ-DF 20190130013977 – Segredo de Justiça 0001396-40.2019.8.07.0013, Relator: JAIR SOARES, Data de Julgamento: 18/07/2019, 2ª TURMA CRIMINAL, Data de Publicação: Publicado no DJE : 22/07/2019 . Pág.: 158/165)
Embora a espécie de ato infracional praticada evidencie a necessidade de certo cuidado com o adolescente, há que se considerar a primariedade do jovem, bem como os fatos de estar matriculado e frequentando escola e pertencer a família estruturada.
É válido explicitar que se tratando de menor inimputável, não existe pretensão punitiva estatal propriamente dita, mas apenas pretensão educativa, conforme disposto expressamente na legislação de regência (Lei 8.069/90, art. 4º). Assim sendo, não se deve afastar da finalidade fundadora da Lei 8.069/90, que é conferir proteção integral à criança e ao adolescente, buscando reeducar e corrigir.
Ainda que se reconheça a prevenção geral, a incidência da prevenção especial, visando a recuperação do agente, se sobressai. In casu, a internação do menor em nada contribui para sua formação e recuperação. Ficar em liberdade, frequentando a escola, cercado do ambiente familiar e, caso Vossa Excelência entenda por alguma medida do art. 112 do ECA divergentes da internação, mostram-se medidas mais condizentes com o caso em tela.
Tal silogismo encontra guarida no ECA
Art. 127. A remissão não implica necessariamente o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, nem prevalece para efeito de antecedentes, podendo incluir eventualmente a aplicação de qualquer das medidas previstas em lei, exceto a colocação em regime de semi-liberdade e a internação.
Art. 186. Comparecendo o adolescente, seus pais ou responsável, a autoridade judiciária procederá à oitiva dos mesmos, podendo solicitar opinião de profissional qualificado.
§ 1º Se a autoridade judiciária entender adequada a remissão, ouvirá o representante do Ministério Público, proferindo decisão.
Ante o exposto, após ouvido o Ministério Público em conformidade com os precedentes do STJ, requer que o representado seja agraciado com a remissão, aos moldes do Art. 188 do ECA.
DO MÉRITO
DA NEGATIVA DE AUTORIA
A prevalecer a situação probatória, que deu ensejo à presente representação, até aqui apresentada, inexiste qualquer suporte fático, íntegro, capaz de revelar a condenação do adolescente.
Conforme afirmado em linhas anteriores, a circunstância dúbia na qual o Ministério Público se apoiou, foi a presença de munição encontrada no bolso do short que o adolescente usava no dia do flagrante.
Tal fato não confirma a autoria do ato infracional análogo a homicídio, uma vez que, por ser a munição, um objeto de fácil manejo, pode ter sido colocada no bolso do adolescente a fim de conferir a ele a autoria do disparo que vitimou XXXXXXX.
O fato de O ADOLESCENTE, em estado de flagrância, o único menor apreendido, traz à tona uma reflexão do Jurista Eugênio Raul Zaffaroni que trata, inclusive, sobre o tema. Disse ele: Hoje, não é fácil pegar um grupo qualquer para estigmatizá-lo, mas há um grupo que sempre pode virar bode expiatório.
Portanto, Excelência, não seria absurdo e nem inimaginável o fato de estarmos diante dessa dinâmica, nesse caso concreto, visto sua ampla incidência quando falamos em delinquência comum.
Assim sendo, imputar a autoria do ato infracional e sua materialidade ao menor, unicamente por ter sido encontrada uma munição no bolso de suas vestes, se afigura temerário, sobretudo quando não se constatou, na cena do crime e tampouco na vítima conforme laudo pericial, indícios de que o tipo de arma, que comporta o uso da munição, fora utilizado para o cometimento do ato infracional em epígrafe.
Desta forma, diante da negativa de autoria e também da ausência de provas contundentes acerca do acontecimento dos fatos, conduz à convicção de que o conjunto probatório dos autos não se mostra suficiente para imputar a prática do ato infracional ao adolescente.
Neste viés, releva ponderar que o direito penal não pode se contentar com suposições, nem conjecturas desfavoráveis. A condenação deve estar amparada em um conjunto fático-probatório coeso e harmônico, o que não ocorreu no caso em comento.
DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS
Em razão do advento da Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012 (que instituiu o Sistema Nacional Socioeducativo – SINASE), a execução das penas a menores infratores, bem como a adoção de medidas socioeducativas devem observar uma série de princípios, em especial a finalidade educativa sobre a punitiva.
Cabe destacar que a medida de internação sem atividades externas vai contra o objetivo entabulado nas medidas socioeducativas, pois retira totalmente do jovem educando a possibilidade de ter contato com atividades de qualificação e ressocialização.
Nesse contexto, vejamos o entendimento da doutrina especializada:
Princípios regentes da internação: tratando-se da mais rigorosa medida socioeducativa, deve ser aplicada pelo juiz em casos extremos, em particular nos atos infracionais cometidos com violência contra a pessoa. (…) A excepcionalidade determina que o magistrado somente opte pela internação como última ratio (última alternativa), passando por outras medidas socioeducativas antes, se viável. (…) Se o objetivo da medida socioeducativa é, primeiramente, educar, o mais certeiro método para isso é alheio ao claustro, pois os efeitos desse isolamento forçado são nefasto. [2]
Nesse sentido, é lapidar a lição de Marta de Toledo Machado na sua obra abaixo citada:
Sustento que o ponto focal no qual se esteia a concepção positivista no texto constitucional é a compreensão de que- por se acharem na peculiar condição de pessoas humanas em desenvolvimento- crianças e adolescentes encontram-se em situação especial e de maior vulnerabilidade, ensejadora da outorga de um regime de salvaguardas que lhe permitam construir suas potencialidades humanas em sua plenitude. [3]
Ademais, aplicação de qualquer medida socioeducativa, notadamente a internação, está condicionada aos preceitos legais insertos no artigo 227, § 3º, inciso V, da Constituição Federal, reiterado pelo artigo 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente, os quais consagram expressamente:
A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
Assim, apoiados no princípio da excepcionalidade do internamento e da busca da aplicação da medida mais branda ao adolescente – princípio do melhor interesse -, mesmo em se tratando de práticas de atos infracionais, o juiz, atendendo à condição pessoal, familiar, ao contexto social e às circunstâncias do caso concreto, poderá aplicar uma medida mais branda e mais adequada pedagogicamente.
O STJ ao se posicionar sobre o tema, destaca a necessidade de enquadramento às hipóteses do referido artigo a justificar a internação:
PENAL. HABEAS CORPUS. ECA. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO DELITO DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO.GRAVIDADE ABSTRATA. ART. 122 DO ECA. ROL TAXATIVO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.1. Dispõe o art. 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente que a aplicação de medida socioeducativa de internação é possível nas seguintes hipóteses: por ato infracional praticado mediante grave ameaça ou violência contra a pessoa; pela reiteração no cometimento de outras infrações graves; ou pelo descumprimento reiterado e injustificado de medida anteriormente imposta.2. O ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação do adolescente, conforme consignado no enunciado da Súmula n. 492 do STJ.3. A medida socioeducativa extrema está autorizada nas hipóteses taxativamente elencadas no art. 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o que denota a ilegalidade da constrição determinada em desfavor da ora paciente, com base na gravidade abstrata do ato infracional.4. Na espécie, embora não seja pequena a quantidade de entorpecentes apreendida em poder da adolescente – 1,224kg (um quilo e duzentos e vinte e quatro gramas) de maconha, 88g (oitenta e oito gramas) de cocaína e 76g (setenta e seis gramas) de crack -, não há, nos autos, nenhuma notícia acerca da existência de outros processos nos quais se impute à menor a prática de atos infracionais, tampouco de descumprimento injustificado de medida socioeducativa imposta anteriormente, evidenciando a possibilidade de aplicação de medida socioeducativa de semiliberdade.5. Habeas corpus parcialmente concedido para determinar a aplicação da medida socioeducativa de semiliberdade à paciente. (STJ, HC 503.589/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 11/06/2019, DJe 21/06/2019)
Ora, Excelência, frisamos de antemão, que não se busca com esta defesa qualquer válvula de escape para a impunidade. Ao contrário, somente se pede que a medida socioeducativa a ser aplicada não seja a de maior gravidade, já que além de não restar configurado o ato infracional de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes e homicídio, o Adolescente detém residência fixa, frequenta escola regularmente e é primário de bons antecedentes.
Portanto, ausente motivos suficientes para manutenção da internação, a progressão da medida socioeducativa para outra mais brande é medida que se impõe.
DA LIBERDADE ASSISTIDA
Dessa forma, requer seja aplicada a medida socioeducativa de Liberdade Assistida, nos termos dispostos do Art. 118 do ECA:
A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente.
Portanto, de forma a melhor conduzir o julgamento do presente pedido, requer sejam analisadas a atual condição do jovem infrator, os seus antecedentes as medidas já aplicadas e a sua real finalidade, a fim de que seja concedida a medida socioeducativa mais branda ao presente caso. Nesse sentido, são os precedentes sobre o tema:
APELAÇÃO CÍVEL. ECA. ATO INFRACIONAL. ROUBO. 1. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. 2. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA. INTERNAÇÃO. REFORMA NO PONTO. APLICADA MSE DE SEMILIBERDADE, ANTE A AUSÊNCIA DE ANTECEDENTES. A autoria e a materialidade do ato infracional análogo ao crime de roubo encontram-se devidamente comprovadas pelos elementos probatórios carreados aos autos. De acordo com o art. 112, § 1º, do ECA, a medida socioeducativa deve levar em conta a capacidade do adolescente de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. Portanto, analisando as peculiaridades do caso, e em respeito à progressividade das medidas socioeducativas, tem-se que deve ser aplicada ao apelante a medida de semiliberdade, prevista no art. 120 do ECA. DERAM PARCIAL PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70081284945, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 12/06/2019, #06228016)
Afinal, caso a medida aplicada seja mantida, o presente feito deixa de atender ao caráter pedagógico e educacional das medidas previstas no ECA, assumindo um caráter exclusivamente punitivo, e ausente o efeito reeducador.
Ainda sobre essa temática, o Tribunal de Justiça de São Paulo assim decidiu, in verbis:
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HABEAS CORPUS CONTRA INDEFERIMENTO DE LIMINAR. FLAGRANTE ILEGALIDADE. […] . INTERNAÇÃO. EXCEPCIONALIDADE DA MEDIDA EXTREMA. […] 3. A gravidade do ato infracional […], não enseja, por si só, a aplicação da medida socioeducativa de internação. […] Ordem concedida, de ofício, para, confirmando-se a liminar anteriormente deferida, determinar ao Juízo de primeiro grau que aplique medida socioeducativa diversa da internação ao ora paciente, que deverá aguardar nova decisão em liberdade assistida, salvo se por outra razão não estiver submetido à medida extrema. (HC 314855 – SP 2015/0014147-3).
Cabe por fim destacar, que em caso de não cumprimento adequado da medida, sempre haverá a possibilidade de regredir a medida.
PEDIDOS
Diante dos fatos e dos fundamentos jurídicos expostos, requer:
Seja recebida e dado o devido prosseguimento à presente defesa prévia com a improcedência da representação;
Sejam acolhidas as preliminares arguidas, em especial desclassificação da conduta de tráfico de entorpecentes, nos moldes do art. 28 § 2º, da Lei nº 11.343/06
Caso assim não entenda, seja deferido pedido de Remissão, conforme art. 126, 127 e 186 § 1º, ECA.
Subsidiariamente seja acolhida a excludente de ilicitude e culpabilidade relativamente ao ato infracional análogo a tráfico de drogas.
No mérito, a total improcedência por ausência de provas de indícios de autoria suficientes à condenação do ato infracional análogo à homicídio qualificado;
Caso não entenda pela admissão de nenhuma das teses arguidas pela defesa seja aplicada proporcionalmente a reprimenda em seu mínimo legal, haja vista o representado ter colaborado com o processo, e que seja aplicada uma medida socioeducativa diferente da internação, qual seja, LIBERDADE ASSISTIDA, nos termos do art. 118, ECA
Requer a admissão de todos os meios de provas legais admitidas em direito.
Termos em que pede deferimento.
Fortaleza, 15 de agosto de 2022.