EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA CRIMINAL DE __________ – UF.
Processo nº __________
Petição: APELAÇÃO
__________, já qualificado nos autos do processo em epigrafe, por seu advogado, que esta subscreve, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, com fulcro no artigo 593 do Código de Processo Penal, apresentar
da r. sentença proferida às fls. ___, requerendo a juntada das razões ora apresentadas, intimação do ilustre representante do Parquet para que apresente suas contrarrazões, e, em seguida, a remessa dos autos a 2ª Vice-Presidência do egrégio Tribunal de Justiça para distribuição do recurso a uma das Câmaras Criminais.
Nestes Termos,
Pede Deferimento.
__________, __ de __________ de ____.
p. p. __________
OAB/UF nº _____
RAZÕES DE APELAÇÃO
Apelante: __________
Ação Penal (numeração única) nº __________
Egrégia Câmara:
Busca o apelante, através do presente recurso, o reexame da sentença de primeira instância, proferida nos autos do presente feito, posto que não pode à luz do direito com ela conformar-se, em que pese à cultura de seu prolator.
Passa então o apelante a aduzir as razões de seu inconformismo.
QUANTO AO MÉRITO
O recorrente foi denunciado como incurso no delito tipificado no art. 14 da Lei nº 10.826.
Como narra a denúncia, na data de __ de __________ de ____, foi surpreendido na posse de arma de fogo, calibre __, sem autorização e em desacordo com determinação regulamentar e legal.
Durante a instrução restou provado que a arma estava desmuniciada e que o Acusado não trazia consigo, no momento da prisão em flagrante, qualquer projétil – conforme exposto no registro de ocorrência que baseou a peça de acusação, do qual se extrai o seguinte trecho:
“Informa que ao desembarcar da viatura e proceder a abordagem de todos, logrou êxito em encontrar na mochila do autor do fato uma arma de fogo calibre 22 de fabricação ROSSI, que por este era transportada sem munição…” (fl. __).
DA AUTORIA E MATERIALIDADE
A autoria do delito resta plenamente comprovada ante o que se verifica do auto de prisão em flagrante de fls. __/__. Autoria esta que em nenhum momento foi negada pelo réu.
De igual forma, a materialidade, em tese, resta indubitável, ante o que emerge do Laudo sobre o instrumento apreendido.
Importa analisar se a mera detenção de arma desmuniciada configura o delito descrito no artigo 14, da Lei Federal nº 10.826/03. Nos termos singelos da lei, entende-se como suficiente para a configuração do delito, de porte de arma de fogo, trazer consigo sem autorização da autoridade competente e em desacordo com instrumentos normativos.
Assim, a circunstância de a arma estar desmuniciada não pode excluir a tipicidade.
Neste sentido, transcreve-se voto da Ministra Ellen Gracie que negou provimento ao RHC 81057/SP – STF:
“O crime é de mera conduta, e segundo dicção de Fernando Capez, de perigo abstrato, não tendo a lei exigido a efetiva exposição de outrem a risco, sendo irrelevante a avaliação subsequente sobre a ocorrência de perigo à coletividade. Nos crimes de perigo abstrato, segundo Capez, ‘a opção política do Poder Legislativo em considerar o fato, formal e materialmente, típico independentemente de alguém, no caso concreto, vir a sofrer perigo real, não acoima a lei definidora de atentatória à dignidade humana. Ao contrário. Revela, por parte do legislador, disposição ainda maior de tutelar o bem jurídico, reprimindo a conduta violadora desde o seu nascedouro, procurando não lhe dar qualquer chance de desdobramento progressivo capaz de convertê-la em posterior perigo concreto e, depois, em dano efetivo. Trata-se de legítima opção política de resguardar, de modo mais abrangente e eficaz, a vida, a integridade corporal e a dignidade das pessoas, ameaçadas com a mera conduta de sair de casa ilegalmente armado. Realizando a conduta descrita no tipo, o autor já estará colocando a incolumidade pública em risco, pois protegê-la foi o desejo manifestado pela lei. Negar vigência ao dispositivo nos casos em que não se demonstra perigo real, sob o argumento de que atentaria contra a dignidade da pessoa humana, implica reduzir o âmbito protetor do dispositivo, com base em justificativas no mínimo discutíveis. Diminuindo a proteção ás potenciais vítimas de ofensas mais graves, produzidas mediante o emprego de armas de fogo, deixando-as a descoberto contra o dano em seu nascedouro, o intérprete estará relegando o critério objetivo da lei ao seu, de cunho subjetivo e pessoal. Privilegia-se a condição do infrator em detrimento do ofendido, contra a expressa letra da lei.’ (Arma de Fogo – Comentários à Lei n. 9.437/97, ed. Saraiva, 1997, pg. 25/26)”
O subscritor discorda do pensamento de Capez. Promotor de Justiça não é promotor de leis. Difere na valoração, no confronto que faz entre as normas vigentes e os direitos fundamentais da pessoa humana.
Quanto ao papel do magistrado, diz Ferrajoli:
“(…) a sujeição do juiz à lei já não é, como o velho paradigma positivista, sujeição à letra da lei, qualquer que fosse seu significado, senão sujeição á lei enquanto válida, quer dizer, coerente com a Constituição. E no modelo constitucional garantista a validez já não é um dogma associado à mera existência formal da lei, senão uma qualidade contingente da mesma ligada à coerência de seus significados com a Constituição, coerência mais ou menos opinável e sempre remetida à valoração do juiz. Disso se segue que a interpretação judicial da lei é também sempre um juízo sobre a lei mesma, que corresponde ao juiz junto com a responsabilidade de eleger os únicos significados válidos, ou seja, compatíveis com as normas constitucionais substanciais e com os direitos fundamentais estabelecidos pelas mesmas.”
Dissecando o garantismo penal, vejamos:
“(…) a teoria do garantismo penal, antes de mais nada, se propõe a estabelecer critérios de racionalidade e civilidade à intervenção penal, deslegitimando qualquer modelo de controle social maniqueísta que coloca a ‘defesa social’ acima dos direitos e garantias individuais. Percebido dessa forma, o modelo garantista permite a criação de um instrumental prático-teórico idôneo à tutela dos direitos contra a irracionalidade dos poderes, sejam públicos ou privados.”
Cite-se excerto do Ministro Cernicchiaro, que transparece o caminho trilhado hodiernamente pela jurisprudência:
“A infração penal não é só conduta. Impõe-se, ainda, resultado no sentido normativo do termo, ou seja, dano ou perigo ao bem juridicamente tutelado. A doutrina vem reiterada e insistentemente renegando os delitos de perigo abstrato. Com efeito, não faz sentido punir pela simples ação, se ela não trouxer, pelo menos probabilidade (não possibilidade) de risco ao objeto jurídico”
Também a atual doutrina penal “(…) dá realce primacial aos princípios da necessidade da incriminação e da lesividade do fato criminoso.”
A mesma questão é analisada, a partir dos princípios teóricos da lesividade e da ofensividade, em preciosa monografia de Luiz Flávio Gomes e Willin Terra (Lei de Armas, ed. RT, 4ª, 2005).
Assevera o autor que nos “delitos de posse”, a danosidade real do objeto e a conduta criadora de risco proibido relevante somente se conjugam se presente a disponibilidade de uso da arma.
“Enquanto a danosidade real do objeto pode ser percebida concretamente (v.g., com a análise pericial de uma arma carregada) a periculosidade da conduta é imaterial em sua essência (por se tratar da representação valorada de uma conduta humana criadora de risco). Somente quando as duas órbitas da disponibilidade (uma, material, a da arma carregada, e outra jurídica, a do comportamento humano que rompe o princípio de confiança criando um risco proibido relevante) se encontram é que surge a ofensividade típica (aquela não querida pela norma penal, reprovável, punível). Em outras palavras, o fato torna-se penalmente relevante (exclusivamente) quando o bem jurídico coletivo (no caso) entra no raio de ação da conduta criadora do risco proibido e relevante.”
Esse raciocínio é fundado em axiomas da moderna teoria geral do Direito Penal.
Para o seu acolhimento, convém destacar, não é necessário, de logo, acatar a tese mais radical que erige a exigência da ofensividade à limitação de raiz constitucional ao legislador, de forma a proscrever a legitimidade da criação por lei de crimes de perigo abstrato ou presumido.
Basta, no momento, aceitar a danosidade efetiva do objeto do crime e a conduta criadora de um risco proibido relevante como princípios gerais da interpretação da lei penal, que hão de prevalecer sempre que a regra incriminadora os comportar.
Na figura criminal em tela, os princípios bastam, de logo, para elidir a incriminação do porte de arma de fogo inidônea para a produção de disparo: aqui falta à incriminação da conduta o objeto material do tipo.
A inaptidão da arma gera a atipicidade da conduta, porque com sua impropriedade material ela perderá a potencialidade lesiva que caracteriza o conteúdo do injusto.
“Isso decorre do fato de que a finalidade do tipo é evitar o perigo emergente do relacionamento ilícito com armas de fogo, de maneira que, no exato momento em que não existir mais este ‘perigo’ (porque o objeto material é incapaz de produzir qualquer tipo de dano), deixará de existir o delito.”
Eis a questão em análise: arma eficaz, mas desmuniciada.
O voto do Ministro Sepúlveda Pertence no RHC 81057/SP do Supremo Tribunal Federal encampa o que foi anteriormente argumentado, destacando:
“(…) é preciso distinguir duas situações, à luz do princípio da disponibilidade. Se o agente traz consigo arma desmuniciada, mas tem munição adequada à mão, de modo a viabilizar sem demora significativa o municiamento e, em consequência, o eventual disparo, tem-se arma disponível e o fato realiza o tipo.
Ao contrário, se a munição não existe ou está em lugar inacessível de imediato, não há a imprescindível disponibilidade da arma de fogo, como tal – isto é, como artefato idôneo a produzir disparo – e, por isso, não se realiza a figura típica.”
Na espécie, a instrução comprovou que __________ não tinha disponibilidade de munição, fato que retira a disponibilidade e ofensividade efetiva de sua conduta, motivo pelo qual vislumbro não restar caracterizado o delito de em tela: “posse de arma de fogo”.
QUANTO À PENA DE LIMITAÇÃO DE FIM DE SEMANA
Com a devida vênia, a pena objeto de apreciação neste tópico não pode prosperar por ausência de fundamentação de sua adequação ao caso em tela, e por conflitante com o objetivo do instituto de substituição de pena privativa de liberdade.
Em sua decisão, não discorreu o eminente julgador acerca das razões pelas quais entendia necessária a segregação do réu pelo período de cinco horas diárias durante os fins-de-semana.
Ofende o princípio da legalidade, que preconiza a inexistência de pena sem lei anterior que a defina, nem pena sem prévia cominação legal, o total arbítrio do julgador quando da imposição de penas alternativas.
Mais ainda, tal arbítrio lesaria de morte o princípio da proporcionalidade, ao permitir que o julgador a seu “bel prazer” criasse pena de seu agrado, impondo restrições e obrigações ao condenado de acordo com sua vontade, certo que suas imposições terminariam por serem aceitas em face do maior sofrimento imposto pela pena privativa de liberdade, ainda que em regime aberto.
Ao efetuar a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, deve o magistrado observar as finalidades da pena preventiva, punitiva e ressocializadora, aplicando-as em conjunto com os objetivos do instituto da substituição da pena, ferramenta que busca minimizar os efeitos da atuação do Direito Penal sobre o cidadão, consideradas as condições objetivas e subjetivas que cercam o caso real.
Não se discute haver certa dose de liberdade do julgador quando da imposição de medidas restritivas de direito, em substituição à pena privativa de liberdade, não se pode, no entanto, admitir poderes irrestritos ao julgador neste campo.
Não entende a defesa ser a limitação de fim-de-semana pena alternativa despida de aplicação, ocorre que a necessidade desta deve ser cabalmente demonstrada na decisão que a impõe, até por se revestir de maior rigor, visto constituir limitação ao direito de liberdade, por isso mesmo exigindo uma observância mais acurada, quanto a sua real necessidade.
É justamente este juízo de necessidade da restrição de fim-de-semana, que a falta de fundamentação impede, constituindo em autêntico cerceio de defesa posto que tal decisão, despida da competente fundamentação fática, torna impossível para defesa contra-argumentar sobre razões que desconhece.
Por fim necessário salientar que nada existe nos autos que indique ser necessária a segregação, ainda que temporária, do apelante, ou que objetivo da aplicação da sanção penal não poderia ser alcançado por outra medida restritiva de direitos menos gravosa, que não envolva o cerceio da liberdade do recorrente.
Neste sentido:
“APELAÇÃO. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. SUBSTITUIÇÃO DA LIMITAÇÃO DE FINAL DE SEMANA POR PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. 1. Com razão a defesa no que diz respeito à substituição da limitação de final de semana por prestação pecuniária. Isso porque a referida pena substitutiva consistente na obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por 5 (cinco) horas diárias, em casa de albergado ou em outro estabelecimento adequado, nos termos da redação do artigo 48 do Código Penal equivale a uma “prisão de final de semana”. 2. Assim, em razão do quantum de pena privativa de liberdade fixada (2 anos de reclusão), da onerosidade da limitação de final de semana, substitui-se esta pena restritiva de direitos por prestação pecuniária de um salário mínimo, a ser especificada pelo juízo da execução penal, mantendo-se, outrossim, as demais cominações da sentença (prestação de serviços à comunidade).” APELO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Crime nº 70045406261, 3ª Câmara Criminal do TJRS, Rel. Nereu José Giacomolli. j. 29.03.2012, DJ 21.05.2012).
“APELAÇÃO. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO QUALIFICADO. CONCURSO DE PESSOAS. MANUTENÇÃO DO DECRETO CONDENATÓRIO. PROVA SUFICIENTE. (…) 5. PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. LIMITAÇÃO DE FINAL DE SEMANA. SUBSTITUIÇÃO POR PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. A limitação de final de semana é medida gravosa, uma vez que envolve a contenção física do agente. Considerando as condições subjetivas do réu, impõe-se a substituição da medida por prestação pecuniária no valor de 01 salário mínimo, mantendo-se a prestação de serviços à comunidade, em observância à parte final do § 2º do art. 44 do CP. (…)” (Apelação Crime nº 70039318464, 8ª Câmara Criminal do TJRS, Rel. Dálvio Leite Dias Teixeira. j. 28.02.2012, DJ 27.03.2012).
“APELAÇÃO. PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. LIMITAÇÃO DE FINAL DE SEMANA. SUBSTITUIÇÃO POR PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. 1. O acusado foi condenado à pena de 03 anos e 06 meses de detenção, substituída por duas penas restritivas de direito, sendo elas a prestação de serviços à comunidade e a limitação de final de semana. O artigo 44, § 2º, do Código Penal permite que a condenação à pena privativa de liberdade igual ou inferior a um ano seja substituída por multa ou por uma pena restritiva de direitos; e se superior a um ano, por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos. 2. Possível, assim, a substituição da pena restritiva de direitos, consistente na limitação de final de semana por outra pena restritiva de direitos, consistente na prestação pecuniária de três salários mínimos, revertida em favor da vítima, por ser, no caso concreto, a medida mais adequada à reprovação da infração criminal, aliada às condições do imputado. APELO PARCIALMENTE PROVIDO.” (Apelação Crime nº 70044549590, 3ª Câmara Criminal do TJRS, Rel. Nereu José Giacomolli. j. 12.04.2012, DJ 03.05.2012).
CONCLUSÃO
Isto posto, requer seja revisto o decisum, para, no mérito, reconhecer a atipicidade da conduta, com a consequente absolvição do mesmo, conforme fundamentação relativa ao tópico próprio deste recurso.
Na possibilidade de não reconhecimento do pleito acima, seja a pena restritiva de direitos relativa à limitação de fim-de-semana excluída da condenação, por ausência de fundamentação, além de inexistência de razão fática nos autos para sua aplicação, ou, alternativamente, sua substituição por outra medida restritiva de direitos menos gravosa, que não envolva o cerceio da liberdade do recorrente.
Requer ainda, em caso de manutenção da condenação, o direito de recorrer em liberdade, não tendo de submeter-se a qualquer pena antes do trânsito em julgado da decisão.
Nestes termos, pede deferimento.
__________, __ de __________ de ____.
p. p. __________
OAB/UF _____