Introdução
A Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, constitui um marco na proteção dos direitos humanos das mulheres no Brasil. Desde sua promulgação, tem sido um instrumento essencial no combate à violência doméstica e familiar, criando mecanismos eficazes de prevenção, assistência e repressão a esse tipo de violência.
Entre seus diversos dispositivos, o artigo 22 assume papel fundamental ao prever medidas protetivas de urgência que o juiz pode aplicar ao agressor, com o objetivo de resguardar a integridade física, psicológica, sexual, patrimonial e moral da mulher em situação de risco.
Este artigo jurídico tem por objetivo analisar em profundidade o conteúdo, o alcance e a importância do artigo 22 da Lei Maria da Penha, destacando sua função na garantia de proteção imediata, os desafios práticos de sua aplicação e os avanços sociais e jurídicos que decorrem de sua efetividade.
I – Texto do Artigo 22 da Lei Maria da Penha

Art. 22. Verificada a existência de risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida, o juiz poderá, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I – suspender a posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II – afastar o agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III – proibir determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
II – Natureza Jurídica das Medidas Protetivas de Urgência
As medidas protetivas previstas no artigo 22 têm natureza cautelar, ou seja, são medidas de urgência que visam evitar danos irreparáveis ou de difícil reparação à mulher em situação de violência. Essas medidas não dependem de prévia instauração de inquérito ou ação penal, podendo ser concedidas com base na palavra da vítima e em elementos mínimos que indiquem o risco.
É importante frisar que a concessão das medidas protetivas não exige prova cabal da violência, bastando indícios suficientes de que a mulher se encontra em situação de risco iminente. Trata-se de uma medida de precaução, orientada pelo princípio da dignidade da pessoa humana, e que visa resguardar direitos fundamentais da mulher.
III – Finalidade e Função das Medidas do Art. 22
O artigo 22 cumpre múltiplas funções dentro da sistemática da Lei Maria da Penha:
a) Função Preventiva
Visa impedir que a violência se repita ou se intensifique, protegendo a vítima de novas agressões, inclusive de caráter psicológico ou moral.
b) Função Protetiva
Garante à vítima um ambiente minimamente seguro e digno, resguardando sua liberdade, integridade e autonomia.
c) Função Punitiva Cautelar
Embora não configurem punição definitiva, as medidas podem representar sanções provisórias ao agressor, como o afastamento do lar e a proibição de contato.
d) Função Pedagógica
Envia uma mensagem clara à sociedade de que atos de violência doméstica não serão tolerados e que o Estado agirá de forma enérgica para proteger as vítimas.

IV – Análise Detalhada de Cada Inciso do Art. 22
Inciso I – Suspensão da posse ou restrição do porte de armas
Este dispositivo visa impedir que o agressor, eventualmente autorizado a portar armas, possa utilizá-las para coagir, ameaçar ou agredir a vítima. A medida é compatível com a Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), e deve ser imediatamente comunicada às autoridades competentes.
Inciso II – Afastamento do agressor do lar ou local de convivência
Essa é uma das medidas mais comuns e de maior impacto, pois rompe o vínculo de proximidade física entre agressor e vítima, afastando o agressor do ambiente familiar. Em muitos casos, esse afastamento é crucial para interromper o ciclo da violência.
Inciso III – Proibição de determinadas condutas
Aqui o legislador estabelece condutas específicas a serem proibidas ao agressor:
- a) Aproximação: Define uma distância mínima entre agressor e vítima, familiares ou testemunhas.
- b) Contato: Impede o uso de telefone, redes sociais, e-mails, cartas, mensagens ou qualquer meio de comunicação.
- c) Frequentação de lugares: Protege a mulher em locais públicos ou privados que ela costuma frequentar (trabalho, escola dos filhos, igreja etc.).
Inciso IV – Restrição ou suspensão de visitas aos filhos
Essa medida considera o bem-estar das crianças envolvidas. Quando há indícios de que o contato do agressor com os filhos pode afetar negativamente a vítima ou os menores, o juiz pode restringir ou suspender as visitas, ouvindo uma equipe multidisciplinar.
Inciso V – Prestação de alimentos provisionais
Permite que, mesmo antes de uma sentença definitiva, o juiz fixe alimentos emergenciais, garantindo o sustento da mulher e/ou dos filhos, sobretudo quando ela está financeiramente dependente do agressor.
V – Aplicação Prática e Procedimentos
As medidas protetivas de urgência podem ser requeridas pela ofendida, por seu representante legal, pelo Ministério Público ou por autoridade policial. O artigo 12, inciso III, da mesma lei, determina que o delegado de polícia, ao receber a denúncia, deve encaminhar imediatamente o pedido ao juiz.
Conforme o artigo 18, o juiz tem o prazo de 48 horas para decidir sobre a concessão das medidas, prazo que reflete a urgência da situação. Em muitos casos, o deferimento ocorre sem a oitiva prévia do agressor, em consonância com o princípio da proteção integral e da dignidade da vítima.
VI – A Efetividade das Medidas Protetivas
A eficácia das medidas protetivas depende de uma série de fatores:
- Agilidade do sistema de justiça;
- Efetiva comunicação entre o Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Polícia Civil/Militar;
- Apoio psicossocial e jurídico à vítima;
- Monitoramento e fiscalização das medidas impostas ao agressor.
O descumprimento das medidas é tipificado como crime no artigo 24-A da própria Lei Maria da Penha, o que reforça a sua força coercitiva.
VII – Jurisprudência Relevante
Diversos tribunais têm reconhecido a legitimidade e constitucionalidade da concessão de medidas protetivas com base exclusivamente na palavra da vítima, em consonância com a jurisprudência consolidada do STJ e do STF:
“A palavra da vítima, nos crimes de violência doméstica, possui especial relevância e pode, por si só, embasar a concessão de medidas protetivas.”
(STJ – RHC 120.333/GO)
VIII – Desafios e Críticas
Apesar dos avanços, há desafios significativos:
- Desinformação da população sobre o alcance da Lei;
- Falta de estrutura nas Delegacias da Mulher e nos Juizados de Violência Doméstica;
- Morosidade judicial em determinadas comarcas;
- Revitimização, quando a mulher é obrigada a reiterar os fatos em diferentes instâncias.
A implementação de medidas tecnológicas, como o botão do pânico e o monitoramento eletrônico do agressor, são soluções que vêm sendo adotadas por alguns tribunais para melhorar a efetividade da proteção.
IX – Avanços Sociais e Importância do Artigo 22
O artigo 22 tem importância estratégica no enfrentamento da violência de gênero, pois:
- Permite uma resposta estatal célere e eficaz;
- Fortalece a autonomia da mulher em situação de risco;
- Impede que o ciclo da violência se perpetue;
- Serve como instrumento de educação social e transformação cultural.
A medida não apenas salva vidas, mas também permite que mulheres em sofrimento reconstruam suas trajetórias de maneira mais segura.
Conclusão

O artigo 22 da Lei Maria da Penha representa uma ferramenta essencial para a proteção das mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Suas medidas, embora de natureza provisória, têm efeitos profundos na vida das vítimas e funcionam como instrumentos de reparação imediata.
Mais do que dispositivos legais, são expressões concretas da responsabilidade do Estado na promoção da igualdade de gênero, na erradicação da violência contra a mulher e na defesa da dignidade da pessoa humana.
FAQ – Perguntas Frequentes sobre o Artigo 22 da Lei Maria da Penha
1. Quais medidas o juiz pode determinar com base no artigo 22 da Lei Maria da Penha?
O juiz pode, entre outras medidas, afastar o agressor do lar, proibir o contato com a vítima, suspender o porte de armas e restringir visitas aos filhos menores.
2. É necessário boletim de ocorrência para pedir medidas protetivas?
Não é obrigatório, mas o BO ajuda a instruir o pedido. A mulher pode pedir diretamente no Juizado de Violência Doméstica ou por meio da Defensoria Pública.
3. As medidas podem ser concedidas sem ouvir o agressor?
Sim. Por serem medidas urgentes, podem ser deferidas liminarmente, com base nos indícios apresentados pela vítima.
4. Por quanto tempo valem as medidas protetivas?
O prazo é determinado pelo juiz e pode ser prorrogado enquanto persistir a situação de risco.
5. O que acontece se o agressor descumprir uma medida protetiva?
O descumprimento é crime previsto no artigo 24-A da Lei Maria da Penha, com pena de 3 meses a 2 anos de detenção.
6. É possível prorrogar ou cancelar as medidas protetivas?
Sim. A vítima pode pedir a prorrogação. O juiz também pode revogar, caso não haja mais necessidade das medidas.
7. As medidas protetivas servem apenas para mulheres?
Sim, a Lei Maria da Penha é direcionada à proteção das mulheres em situação de violência doméstica e familiar, considerando o recorte de gênero.