Introdução
A inviolabilidade do domicílio é um dos pilares da proteção dos direitos fundamentais no Brasil. Esse direito, consagrado no artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal, garante que “a casa é o asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.
O Artigo 150 do Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 2.848/1940) traduz esse princípio constitucional em norma penal, estabelecendo que entrar ou permanecer em casa alheia, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, configura crime, com penas que variam de detenção a multa, podendo ser agravadas em situações mais graves.
O objetivo dessa norma é proteger não apenas o espaço físico da residência, mas também a privacidade, a liberdade e a tranquilidade do morador, assegurando que ele possa exercer seu direito de decidir quem pode ou não entrar no seu espaço privado.
Ao longo deste artigo, vamos aprofundar:
- O conceito legal de violação de domicílio
- Situações que agravam a pena
- Circunstâncias em que a entrada é permitida
- O que a lei considera “casa”
- Jurisprudência relevante
- Diferença em relação a outros crimes patrimoniais
- Como agir diante de uma violação

1. Dispositivo legal e redação do Artigo 150 do Código Penal
O texto legal diz:
Art. 150 – Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências:
Pena – detenção, de um a três meses, ou multa.
§ 1º – Se o crime é cometido durante a noite, ou em lugar ermo, ou com o emprego de violência ou de arma, ou por duas ou mais pessoas:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, além da pena correspondente à violência.
§ 3º – Não constitui crime a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas dependências:
I – durante o dia, com observância das formalidades legais, para efetuar prisão ou outra diligência;
II – a qualquer hora, quando algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de o ser.
§ 4º – A expressão “casa” compreende:
I – qualquer compartimento habitado;
II – aposento ocupado de habitação coletiva;
III – compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade.
§ 5º – Não se compreendem na expressão “casa”:
I – hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta, salvo a restrição do n.º II do parágrafo anterior;
II – taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero.
2. Elementos essenciais do crime
O crime se consuma quando o agente entra ou permanece no imóvel contra a vontade do morador ou responsável legal. São elementos importantes:
- Entrar: Adentrar fisicamente o espaço protegido.
- Permanecer: Recusar-se a sair mesmo após solicitação do morador.
- Clandestinamente: De forma oculta, sem que o morador perceba.
- Astuciosamente: Mediante engano, fraude ou abuso de confiança.
- Contra a vontade expressa ou tácita: Pode ser verbalmente manifestada ou presumida pelas circunstâncias.
O dolo (intenção) é indispensável. Não há crime se o agente entrar por engano, acreditando que tinha autorização.
3. Causas de aumento de pena
O § 1º traz hipóteses que agravam a conduta:
- Durante a noite: Momento de maior vulnerabilidade do morador.
- Em lugar ermo: Onde há menor possibilidade de socorro imediato.
- Com emprego de violência ou arma: Potencializa o risco à integridade física.
- Com duas ou mais pessoas: Aumenta a intimidação e reduz a defesa do morador.
Nesses casos, a pena básica passa de 1 a 3 meses para 6 meses a 2 anos, podendo acumular a pena por eventual lesão ou dano.

4. Situações de exclusão da ilicitude
O § 3º prevê hipóteses em que não há crime:
- Durante o dia, com mandado judicial, para efetuar prisão ou diligência.
- A qualquer hora, para impedir crime em andamento ou prestes a acontecer.
Além disso, aplicam-se outras causas legais, como estado de necessidade e legítima defesa.
5. O conceito legal de “casa”
O § 4º amplia a definição, incluindo:
- Residências permanentes ou temporárias.
- Quartos de hotel ou pensão ocupados.
- Escritórios ou locais fechados ao público onde se exerce profissão.
O § 5º exclui locais abertos ao público ou de hospedagem enquanto em funcionamento, exceto áreas privadas.
6. Diferença em relação a crimes patrimoniais
A violação de domicílio protege direitos da personalidade (liberdade e privacidade), enquanto crimes como invasão de propriedade (art. 161 do CP) e esbulho possessório têm natureza patrimonial. É possível que ambos ocorram simultaneamente.
7. Jurisprudência relevante
- STJ, HC 598.051/SP: Considerou ilícita prova obtida mediante entrada policial sem mandado e sem flagrante.
- STF, RE 603.616/RO: Fixou tese de que a entrada forçada só é válida com fundadas razões de flagrante delito, sob pena de nulidade.
8. Aspectos processuais

A violação de domicílio é crime de ação penal pública incondicionada. Isso significa que o Ministério Público pode iniciar a persecução penal independentemente de queixa do ofendido, embora a notícia do fato geralmente parta da vítima.
9. Consequências civis e indenização
Além da esfera criminal, a vítima pode buscar reparação por danos morais e materiais. A jurisprudência admite indenização por ofensa à tranquilidade e privacidade, mesmo sem violência física.
10. Como agir diante de uma violação
- Registre boletim de ocorrência imediatamente.
- Documente as provas (imagens, testemunhas, gravações).
- Procure advogado criminalista para acompanhar a investigação.
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FAQ – Perguntas Frequentes
- A polícia pode entrar sem mandado?
Somente nas hipóteses constitucionais: flagrante, desastre, socorro ou mandado durante o dia. - Porta aberta significa autorização?
Não. O consentimento precisa ser claro. - E garagem, quintal e varanda?
São áreas protegidas como parte do domicílio. - Escritórios e consultórios estão protegidos?
Sim, se não forem abertos ao público no momento. - O crime pode ocorrer em imóveis alugados?
Sim, a proteção vale para o locatário. - Se o morador autorizar, mas depois pedir para sair?
A recusa configura permanência ilícita. - Pode haver prisão em flagrante?
Sim, por ser crime permanente. - E se for para socorrer alguém?
Não há crime; é causa excludente. - Como provar a violação?
Testemunhas, imagens, perícia. - O crime depende de violência?
Não, basta a entrada ou permanência indevida. - Há diferença se ocorrer de dia ou de noite?
À noite, a pena é maior. - Se a invasão for para cometer outro crime?
Pode haver concurso de crimes. - É possível acordo penal?
Dependendo do caso, pode haver acordo de não persecução penal. - O crime é de menor potencial ofensivo?
Na forma simples, sim, sendo possível transação penal. - Posso processar civil e criminalmente ao mesmo tempo?
Sim, as esferas são independentes.
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