Introdução
O Código de Processo Penal Militar (CPPM), instituído pelo Decreto-Lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969, regula os procedimentos penais no âmbito das Forças Armadas e, subsidiariamente, nas Justiças Militares Estaduais. Entre seus dispositivos fundamentais está o artigo 8º, que trata da competência da polícia judiciária militar — função essencial à efetividade da persecução penal no meio castrense.
O presente artigo jurídico tem por objetivo analisar de maneira minuciosa a redação, o alcance, os desdobramentos práticos e a importância do artigo 8º do CPPM, contextualizando-o dentro da estrutura legal brasileira e da função institucional das Forças Armadas. Para isso, serão exploradas as atribuições previstas no dispositivo, a relação com os demais atores da Justiça Militar e o impacto dessas competências na preservação da ordem, disciplina e justiça no seio das instituições militares.
1. Conceito de Polícia Judiciária Militar

Antes de abordarmos o conteúdo do artigo 8º, é imprescindível compreender o conceito de polícia judiciária militar. Essa expressão designa as funções investigativas e auxiliares ao Judiciário e ao Ministério Público, desempenhadas no âmbito das Forças Armadas. Difere da polícia ostensiva (preventiva), voltada à manutenção da ordem, e aproxima-se da polícia judiciária civil no que diz respeito à apuração de infrações penais.
A polícia judiciária militar é, portanto, um braço do sistema de justiça militar, incumbido da colheita de provas, da formalização de inquéritos policiais militares (IPMs) e da execução de ordens judiciais, sempre com o fim de esclarecer os crimes militares definidos no Código Penal Militar (CPM) e aqueles que, por disposição legal, estejam sujeitos à jurisdição castrense.
2. Transcrição do Artigo 8º do CPPM
Art. 8º. Compete à Polícia judiciária militar:
a) apurar os crimes militares, bem como os que, por lei especial, estão sujeitos à jurisdição militar, e sua autoria;
b) prestar aos órgãos e juízes da Justiça Militar e aos membros do Ministério Público as informações necessárias à instrução e julgamento dos processos, bem como realizar as diligências que por êles lhe forem requisitadas;
c) cumprir os mandados de prisão expedidos pela Justiça Militar;
d) representar à autoridade judiciária militar acerca da prisão preventiva e da insanidade mental do indiciado;
e) cumprir as determinações da Justiça Militar relativas aos presos sob sua guarda e responsabilidade, bem como as demais prescrições deste Código, nesse sentido;
f) solicitar das autoridades civis as informações e medidas que julgar úteis à elucidação das infrações penais que esteja a seu cargo;
g) requisitar da polícia civil e das repartições técnicas civis as pesquisas e exames necessários ao complemento e subsídio de inquérito policial militar;
h) atender, com observância dos regulamentos militares, a pedido de apresentação de militar ou funcionário de repartição militar à autoridade civil competente, desde que legal e fundamentado o pedido.
3. Análise Detalhada das Alíneas do Artigo 8º
a) Apurar crimes militares e sua autoria
Esta é a função primordial da polícia judiciária militar. A investigação dos crimes militares é realizada por meio do Inquérito Policial Militar (IPM), instrumento inquisitorial destinado à apuração de infrações penais previstas no Código Penal Militar e leis especiais de competência da Justiça Militar.
A identificação da autoria é tão importante quanto a elucidação da materialidade do crime. O IPM deve ser conduzido de maneira técnica, preservando as garantias do indiciado e assegurando que os fatos sejam levados à Justiça de forma clara e fundamentada.
b) Prestar informações e realizar diligências
A polícia judiciária militar tem o dever de cooperar com os órgãos da Justiça Militar — juízes, tribunais e Ministério Público Militar. Essa colaboração é expressa na prestação de informações necessárias à instrução e julgamento dos processos, bem como na realização de diligências, como buscas, oitivas, perícias, entre outras.
Essa alínea reforça o papel da polícia judiciária como auxiliar do Judiciário e do Parquet Militar, em consonância com o modelo acusatório vigente no Brasil.
c) Cumprir mandados de prisão expedidos pela Justiça Militar
A execução de mandados de prisão é uma das faces operacionais da polícia judiciária. A obediência a ordens emanadas da autoridade judiciária militar é elemento essencial da efetividade da Justiça, respeitando-se os limites legais e constitucionais.
d) Representar sobre prisão preventiva e insanidade mental
A autoridade da polícia judiciária militar pode representar ao juiz militar pela decretação de prisão preventiva ou por exame de sanidade mental do indiciado, quando houver elementos que o justifiquem.
Trata-se de importante atribuição, pois permite à autoridade investigativa contribuir ativamente para o controle processual das medidas cautelares pessoais e do incidente de insanidade mental, com base nas evidências coletadas durante a investigação.
e) Cumprir determinações judiciais relativas a presos sob sua guarda
Esta alínea reafirma o dever de fiel execução das ordens judiciais no que se refere à custódia e ao tratamento dos presos provisórios ou condenados, garantindo o cumprimento da legalidade e dos direitos assegurados aos detentos, mesmo sob regime militar.
f) Solicitar informações às autoridades civis
Nos casos em que a elucidação dos fatos dependa de elementos ou documentos sob responsabilidade de órgãos civis (como registros, certidões ou dados administrativos), a polícia judiciária militar pode solicitá-los, desde que relacionados ao crime investigado.
Essa previsão evidencia a possibilidade de interação interinstitucional para que a verdade dos fatos seja atingida.
g) Requisitar apoio técnico da polícia civil e repartições civis
A atuação da polícia judiciária militar não exclui a possibilidade de colaboração com outros órgãos técnicos, como o Instituto Médico Legal, laboratórios forenses ou equipes de perícia da polícia civil, especialmente em locais onde a estrutura militar não ofereça tais recursos.
A lei autoriza essa requisição como forma de assegurar que o IPM seja suficientemente robusto e tecnicamente embasado.
h) Atender pedido de apresentação de militar à autoridade civil
Nos casos em que autoridades civis, no exercício de sua competência legal, solicitem a apresentação de militares ou funcionários de repartições militares para fins legais (como depoimentos ou cumprimento de mandados judiciais), a polícia judiciária deve atender ao pedido, desde que ele seja legal e fundamentado, e desde que observados os regulamentos militares.
Essa previsão evita o isolamento da Justiça Militar em relação à Justiça comum e reafirma a subordinação dos militares à ordem jurídica brasileira como um todo.
4. O Artigo 8º e o Modelo de Justiça Militar no Brasil

O artigo 8º expressa o papel da polícia judiciária militar dentro do modelo constitucional de Justiça Militar. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 124, estabelece a competência da Justiça Militar da União para julgar os crimes militares definidos em lei, cometidos por membros das Forças Armadas.
Nesse contexto, a polícia judiciária militar torna-se a base da atividade persecutória no âmbito dessa Justiça especializada. Seu funcionamento adequado assegura que as investigações sejam conduzidas de forma célere, legal e respeitosa às garantias fundamentais.
5. Relação com o Ministério Público Militar e a Justiça Militar
A polícia judiciária militar atua sob a fiscalização do Ministério Público Militar (MPM), que pode requisitar diligências, acompanhar investigações e controlar a legalidade do IPM. Já o Judiciário Militar tem papel fundamental nas medidas cautelares, homologação de prisões e recebimento da denúncia.
Essa interdependência exige da polícia judiciária militar um elevado grau de preparo técnico e jurídico, bem como uma postura colaborativa e imparcial.
6. O Inquérito Policial Militar (IPM) como instrumento central
O IPM é o procedimento que formaliza a apuração dos crimes militares. Deve ser presidido por oficial com graduação mínima de 2º Tenente, contendo todas as diligências necessárias à elucidação dos fatos.
O artigo 8º funciona como a carta de atribuições do encarregado do IPM, que deverá observar todas as funções nele previstas. A condução do IPM é crucial para o oferecimento da denúncia e o eventual ajuizamento da ação penal militar.
7. Limites e Garantias na Atuação da Polícia Judiciária Militar
Mesmo diante da rigidez hierárquica das instituições militares, a atuação da polícia judiciária militar está sujeita aos princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório e da dignidade da pessoa humana.
Práticas abusivas, prisões ilegais, interceptações sem autorização judicial ou violação de garantias fundamentais podem comprometer não apenas o processo, mas a própria credibilidade da Justiça Militar.
8. Importância da Cooperação Interinstitucional
A possibilidade de requisição de exames, informações e apoio da polícia civil e de órgãos técnicos civis mostra a natureza cooperativa da persecução penal militar. Essa abertura é necessária especialmente em locais onde as estruturas militares não tenham os meios suficientes para uma investigação completa.
A harmonização entre órgãos militares e civis evita ilhas de poder e contribui para um sistema de justiça mais eficiente e integrado.
9. O artigo 8º frente aos desafios contemporâneos
Com a ampliação da atuação das Forças Armadas em atividades de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), missões de paz, e operações conjuntas com forças de segurança estaduais e federais, a polícia judiciária militar tem enfrentado novos desafios. Casos envolvendo civis, interações com forças policiais estaduais e questões de competência tornam cada vez mais necessário um aprofundado conhecimento da legislação.
O artigo 8º permanece atual por estabelecer, com clareza, as funções que devem ser exercidas pela polícia judiciária militar, mas seu exercício demanda constante atualização, preparo técnico e respeito aos direitos fundamentais.
10. Conclusão

O artigo 8º do Código de Processo Penal Militar é um dispositivo basilar para a organização e funcionamento da polícia judiciária militar no Brasil. Ao definir suas competências de forma ampla e minuciosa, a norma confere legitimidade, clareza e segurança jurídica à atuação dos encarregados de apurar infrações penais militares.
Sua importância transcende a mera estrutura legal: é garantia de legalidade, de justiça e de equilíbrio entre o poder estatal e os direitos dos militares investigados. Mais do que uma simples lista de atribuições, o artigo 8º é expressão do compromisso das Forças Armadas com o Estado Democrático de Direito.
FAQ – Artigo 8º do CPPM
1. Qual é a principal função da polícia judiciária militar?
A principal função é apurar crimes militares e sua autoria por meio da instauração e condução do Inquérito Policial Militar (IPM).
2. Quem pode presidir o IPM?
Somente oficiais das Forças Armadas com graduação mínima de 2º Tenente, conforme determina o CPPM.
3. A polícia judiciária militar pode cumprir mandados de prisão?
Sim, ela tem competência para cumprir mandados expedidos pela Justiça Militar, conforme previsto na alínea “c” do artigo 8º.
4. Pode-se requisitar apoio da polícia civil?
Sim. A polícia judiciária militar pode requisitar exames e pesquisas da polícia civil e de órgãos técnicos civis para complementar o IPM.
5. Um civil pode ser investigado por essa polícia?
Sim, se estiver envolvido em crimes sujeitos à jurisdição da Justiça Militar por força de lei especial, como ocorre em certas operações envolvendo civis e militares.
6. A polícia judiciária militar atua apenas no Exército?
Não. Atua nas três Forças Armadas: Marinha, Exército e Aeronáutica, conforme o artigo 7º do CPPM.